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Blog do Lorençato

Por Arnaldo Lorençato Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também comanda o Cozinha do Lorençato, um programa de entrevistas e receitas. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Memória: Masanobu Haraguchi (1953-2022)

O chef, com formação na região de Kansai, era especializado em uma culinária de receitas quentes e ritualísticas do Japão

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Atualizado em 29 mar 2022, 03h15 - Publicado em 23 mar 2022, 20h12
Imagem de Masanobu Haraguchi cortando alimento na tábua
Haraguchi: em São Paulo desde 1979 (Rafael Salvador/Divulgação)
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A discrição sempre foi a cor favorita do mestre da gastronomia japonesa que partiu nesta terça (22). Masanobu Haraguchi faleceu aos 69 anos vítima de câncer.

O cozinheiro, profissão que no Japão é conhecida por itamae, veio de Osaka para o São Paulo em março de 1979. Tinha a missão de integrar a equipe do monumental Suntory, nos Jardins, um daqueles endereços que eram chamados à época de templos da gastronomia por sua culinária sublime, mas que desapareceu.

A especialidade de Haraguchi sempre foi o receituário de pratos quentes. Depois de seis anos no Suntory, ele sentiu que era hora de seguir em outras paragens e migrou para o extinto Semba, no Bixiga. A casa, bem em frente do viaduto Treze de Maio, tornou-se uma referência da culinária oriental de qualidade naquela época.

Apesar de fugir constantemente dos holofotes, Haraguchi ganhou especial reconhecimento de público e crítica quando foi comandar, em 1991, o ritualístico Miyabi, à época no subsolo do Top Center.

Masanobu Haraguchi com amigos
Arnaldo Lorençato, Satoshi Tanji, Takae Hachinohe, Masanobu Haraguchi e Telma Shiraishi: encontro em 2019 na Japan House (Arquivo Pessoal/Reprodução)
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O cardápio montado pelo chef era memorável. Havia um omakasê (nome dado ao menu degustação) que trazia opções que variavam de um trivial agedofu, o tofu empanado em maisena e frito, elaborado com técnica perfeita e com enorme delicadeza, ao portentoso nabeyaki udon, caldo de peixe misturado a shoyus claro e escuro, alga kombu e cogumelo shiitake seco no qual nadavam macarrão udon, massa de peixe, cebolinha, frango, ovo e, por cima, um delicioso tempurá de camarão. Aliás, o tempurá de Haraguchi era formidável.

Foi só em 2002, ou seja, duas décadas atrás, que os sushis foram incorporados ao cardápio por insistência da clientela. Embora tenha se rendido à especialidade fria, o chef nunca fez questão dela, mas foi vencido pelos ditames do público.

Em abril de 2010, o restaurante migrou do subterrâneo do centro de compras da Avenida Paulista (com entrada mais fácil pela Rua São Carlos do Pinhal) para a nova praça de alimentação, alguns pisos acima. Nesse ponto, Haraguchi lançou pratos como o pirarucu temperado no missô. Ali, trabalhava em um cenário de cor verde criado pelo arquiteto Ruy Ohtake, que parecia ideal para os pratos do grande cozinheiro. Não ornavam, porém, com a nova localização, na zoeira do bandejão de comida expressa e self-service.

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Em agosto de 2011, Haraguchi anunciou aqui na Vejinha a saída do Miyabi. Tinha um destino certo, tocar o Ban, na Liberdade, bairro onde sua mulher, dona Margarida, faz sucesso até hoje com o Izakaya Issa, aberto em 2009. Da alta gastronomia, o cozinheiro passou a preparar trivialidades num salão muito simples.

Mas quem provou pratos muito comuns do dia a dia no Japão há ainda de trazer na memória o lombo suíno empanado do Ban. O bife conhecido como tonktasu vinha fatiado com arroz, ou melhor, um delicioso gohan, mais um espesso kare (o curry japonês) e alguma conserva do dia. Também não faltavam aperitivos como a yaki nasu, berinjela grelhada com raspas de bonito seco e gengibre.

A foto usada no abre dessa matéria foi feita para ilustrar Izakaya: Por Dentro dos Botecos Japoneses (Editora Melhoramentos, 2014, 149 reais, 168 pág.), de Jo Takahashi. “Foi feita no balcão do Ban. Haraguchi estava preparando os acompanhamentos para uma degustação de saquê que iríamos fazer mais tarde, para o livro”, lembra Takahashi.

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Em 2019, o Ban cerrou as portas e Haraguchi tornou-se ainda mais discreto. A viúva, dona Margarida, conta que antes da doença, o marido tinha planos de reabrir o Ban. Ela comentou com os amigos mais íntimos que não acreditava que ele partiria tão rapidamente, mas que foi de uma forma tranquila. Agora, o profissional sai de cena definitivamente, mas deixa um legado inestimável para muitos cozinheiros da cidade.

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