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De Sebastião Reis à filha do Bozo: 10 histórias para o Dia dos Pais

Vejinha revela memórias emocionantes narradas pelas "crianças" de personalidades da capital

Por Humberto Abdo, Guilherme Queiroz
Atualizado em 11 ago 2023, 11h39 - Publicado em 11 ago 2023, 06h00
Imagem mostra o cantor Nando Reis e seu filho, Sebastião, sentados lado a lado em um ambiente fechados. Os dois seguram violões no colo
Nando Reis e Sebastião Reis: inspiração para o hit 'O Mundo é Bão, Sebastião!' (Carol Siqueira/Divulgação)
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Não basta ser filho ou filha: tem que participar. Para celebrar o Dia dos Pais, os próximos textos trazem uma série de depoimentos sobre o elo da paternidade — narrada justamente pelas “crianças” de moradores especiais da cidade. De memórias da filha de um intérprete do palhaço Bozo aos sucessores de nomes de destaque na gastronomia, da infância movimentada de Sebastião Reis (filho de Nando Reis e razão do hit O mundo é bão, Sebastião!) à jovem que viralizou após compartilhar uma mensagem do pai semianalfabeto — são relatos que valem a leitura. Quem é pai vai identificar sentimentos conhecidos. Quem não é viverá essas emoções por meio das declarações sinceras e amorosas da nova geração. Famosos ou anônimos, eles dão aulas de humanidade. A esses pais — e a todos os que não estão na reportagem —, Vejinha deseja o mais alegre e significativo domingo de festa.

+ Denise Fraga: “Pessoas que moram na rua também são nossos vizinhos”

JOVENS NO ANTIQUÁRIO

Foto mostra Arnaldo, pai e mais velho, à frente da imagem, sentado em cadeira. Ao fundo, do lado esquerdo, a filha Paloma, sentada em uma escada. Na direita, André, outro filho, aparece apoiado em uma cadeira. Todos olham para a câmera
Paloma, Arnaldo e André: viagens para garimpar móveis (Joel Silva/Veja SP)

“Nossas viagens sempre foram um híbrido de férias e garimpo de móveis antigos. Na estrada, as paradas costumavam incluir uma feirinha para descobrir peças para o antiquário da família (o Arnaldo Danemberg, nos Jardins). Ia a leilões com meu pai na Inglaterra e achava que estava em um bingo, que podia levantar a mão e gritar. Hoje, nos revezamos ao volante do caminhão por países como França, Portugal, Holanda e Suíça. O garimpo é feito no primeiro semestre, quando é mais frio. Na rádio dele, só sucessos dos anos 1960 e 70. Na minha, rock dos anos 80. A diversão é parar nos restaurantes de beira de estrada.”

Foto antiga mostra Arnaldo abraçando os dois filhos, ainda crianças, em praia
A família Danemberg (Arquivo pessoal/Divulgação)

“Sou mais novo, meu caminho no antiquário tem sido pelas pesquisas. Trocamos muitas sugestões de livros e sempre nos reunimos no tempo livre. A tradição é ele cozinhar arroz de pato ou ragu à la bière. Acabei de ter uma filha. Quero ser um pai tão bom quanto ele.”

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Paloma e André Danemberg, 38 e 33, filhos de Arnaldo Danemberg, 67

O MUNDO É BÃO

Imagem mostra Nando sentado, segurando violão e, atrás do cantor, o filho em pé, com a mão no ombro do pai
Sebastião e Nando: parcerias na música (Carol Siqueira/Divulgação)

“Morei quase a vida toda no Itaim Bibi com meus pais. Eles se separaram, mas meu pai sempre foi presente. Na infância, amávamos assistir a National Geographic e ‘programas de bicho’. Desenvolvi uma paixão por elefantes, zebras… Aos 10 anos, fomos para a África, só eu e ele. Tanzânia, Quênia, safári, maravilhoso. Quando pequeno, eu era mal-humorado. Minha mãe dizia: ‘Sorria, Sebastião, o mundo é bão!’ Ele pegou a frase e fez a música. Meu pai me passou a paixão pelo rock, a gente ouvia Led Zeppelin, banda favorita dele. Foi difícil vê-lo refém de um vício. Sempre fiquei do lado dele nesses momentos. Está sóbrio faz alguns anos. De certa forma, vê-lo passar por isso me ensinou a manter distância de cocaína e do álcool. Na adolescência, decidi ser músico. Tenho uma banda, a Colomy. Ser filho dele traz facilidades e, ao mesmo tempo, preconceitos e comparações. No disco que acabamos de lançar, tem uma música que meu pai fez a letra. Foi uma parceria fantástica. Em duas semanas, eu e ele faremos uma turnê na Austrália.”

