O cenário não poderia ser mais impactante. Ao fundo, parte da Cordilheira dos Andes emoldura as oliveiras verdejantes cultivadas com irrigação controlada da água cristalina vinda do degelo das montanhas na região de Maipú. Nessa área desértica bem pertinho de Mendoza, capital da província argentina de mesmo nome e famosa pela produção de vinhos, fica a vinícola Família Zuccardi, dedicada também à elaboração de azeites premium — a empresa mantém ainda um outro projeto de vinhos no Vale de Uco, chamado de Piedra Infinita.
Um par de semanas atrás, participei da colheita das azeitonas, prevista para se encerrar na quinta (1º). Entre outras atividades que rolaram por lá, houve até um espetáculo teatral dedicado ao tema, encenado no campo e estrelado pelo renomado ator Juan Leyrado.
“Nosso primeiro vinhedo foi plantado aqui em 1973. O objetivo era mostrar como funcionava nosso sistema de irrigação. Só chegamos ao mercado interno de vinhos nos anos 80”, explica o patriarca José Alberto Zuccardi, que sucedeu ao pai, engenheiro como ele.
Os três filhos de José Alberto trabalham na companhia — Sebastian cuida dos vinhedos, em especial no Vale de Uco, Julia responde pelo segmento de hospitalidade nos restaurantes da família, que recebem 80 000 pessoas ao ano, e Miguel dedica-se ao cultivo de oliveiras, projeto iniciado em 2002. “Naquele momento, não conhecíamos nada de azeite”, lembra José Alberto, que é só elogios ao empenho do filho.
Dois anos depois, eram produzidos os primeiros três varietais. “Hoje, cultivamos noventa variedades de azeitona”, diz Miguel. Além de mais conhecidas como as espanholas picual e manzanilla, a italiana coratina e a grega koroneiki, a grande aposta gourmet é a arauco, de aroma e sabor marcantes. “É uma espécie conhecida no Chile como azapa e no Peru como sevillana”, explica o jovem produtor.
Em São Paulo, o Arauco é encontrado na rede Pão de Açúcar e tem preço de 63,99 reais a embalagem com 500 mililitros. Para ser um azeite de primeira qualidade, o extravirgem, o óleo de oliva precisa ser obtido em uma única prensagem a frio e ter acidez inferior a 0,8%. Ou seja, é o puro suco da fruta. Também tem contado pontos, além do gosto diferenciado de cada tipo, orgânico ou não, o frescor. Não que o azeite se deteriore rapidamente, mas quanto mais novo mais agradável é ao paladar.
Daí países vizinhos ou mais próximos e a produção nacional saírem em vantagem. “O Brasil é o país mais importante na América Latina no consumo de azeites”, enfatiza Miguel, que acompanha de perto a olivicultura em solo brasileiro. De olho no consumidor do lado de cá da fronteira, ele estima que existam pelo menos cinquenta marcas expressivas por aqui. Ainda assim, engatinha-se nesse terreno na América do Sul.
A principal região de cultivo no mundo está em países do Mediterrâneo. “A Espanha tem 2,5 milhões de hectares de olivais, enquanto na Argentina são 80 000 hectares”, diz ele. O país ibérico é o campeão mundial nesse ranking. Concentra 45% da produção do planeta com a elaboração de 1,4 milhão de toneladas de azeite por ano, das quais mais de 60% se destinam à exportação.
Com o empenho de olivicultores como Zuccardi e outros tantos na Argentina, e mais recentemente no Brasil, esses números tendem a uma expressiva mudança. E em breve.
Publicado em VEJA São Paulo de 31 de maio de 2023, edição nº 2843.