O outono abre um parêntese na rotina de Estaña, no nordeste da Espanha. Quando a temperatura baixa nesse platô aberto para a Serra de Montsec, na divisa entre Aragão e Catalunha, o francês Daniel Grau Bergé madruga para colher o açafrão, a mais valiosa das especiarias. O grama desse pó laranja avermelhado, suficiente para dar cor e sabor a uma receita, chega a custar 40 euros (10 euros acima da cotação do ouro), e essa pitada de nada do condimento provém de 150 flores. No fim da colheita, Bergé terá somado 500 gramas.
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Semeado no início do verão, o açafrão desabrocha na segunda quinzena de outubro, quando o frio desperta o mecanismo de reprodução da espécie Crocus sativus. Com as pétalas abertas, os filetes vermelhos que configuram os órgãos reprodutivos femininos da planta se projetam para além das pétalas. Chamados de pistilos, deles resulta o mais puro açafrão.
As pétalas se abrem em horários imprevisíveis, tingindo de lilás o campo. É preciso colher a flor antes que o calor e a luz do dia lhe roubem o aroma e a cor. Bergé percorre um campo de 700 metros quadrados delimitado por cerca eletrificada, proteção contra os javalis. O condimento daqui é produzido sem fertilizantes nem pesticidas e por um processo manual. Folhas de facélia ou mostarda adubam a terra. Um canteiro de flores ao longo da plantação atrai insetos intrusos. A colheita é árdua. O profissional curva-se até o chão para extrair a flor sem danificá-la. “É coisa para apaixonados”, diz Bergé.
Dentro do casarão da família, as flores são espalhadas sobre a mesa. Beatrice, sua filha, extrai os pistilos com a ajuda de uma tesoura. Em seguida, os ramos são colocados sobre uma grelha diante de uma lareira, onde ficam até que estejam secos e prontos para ser embalados em frascos ou saquinhos. Dois outros filhos de Bergé o ajudam, ao lado de amigos e vizinhos. A produção é vendida na pequena loja no vilarejo vizinho de Benabarre e exportada.
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Há uma década, Bergé deixou o sul da França, no caminho inverso ao de seus antepassados, que saíram dos arredores de Estaña fugidos da Guerra Civil Espanhola. Vista em amplidão, a paisagem mudou pouquíssimo desde que os pais do agricultor cruzaram os Pireneus rumo ao norte. De perto, o casarão da infância continua abandonado. Bergé empenhasse em não deixar que o mesmo aconteça com o povoado de Estaña. “Dói-me ver esses vilarejos morrendo.” Por isso, resolveu resgatar o cultivo no solo que produz o melhor açafrão espanhol. O plantio aqui remonta ao século XVII. A região oferece o que é necessário à planta: temperaturas extremas e um clima seco.
Como tudo o que tem muito valor, o açafrão é alvo de falsificação e adulteração. “Especuladores começaram a vender como especiaria espanhola o produto do Irã, que é industrializado”, diz Antonio García Martín Delgado, presidente do conselho regulador da Denominação de Origem Protegida Azafrán de La Mancha. Em 1999, uma norma específica foi publicada para proteger a reputação do produto. Deu tão certo que conseguiu também reavivar o cultivo local.
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Hoje, a região de La Mancha responde por 95% do açafrão espanhol, num total de 1 700 quilos por ano. Se ganha em volume de produção, essa área perde num fator de qualidade determinante: o teor de crocina, um antioxidante cujas propriedades medicinais tratam a infertilidade (daí a fama de afrodisíaco). Análises recentes demonstraram que o produto de Estaña tem 8,31% da substância. A marca é superior à do açafrão de La Mancha (7,3%) e quatro vezes maior do que a do importado da China (2,1%).