Sebastião Reis, 28, filho do músico Nando Reis, 60

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+ “Estou de saco cheio desse papo de patriotismo”, diz Nando Reis

Foto antiga mostra Nando sentado em um tapete com o filho Sebastião, ainda bebê, no colo. Eles estão em uma sala
Nando e Sebastião: paixão por animais na infância (Arquivo pessoal/Divulgação)

BATIZADO DAS BONECAS

Imagem mostra o pai, Adelchi, segurando uma boneca no colo. Ele usa um cachecol escuro no pescoço. A filha, Marcela, aparece sorrindo, apoiada no ombro do pai. Eles estão em uma rua residencial da Lapa
Marcela e Adelchi, na Lapa: como no dia da cerimônia (Joel Silva/Divulgação)

“Cresci na Lapa. Nossa casa era o ponto de encontro da criançada. Meu pai comprou mesa de pingue-pongue, pebolim, videogame. Um dia, aos 5 anos, acordei e minha mãe falou: Hoje seu pai vai ‘virar padre’ e batizar as bonecas. Fiquei muito ansiosa, seria um batizado enorme com a presença da Lolo, da Angélica, das meninas e meninos da rua. Meu pai colocou uma polo branca e uma echarpe preta. Ele vinha, pegava uma boneca e dizia: ‘Essa vai se chamar Elizete!’. As crianças começaram a gritar ‘não, essa não é Elizete’. Era um show. Ele é italiano, misturava palavras em italiano… Tenho dois irmãos, um de 43 e uma de 45 anos. Ele chegava do trabalho e todo dia passava uma hora brincando com a gente. Uma clássica: a gente fingia que sequestrava ele, o amarrava no chão da sala — e ele tirava uma soneca. Depois a gente se ligou pela literatura, sempre conversamos sobre livros. Sou escritora e mãe de gêmeos. Ele buscou minha esposa, meus filhos e eu na maternidade.”

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Marcela Tiboni, 41, filha de Adelchi Tiboni, 72

O CAFEZINHO QUE UNIU A FAMÍLIA

Imagem mostra pai e dois filhos em cafeteria, apoiados em equipamento grande de café. Eles estão em uma cafeteria, posicionados lado a lado e sorriem para a foto
Boram (no meio) e o irmão Garam: cafeterias em SP (Ligia Skowronski/Veja SP)

“Quando meu pai revelou os planos de investir em café, fomos juntos ao sul de Minas conhecer a região. Foi incrível vê-lo tão inspirado para trabalhar com agricultura e morar em uma fazenda. Ele achou que seria um bom plano para a aposentadoria, mas se tornou algo maior. Eu estava na faculdade de administração. Hoje entendo que foi um investimento de longo prazo, pensando na família, pois o café é o tipo de negócio que passa entre gerações. Em uma viagem, tivemos a ideia de abrir a cafeteria Um Coffee Co (atualmente com seis lojas em SP). Cuido dos espaços com meu irmão, enquanto meu pai fica nas plantações. Gosto de levar novos cafés para ele experimentar. Quase 100% dos encontros envolve sentar e tomar um cafezinho.”

