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Blog do Lorençato

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O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também comanda o Cozinha do Lorençato, um programa de entrevistas e receitas. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Memória: o garçom Antonio Cleudon Bezerra (1969-2020) é vítima do coronavírus

O profissional, que havia sido promovido a maître, estava no momento mais feliz da carreira

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Atualizado em 20 jan 2022, 14h09 - Publicado em 1 Maio 2020, 13h23
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  • Ele estava feliz como nunca na nova fase de sua carreira. Aos 50 anos, Antonio Cleudon Bezerra havia trocado o posto de garçom pelo de segundo maître na filial que o tradicional restaurante português Bacalhau Vinho & Cia havia aberto em janeiro de 2020 no Itaim Bibi. “Meu pai, que começou como cumim, teve o prestígio e a honra de exercer seu maior cargo em sua vida profissional”, conta Weclison Duarte. Mas por muito pouco tempo. Bezerra morreu em 6 de abril, em decorrência de complicações causadas pela Covid-19.

    Desde que ingressou no ramo depois de chegar na capital paulistana na década de 80, esse cearense nascido em Solonópole, em 22 de julho de 1969, trabalhou em vários restaurantes. Como ajudante de garçom ou cumim, ele ingressou em 1989 na Churrascaria Taquaral, depois vieram o Rubaiyat, o La Tambouille, o extinto La Risotteria e, em seguida, o North Grill.

    Antônio Cleudon Bezerra
    De garçom a maître: reconhecido pela gentileza no atendimento (Arquivo Pessoal/Divulgação)

    Em 27 anos de carreira na crítica gastronômica, tive a oportunidade de ser atendido diversas vezes por Bezerra, fera na gentileza. A maioria delas foi no Cantaloup, um dos restaurantes mais refinados de São Paulo. Foi ali que recebeu um elogio no Instagram do próprio restaurante pelo atendimento prestado ao empresário Abílio Diniz. Depois de quase uma década na casa como garçom, encontrou a oportunidade de ascender ao transferir-se para o Bacalhau Vinho & Cia. “O Carlos Pallas [dono do restaurante português] tinha muita confiança nele”, afirmou o filho ao repórter Saulo Yassuda.

     

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    Na sexta (20 de março), a anterior a decretação da quarentena em 24 de março pelo governo do estado, Bezerra, que também era chamado de Cleudon pelos amigos, parou de trabalhar. “Meu pai estava em casa, em São Mateus, quando aparentou sintomas de gripe, teve tosse e febre”, recorda-se Weclison. “Levei ele no Hospital [Municipal] Doutor Benedicto Montenegro no dia 23 de março. O médico pediu um raio-X e disse que meu pai estava com mancha no pulmão. Passou antibiótico e disse que ele podia voltar para casa, onde devia tomar o medicamento por dez dias ”. Mas não houve melhora.

    “Se não me engano, voltamos ao pronto-socorro em 29 de março, uma semana depois, um domingo. Dessa vez, foi no Hospital [Estadual] da Vila Alpina, onde meu pai fez tomografia, exames de sangue e foi internado. Na segunda, retornei no horário para conversar com médicos, último dia que o vi”, descreve o rapaz.

    Nos dias seguintes, Bezerra passou respirando com a ajuda de oxigênio. Embora estivesse isolado, se comunicava pelo celular. Aparentemente estável, começou a demonstrar muito cansaço. “Ele ainda conseguia tomar banho sozinho e sem o oxigênio. Também se alimentava”, descreve o jovem. Na quinta daquela semana, 2 de abril, Bezerra foi transferido para a emergência, onde aguardava por uma vaga na UTI, já com equipamentos e monitorado.

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    Não pude ver o corpo. Perder uma pessoa é doído, mas você não poder ver essa pessoa… A última lembrança que tenho do meu pai foi no dia da transferência, mas ele já estava desacordado

    Weclison Duarte

    Como não havia vaga e a piora se intensificava, necessitou de remoção em 3 de abril para o Hospital Regional Sul, em Santo Amaro. Permaneceu internado até a segunda, dia 6, quando morreu de choque séptico, também chamado de infecção generalizada. “Foi enterrado em Santo André sem velório. Não pude ver o corpo. Perder uma pessoa é doído, mas você não poder ver essa pessoa… A última lembrança que tenho do meu pai foi no dia da transferência, mas ele já estava desacordado”, lamenta.

    Ao enterro, foram ele com a esposa, a mãe e o irmãozinho pequeno, além de alguns amigos da família. Na breve cerimônia da despedia, o caixão estava lacrado com um plástico. “Sinto uma dor que espero que vire apenas saudade um dia. Meu pai era o meu maior orgulho. Mas a vida de garçom não é fácil. Ele sempre fez dois horários, com muitas madrugadas na rua nesses anos todos. Além disso, ele tinha pressão alta.”

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    Embora o teste para Covid-19 tenha sido realizado em 30 de março, o resultado só ficou pronto em 23 abril. Como é preciso ir pessoalmente fazer a retirada, Weclison teve acesso ao conteúdo na última segunda (27). Além dos amigos que colecionou no trabalho, Bezerra deixa a mulher Uberlania e os filhos Weclison, 22 anos, e João Eduardo, de apenas 10 anos.

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