Publicitária e DJ, sobrinha-bisneta de Tarsila do Amaral assume marca da pintora
A chegada de Paola Montenegro ao cargo é um dos desdobramentos recentes da longa disputa entre os herdeiros pelos direitos autorais da artista
Quando não está tocando em festas e bares descolados como o Cineclube Cortina, no Centro, ou o Bar Alto, na Vila Madalena, a publicitária Paola Montenegro, 29, é a responsável por autorizar as exposições e o licenciamento de produtos de Tarsila do Amaral (1886-1973), talvez a mais famosa pintora brasileira. DJ nas horas vagas, a sobrinha-bisneta da artista assumiu no ano passado a gestão da Tarsila S/A, empresa responsável por essas atribuições — que vão desde permitir o uso das obras em cadernos escolares até agendar mostras em museus pelo mundo. Pós-graduada em marketing digital, ela cuidava das redes sociais da marca desde 2021. A ascensão ao cargo é o passo mais recente de uma longa disputa entre os herdeiros de Tarsila pelo comando desses direitos autorais.
A Tarsila S/A, que teve faturamento de 500 000 reais no ano passado, possui no momento dez contratos de licenciamento e duas exposições marcadas na Europa — assinadas ainda na gestão de Tarsilinha, a sobrinha-neta homônima da pintora que deixou o comando da empresa em maio de 2022. Em setembro de 2024, o Musée du Luxembourg, em Paris, exibe treze quadros da brasileira, como os icônicos Abaporu (1928) e Operários (1933). Depois eles serão expostos no Museu Guggenheim Bilbao, na Espanha, de fevereiro a junho de 2025. Paola planeja organizar mostras para comemorar o centenário de obras como o próprio Abaporu, em 2028. “Nosso sonho é fazer uma exposição itinerante pelo país”, ela diz (o quadro pertence ao Malba, o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires, na Argentina).
A empresa que detém os direitos da pintora foi criada em 2005 por Tarsilinha e três primos. Juntos eles representavam os quatro ramos de herdeiros da família, originados pelos quatro irmãos da artista que eram vivos à época da morte dela, uma vez que Tarsila não deixou filhos (a única que teve faleceu antes da mãe). Segundo Tarsilinha, os desentendimentos começaram em 2018, após uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), a primeira da artista nos Estados Unidos — que resultou na compra do quadro A Lua (1928) pelo museu, avaliado em 20 milhões de dólares (cerca de 74 milhões de reais na época), cifra mais alta alcançada por uma pintura de um artista brasileiro. “Eles (os herdeiros atualmente no comando) ‘cresceram os olhos’ e começaram a me excluir das decisões”, ela diz.
Os novos administradores contestam a versão. “Após a saída dela, nossa primeira atitude foi profissionalizar a empresa, que era uma Sociedade Limitada (LTDA) e, por isso, não permitia transparência para os outros herdeiros”, diz Solano de Camargo, atual advogado da Tarsila S/A. Assim, cerca de trinta descendentes (são 57 no total) foram incorporados à empresa, e quatro deles, nomeados representantes dos herdeiros: Paulo Henrique (pai de Paola), Luis Paulo, Luiz Estanislau Amaral e Raphael Estanislau do Amaral, todos sobrinhos-netos de Tarsila. O novo comando também pediu a abertura de um inventário — meio século após a morte da pintora, que sequer deixou bens — e nomeou Paulo Henrique como inventariante, o que é contestado judicialmente por Tarsilinha.
Desde a saída de Tarsilinha, os herdeiros rivais abriram cinco processos contra ela, todos ainda em trâmite na Justiça. Um deles é uma ação por concorrência desleal, na qual acusam Tarsilinha de comandar, ao lado do irmão Guilherme do Amaral, uma empresa que também comercializaria os direitos da pintora, a Manacá Produções. O processo mais recente, protocolado no Tribunal de Justiça em maio passado, pede indenização de 100 000 reais por danos morais e materiais devido à Manacá ter supostamente prejudicado o nome da artista, uma vez que, em 2015, a empresa teria autorizado uma exposição de quadros de Tarsila no Theatro Municipal que nunca foi realizada e resultou em acusações de corrupção.
Tarsilinha rebate esses argumentos. Ela afirma que a Manacá oferece apenas serviços relacionados ao conhecimento dela própria sobre a vida e a obra da tia-avó, como palestras. Diz ainda que apresentará à Justiça um relatório com a prestação de contas do período em que esteve à frente da marca, previsto para daqui a um mês. Também acusa a nova gestão de não repassar valores a ela e aos herdeiros que representa. “Estão tentando desmoralizar o trabalho que fiz em prol do legado da minha tia-avó durante mais de vinte anos”, ela conclui.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875