Boram Julio Um, 33, filho de Stefano Ha Yong Um, 62

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SOBRE AMOR E PERDÃO

Imagem mostra pai e filha abraçados, com a filha por trás do pai. Eles seguram as mãos e estão no meio de uma rua residencial
Perla e Wilson: reencontro aos 28 anos (Joel Silva/Veja SP)

“Meu pai morava em frente à casa da minha mãe, no Jardim Nossa Senhora do Carmo, na Zona Leste, e eles tiveram um relacionamento. Ele tinha 19 anos e minha mãe, 39. Mas meu pai tinha uma namorada. Minha mãe descobriu que estava grávida e, quando nasci, ele estava noivo. Minha mãe tem a pele mais clara, meu pai é negro. Quando vim com a pele mais escura, deu para perceber. A família dele ficou sabendo, mas ele não me assumiu como filha. Ele e a esposa moraram sete anos no bairro, depois se mudaram para longe. Tinha poucas lembranças dele, vi meu pai três vezes até completar 28 anos. Então ele apareceu na minha porta querendo conversar. Achei estranho, mas o convidei para entrar. Ele falou: ‘Quero recuperar o tempo perdido’. Pediu para eu me aproximar, conhecer os filhos dele — meus irmãos. Aí fomos quebrando o tabu. Comecei a ir na casa deles aos domingos, fomos construindo um laço. Minhas filhas gostam muito do avô. Hoje meu coração está em paz, tenho o amor de pai. Mas dei trabalho na escola e fui mãe aos 15 anos.”

Perla Graziela da Silva Barbosa, 38, filha de Wilson Antonio da Silva, 58

FILHA DO BOZO ARTISTA É

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Imagem mostra pai e filha. A filha está sentada em um sofá e o pai está atrás dela, sorrindo com um nariz de palhaço no rosto.
Stacy e Arlindo, ex-intérprete do palhaço: viagens (Clayton Vieira/Veja SP)

“Na infância e adolescência, viajamos muito juntos. Meu pai já tinha saído do SBT e virado pastor. Passou a fazer shows evangelizando as pessoas vestido de Bozo. Foi assim que conheci o mundo, como ‘Bozolina’. Hoje, como mãe, entendo que era um jeito de ficar mais perto de mim. Descobri muitas culturas, comidas, músicas. Ele dizia que estudávamos geografia na prática. Fomos para Canadá, Estados Unidos, Japão. Uma vez, em uma confusão no trânsito, ele saiu perguntando se tinha cara de palhaço… Hoje está mais quietinho, mas sempre será um ‘doidão’. É missionário e vai a presídios levar Bíblias. E eu estou focada na minha peça atual: 80: a Década do Vale Tudo (musical em cartaz no Teatro Claro). Um dos trechos faz homenagem ao Bozo.”

Stacy Locatelli, 28, filha de Arlindo Barreto, 70

Foto antiga mostra Arlindo vestido como o palhaço Bozo e a filha, Stacy, pequena, sorrindo, com maquiagem de palhaça. Os dois estão na sala de uma casa
O pai vestido de Bozo e Stacy, pequena (Arquivo pessoal/Divulgação)

COMIDA, VIAGENS E SKATE

Imagem mostra pai, Tsuyoshi, sentado em mesa de restaurante e filho, Jun, logo atrás. Pai olha sério para a foto e filho sorri
Jun e Tsuyoshi, do Murakami: “Ele é o artista” (Estúdio Mió/Divulgação)

“Desde pequeno, ele me colocou na cozinha. Eu saía da escola e ia fazer bagunça no restaurante do meu avô, meus primeiros brinquedos foram as caixas de papelão do estoque. Em 2019, abrimos o Murakami (nos Jardins). Meu pai é o artista, enquanto eu cuido da gestão — e é um desafio mantê-lo no planeta Terra. Ele tem um ritmo próprio. A gente tenta absorver as ideias e colocá-las no plano racional. Sempre viajamos juntos, a última vez ao Japão. Ele topa fazer tudo: nessa, fez snowboard. Ficou acabado, mas fez. Uma vez fomos andar de skate. Ele saiu em disparada e acabou no hospital, mas ficou tudo bem. Diz que vai viver até os 120 anos.”

