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Mostra no Catavento celebra 150 anos de Santos Dumont com réplicas de aviões

'Santos Dumont: entre Máquinas e Sonhos' é a maior exposição já feita no museu e terá ainda objetos pessoais do inventor e atividades interativas

Por Pedro Carvalho e Júlia Rodrigues
22 set 2023, 06h00
exposição santos dumont catavento
Representação do 14-bis na entrada da instituição: investimento de 1,5 milhão (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Era um jovem fissurado em tecnologia, que se tornou um influencer de fama mundial e um maker que construía as próprias invenções — isso mais de um século atrás. Nascido em 1873, o mineiro Alberto Santos Dumont, como se sabe, criou o primeiro avião, mas além disso andava sempre com um fotógrafo pessoal, divulgava os experimentos nos jornais (mesmo quando davam errado) e assim virou uma celebridade internacional da época. Para comemorar os 150 anos de nascimento do maior inventor — e de um verdadeiro influenciador — brasileiro, o Museu Catavento, no Centro, voltado para as ciências, inaugura no dia 29 uma exposição com réplicas em tamanho real dos aviões pioneiros, objetos do cientista, brincadeiras interativas e até um caça F-5 da Aeronáutica.

“Será a maior exposição temporária já feita no Catavento, em termos de valor histórico e investimentos”, diz Ricardo Pisanelli, curador da mostra — que terá oito meses de duração — e superintendente de projetos da organização social gestora do museu, uma propriedade do governo esta – dual. A exposição Santos Dumont: entre Máquinas e Sonhos custou 1,5 milhão de reais, dos quais 500 000 vieram da Secretaria de Cultura e o restante de patrocínios de empresas como o Grupo Ultra e a Embraer. “É uma das mostras mais importantes já montadas no país sobre ele, porque certamente atingirá milhares de jovens”, afirma Marcos Villares, sobrinho-bisneto do inventor. Inaugurado em 2009, o Catavento teve 522 000 visitantes no ano passado, mais que a Pinacoteca (511 000) e mais que o dobro do MIS Experience (229 000) — durante a semana, o público é quase todo de grupos de estudantes, enquanto aos sábados e domingos predominam as famílias.

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Paula e Ricardo, do Catavento, com maquetes do 14-bis e do Demoiselle: modelos também poderão ser vistos em tamanho real (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Os números vistosos, vale dizer, contrastam com o entorno abandonado e degradado do museu, que ocupa o antigo Palácio das Indústrias, feito pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo em 1924. Ilhado entre avenidas (como a do Estado) e viadutos, o Catavento não se conecta sequer ao Parque Dom Pedro II, logo em frente, do qual é separado por uma grade. Ou seja, quem desce na estação Pedro II do metrô não consegue caminhar pelo parque até o museu contíguo.

Em 2018, alunos do Colégio São Paulo, também vizinho da área verde, a cerca de 500 metros do Catavento, visitaram a instituição, acredite se quiser, de carro. “A região tem alta passagem de automóveis, mas pouquíssima gente que faz coisas por ali”, diz Marilia Marton, secretária de Cultura. O museu tem um estacionamento amplo (20 reais por quatro horas). O Instituto de Arquitetos do Brasil e a Escola da Cidade lançaram um concurso para premiar projetos de requalificação da região, onde também fica o Mercado Municipal. A prefeitura tem planos para voltar a utilizar a Casa das Retortas, outro prédio histórico abandonado na vizinhança.

Santos Dumont nasceu rico — rico mesmo. O pai era dono da maior fazenda de café do país, perto de Ribeirão Preto, que chegou a ter 5,5 milhões de pés do grão e 60 quilômetros de trilhos de trem — sim, dentro da propriedade. Sem preocupações financeiras e com uma imaginação mirabolante, forjada pela leitura de clássicos da ficção científica como Julio Verne, Dumont se mudou para Paris para terminar os estudos em 1892.

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Em 1906, fez na capital francesa o famoso voo pioneiro com o 14-bis, que terá uma réplica na exposição. “Foi a primeira vez que um objeto mais pesado que o ar voou sem a ajuda de forças externas como uma catapulta, método usado pelos irmãos Wright, nos Estados Unidos”, diz Henrique Lins e Barros, biógrafo do brasileiro, a respeito da polêmica sobre a paternidade da aviação, disputada entre Dumont e os americanos — Lins participará de um debate na abertura da mostra. “Não tenho dúvidas de que foi o inventor do avião, e todos os principais modelos que surgiram depois se basearam nos princípios que ele criou”, afirma o escritor e pesquisador. Pisanelli, do Catavento, tem um argumento mais simples e direto: “Com uma catapulta, até pedra voa”, diz o curador.

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Dumont no apartamento onde morou em Paris: criança prodígio (Acervo do Museu Paulista/Divulgação)

A exposição levará o legado de Dumont além dos muros do Catavento. Durante a mostra, o museu fará cursos de formação para professores sobre a trajetória do inventor. “Serão duas turmas gratuitas, uma voltada para a parte histórica e outra para os aspectos científicos das invenções. Cada uma pode ter até 180 docentes. Serão abertas às redes pública e privada de ensino”, diz Paula Paiva, gerente do núcleo técnico do Catavento. Além disso, a instituição ofereceu cursos a dezessete educadores que levarão o tema às Fábricas de Culturas mantidas pelo estado.

