Embora a decisão final (pelo menos até o momento) tenha sido dada na noite de quinta (25) ao ser sancionada pelo prefeito Fernando Haddad, a discussão sobre o fim da comercialização de foie gras em São Paulo tem quase três anos. Tudo começou em agosto de 2012, quando o vereador Laércio Banko (PHS) apresentou o projeto na Câmara Municipal vetando a iguaria. Com canetada de Haddad, ficam proibidas por lei a “a produção e comercialização de foie gras, in natura ou enlatado, nos estabelecimentos comerciais situados no âmbito do Município de São Paulo”. Adeus, fígado gordo de pato. Para que os comerciantes possam se adequar à legislação, o prefeito deu um prazo de 45 dias para a entrada em vigor da nova lei. Assim, é possível vender os estoques existentes.
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O motivo da proibição, que contou inclusive com protesto de ativistas em frente à Prefeitura de São Paulo, está na forma de obtenção do fígado gordo, que fica bem mais e mais saboroso que o normal. Os animais são submetidos a um processo de superalimentação forçada chamado de gavage, que em francês significa comer em excesso. Fora do Brasil, a venda de foie gras foi impedida com severas multas no estado americano da Califórnia em 2012, que voltou atrás nessa decisão no início deste ano.
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Os fãs de foie gras terão de se apressar para provar pela última vez a iguaria na capital paulista . Por enquanto, seriam só mais esses 45 dias para saborear o fígado gordo de ganso ou pato, iguaria milenar que começou a ser apreciada no Antigo Egito.
Esse hábito sofisticado à mesa migrou depois para o continente europeu e encontrou na França um berço esplêndido e líder na produção mundial. Entre os países dedicados hoje à criação de aves para extração do ingrediente, a Hungria aparece em segundo lugar. Os outros grandes no setor são Bulgária, Espanha e Bélgica.
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No estado de São Paulo, os únicos dois produtores são Pierre Reichart, em Itu, e Alexandre Agrivert, em Campinas. Ambos estão preocupados com o efeitos que a lei pode trazer, já que a capital paulista concentra cerca de 80% das encomendas do produto.
Entre os donos de restaurantes e chefs de cozinha que usam o ingredientes, a notícia caiu como uma bomba. Alguns estão inconformados. Outros, por meio da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), representação de empresários do setor, darão entrada em uma ação direta no Tribunal de Justiça de São Paulo com pedido de liminar contra a lei sancionada. Para o advogado da ANR, Carlos Augusto Pinto Dias, a cidade não pode, de acordo com a Constituição, legislar sobre produção e consumo de alimentos.
Essa opinião é compartilhada e expressa por juristas. A recomendação ao veto também foi recomendada pela Procuradoria Geral do Município, diante de sua possível inconstitucionalidade. Por isso, a Prefeitura procurou tratar do assunto do ponto de vista da legislação ambiental. É a primeira batalha de uma guerra jurídica que está apenas começando.
O chef Erick Jacquin, um dos jurados do programa MasterChef Brasil e um mestre na preparação da iguaria, postou seu adeus ao produto no Instagram assim que soube da proibição: “Adieu foie gras a SP. A gastronomia paulistana está de luto”. Confira a repercussão do veto entre os donos de restaurante e cozinheiros:
Erick Jacquin, jurado do MasteChef Brasil e consultor dos restaurantes Tartar & Co e Le Bife
É triste para nós que somos franceses, faz parte da nossa gastronomia, da nossa tradição. Era uma iguaria rara, que ficou um pouco mais comum agora. Mas temos de seguir a lei.
Laurent Suaudeau, sócio e chef do restaurante Kaá e dono da Escola de Arte Culinária Laurent
Lamentável. Esse assunto merece uma longa discussão.
Rogério Fasano, sócio de restaurantes como Fasano, Parigi e Parigi Bistrot onde é servida aiguaria
Acho um absurdo. Com o é possível vender foie gras em Cotia que está aqui do lado e aqui em São Paulo não? Os juristas estão dizendo que é inconstitucional, teremos mais etapas pela frente, já que essa deveria ser uma lei federal. Diante desse excesso, deveríamos parar de comer qualquer animal. Eu nunca vi e não quero ver matar um boi, mas gosto de carne. As galinhas não têm qualidade de vida e todo mundo come. São Paulo tem pouquíssima vocação turísticas. Essa vocação é pela gastronomia. Estão destruindo com ela. Se eu fosse prefeito do Rio faria um anúncio dizendo: ‘Aqui você tem Pão de Açúcar, Corcovado e foie gras’, já que aqui em São Paulo não vai ter mais. Ofereço turnedô à rossini no do Fasano e precisarei tirar. É complexo esse assunto.
Jun Sakamoto, dono do restaurante japonês Jun Sakamoto e sócio do JunJi e da Hamburgueria Nacional
Não achei nada. É uma decisão inconstitucional. O município não pode legislar sobre esse assunto. Só os governos estadual e federal. A nossa associação [Associação Nacional de Restaurante] vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade e devemos ter uma liminar a nosso favor. O advogado da associação disse que não vai ter problema. De fato, se for proibido eu tirarei do cardápio. É apenas um ingrediente. Mas se for proibido definitivamente, eu não posso comercializar. Então, darei, de graça, para o meu cliente.
Emmanuel Bassoleil, chef do restaurante Skye no hotel Unique
É um ingrediente da gastronomia francesa que está na gastronomia mundial há seculos. A gente tem de respeitar a lei, mas fico triste com essa situação. Aliás, quem está triste nem são os chefs, mas os clientes que não poderão apreciar a iguaria. Será mais prejudicial para eles. Não se levou em conta que essa proibição atinge a produção de pato como um todo. O produtor tem que vender o peito, o confit. Fico com pena. Os chefs terão de se renovar e buscar outros ingredientes. Se quiserem saborear foie gras, os paulistas vão ter de ir a Campinas ou ao Rio de Janeiro . Tirarei dois pratos do menu, a terrine de foie gras com cacau da Amazônia e o filé à rossini.
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