Jun Murakami, 22, filho de Tsuyoshi Murakami, 54. Jun lidera a expansão do Murakami, que em setembro ganha delivery de comida japonesa e novo endereço na Alameda Lorena

UNIDOS PELA VÁRZEA

Imagem mostra pai. Dirceu, e filho, Alberto, em campo de futebol. Os dois estão dentro de gol e olham para câmera por entre as redes do gol. O filho segura no braço esquerdo uma bola de futebol.
Dirceu e Alberto: tabelinha familiar no Morgante, de Itaquera (Joel Silva/Divulgação)

“Meu pai era caminhoneiro. Dos 2 aos 7 anos, convivemos pouco. As coisas mudaram quando ele montou o próprio negócio de logística e passou a ter mais tempo para a família. Nessa época, começou a jogar bola no clube Morgante, em Itaquera. Aos domingos, às 8h, o ‘veinho’ ia bater uma bola — e eu sempre ia junto. Começamos a ficar mais próximos. Aos 13 anos, comecei a jogar ao lado dele. Foi marcante demais. Aos 14, marquei meu primeiro gol e foi uma comemoração muito especial. Saí correndo até a defesa para pular nos braços dele. Ele ficava bravo, discutia com todo mundo, não aceitava falta dura em mim. Ele e meu tio foram da diretoria por trinta anos e me pediram para assumir o clube quando fiz 22. Eu frequentava o Morgante desde pequeno, então foi bem natural. Hoje, vivo do clube, cuido da lanchonete e alugamos o campo para outras equipes. Meu pai tem 61 anos e ainda jogamos juntos.”

Alberto Pardini de Oliveira, 39, filho de Dirceu Martins de Oliveira, 61

DICA DE CARTOLA

Foto mostra Vicente, o pai, beijando a bochecha do filho, Rodrigo. Rodrigo sorri para a foto.
Pai, Vicente, e filho, Rodrigo: paixão pelo samba e conselho com música de Cartola (Studio 8 Fotografia/Divulgação)

“Meu pai é corretor de imóveis e está na mesma empresa desde os 18 anos. É um cara que lê muito e leva o samba como religião. Conhece a fundo Cartola, Candeia, Nelson Sargento… Sábado de manhã, colocava os LPs para tocar. Em 2018, conheci minha esposa e, no ano seguinte, combinamos de fazer uma viagem para a Europa. Eu morava de aluguel na Praça Roosevelt. Comecei a imaginar o que faríamos depois da viagem. Tinha 32 anos e ela, 20. Morar juntos e casar seria um grande passo. A gente se sentou com meu pai. Explicamos que estávamos com receio de ir rápido demais, de errar. Minha mãe estava junto. Ele apenas falou: ‘Tem uma música do Cartola que reflete exatamente o que vocês estão passando’. E colocou a música Nós Dois, que diz: ‘Está chegando o momento de irmos pro altar, nós dois’. Pouco depois, nos casamos. A música definiu o que iríamos fazer. Minha esposa subiu ao altar ao som do Cartola.”

Rodrigo Ferreira da Silva, 37, filho de Vicente Ferreira da Silva Filho, 59

Foto antiga mostra casal em pé. No colo da mãe, um bebê
Foto da infância: Rodrigo, Jane (a mãe) e Vicente (Arquivo pessoal/Divulgação)

O CARINHO QUE VIRALIZOU

Imagem mostra pai e filha abraçados sorrindo para câmera. Ele usa terno rosa.
Micarla e Pedro: terno rosa para ver a Barbie (Arquivo pessoal/Divulgação)

“Meu pai é um homem semianalfabeto. Em 2016, compartilhei uma mensagem entre amigos. Mandei o print da conversa que tive com ele após ter sido assaltada. Ele tentou escrever que me amava, para me acalmar. Mandei despretensiosamente, de forma carinhosa. Acordei com a Fátima Bernardes citando o post na TV, de tanto que tinha viralizado. Para minha surpresa, meu pai adorou. Ficou feliz por receber mensagens bondosas, de pessoas que viviam a mesma situação. Decidi estudar comunicação e oratória (virou palestrante de destaque sobre o tema). Meu pai é uma das pessoas mais sábias que conheço. Sempre amei as conversas com ele. Se eu não estava legal, ele se sentava para saber como foi meu dia. Hoje, vejo que exercia a escuta ativa e usava elementos da comunicação muito além dos erros ortográficos. Foi ele quem me formou comunicadora. Estou na Europa, mas vou mandar um presente de Dia dos Pais. Ele vai adorar ganhar um terno. Para ver o filme da Barbie comigo, até escolheu um terno rosa.”

Micarla Lins, 28, filha de Pedro Lins, 49

Publicado em VEJA São Paulo de 16 de agosto de 2023, edição nº 2854

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