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Santos Dumont em um passeio de balão, tecnologia que também marcou a trajetória do inventor (Acervo do Museu Paulista/Divulgação)
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Em um museu sempre cheio de crianças, a mostra terá também oficinas para se montar o 14-bis com peças de Lego e para se confeccionar aviõezinhos de papel, além de um pequeno túnel de vento que explica a física dos voos. “É uma exposição feita para inspirar os mais novos a também se tornarem cientistas”, diz Pisanelli — enquanto aponta uma foto do próprio Dumont ainda jovem, em uma exposição em Paris, maravilhado ao conhecer um motor a combustão, tecnologia fundamental para as futuras máquinas voadoras do brasileiro. Outras atrações são as ferramentas e objetos do inventor, como um chapéu e uma gravata emprestados pelo Museu de Cabangu, em Minas Gerais, onde ele nasceu.

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Sala de entrada do museu: 522 000 visitantes no ano passado (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A trajetória do pioneiro da aviação terminou de maneira trágica, em 1932, no Guarujá, litoral paulista. Há tempos, o inventor dava sinais de que sofria de depressão. “Um ano antes, ele escreveu uma carta à irmã mais velha, Virgínia, dizendo que tinha tentado se suicidar no navio que o trazia ao Brasil”, conta Villares. Em 23 de julho, três dias depois de completar 59 anos, Santos Dumont se enforcou no banheiro de um hotel do balneário. A versão mais conhecida diz que o inventor se frustrara ao ver os aviões servirem como arma de guerra na Revolução de 1932. “É possível que tenha sido um gatilho. Ele via os aviões de Getúlio Vargas que passavam ali para bombardear São Paulo”, diz o sobrinho-bisneto. “Mas nunca teremos certeza. Dumont não deixou carta de despedida”, conclui.

Também não registrou patentes de suas máquinas voadoras — além de não precisar do dinheiro, Dumont sonhava que a aviação se disseminasse pelo mundo. “Se considerarmos as melhorias feitas a cada projeto, ele teria sido proprietário de milhares de inovações”, diz Luiz Pagano, autor do blog A Maravilhosa Vida de Santos Dumont. (O inventor patenteou duas criações: uma máquina para a corrida de cachorros da raça galgo e outra para a encadernação de livros.) Mas não é preciso documentos cartoriais para entender o legado do brasileiro. Em 1901, antes de surgirem os aviões, Dumont ganhou o célebre Prêmio Deutsch, que oferecia 100 000 francos a quem contornasse a Torre Eiffel e voltasse ao ponto de partida em até trinta minutos pelo ar. Venceu porque, de forma pioneira, acoplou um motor a um dirigível — os balões anteriores voavam ao sabor do vento.

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Grade que separa o Catavento do Parque Dom Pedro II: acesso ruim (Pedro Henrique Carvalho/Veja SP)

No ano seguinte, já uma celebridade global, encontrou-se com Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica incandescente, nos Estados Unidos (este, sim, dono de 2 332 patentes mundo afora). Edison profetizou: “Você acertou, o motor a combustão será o futuro da aviação”. E foi. “É simbólico que a mostra aconteça no antigo Palácio das Indústrias. A exposição onde ele viu um motor pela primeira vez aconteceu no Palácio das Indústrias de Paris”, diz Ricardo Magalhães, vice-presidente do Instituto Cultural Santos Dumont. “Para mim, será a exposição mais importante sobre ele, porque mostrará o lado maker e cientista de Dumont”, ele afirma. Se você ama a ciência, vá — voando!

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Destaques da mostra

Exposição terá itens de outros museus e contribuição da Aeronáutica

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> Ícone da moda

Além de inventor, Santos Dumont era conhecido pela elegância. Não abria mão das roupas finas mesmo quando voava. “Jornais do Rio de Janeiro vendiam ‘roupas como as de Santos Dumont’”, diz Ricardo Magalhães, especialista no personagem.

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Chapéu e colarinho de Dumont (Alexandre Battibugli/Veja SP)

> Pátio dos Aviões

A Aeronáutica, que supervisionou a produção das réplicas do 14-bis e do Demoiselle da exposição, também cedeu ao museu um caça F-5. “O plano é que fique no acervo (que já tem um DC-3)”, diz Pisanelli, do Catavento.

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Caça F-5 da Aeronáutica (Alexandre Battibugli/Veja SP)

> Contribuições à arquitetura

Em 1918, Dumont projetou a famosa Casa Encantada, em Petrópolis — que tem uma maquete na mostra. Era cheia de pequenos inventos: não havia divisórias nos cômodos, os móveis eram multifuncionais e havia um protótipo de um chuveiro elétrico.

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Maquete da Encantada (Alexandre Battibugli/Veja SP)

> Passo a passo

Outra pequena — e brilhante — invenção de Dumont que está na mostra é a escada com degraus em forma de raquete, ainda usada na arquitetura. Com os apoios alternados, o item pode ser mais inclinado e, assim, ocupar uma área menor na casa.

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Réplica da escada (Alexandre Battibugli/Veja SP)

> A “máquina perfeita”

Depois do 14-bis, Dumont criou o Demoiselle (ao lado, a maquete, mas haverá uma réplica em tamanho real na mostra), considerado uma obra-prima da engenharia pela elegância e eficiência do modelo — o primeiro a ser feito em série. “Ele reduziu o peso e aumentou a potência do motor”, diz Luiz Pagano.

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Maquete do Demoiselle (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Santos Dumont: entre Máquinas e Sonhos. Museu Catavento — Avenida Mercúrio, s/nº, Parque Dom Pedro II, Centro. De 29 de setembro até abril de 2024. Terça a domingo, das 9h às 17h. 15 reais (inteira), grátis às terças, para crianças até 7 anos e grupos de escolas públicas. @museucatavento.

Publicado em VEJA São Paulo de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860

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