A cidade viveu nos últimos dias um clima de insegurança digno de “Mad Max”. Como ocorre no clássico de ficção científica do fim dos anos 70 estrelado por Mel Gibson, a gasolina virou um produto escasso por aqui e acabou como objeto de disputas. Entre terça (6) e quarta (7), apenas 2 milhões de litros de combustível foram distribuídos na Grande São Paulo, o equivalente a 5% da quantidade normal. Boa parte serviu para abastecer a frota de serviços essenciais, como policiamento e ambulâncias. O restante da população, apanhada de surpresa, sofreu com a escassez e a capital esteve à beira de uma pane seca. Na frente dos postos que não fecharam por falta de gasolina e álcool para vender, formaram-se grandes filas. Empresários espertalhões aproveitaram o desespero para aumentar o preço das bombas. Nove deles foram levados a delegacias para prestar esclarecimentos.
O caos instalou-se devido a uma greve com duração de 48 horas promovida por associações de caminhoneiros, dos quais São Paulo se tornou refém. Eles agiram em represália a uma medida da prefeitura: desde segunda-feira passada (5), a circulação de veículos de carga pesada passou a ser restrita em algumas importantes vias, sendo a principal delas a Marginal Tietê, das 5 às 9 e das 17 às 22 horas, de segunda a sexta, e das 10 às 14 horas, aos sábados. A proibição também passou a valer para avenidas de grande movimento como a do Estado e a Salim Farah Maluf, ambas na Zona Leste.
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O levante contra a medida teve como líder Norival de Almeida Silva, presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam). “Precisávamos tirar de circulação o material de que a população sente falta mais rápido”, afirmou ele, justificando por que a categoria concentrou seus esforços para barrar o trabalho de caminhões-tanques. Na prática, eles já estavam banidos daquelas vias por outra proibição vigente desde o ano passado. Ou seja, na confusão recente, foram utilizados mesmo apenas como massa de manobra para chantagear a prefeitura.
Nos dias de paralisação, os caminhoneiros que tentaram furar o bloqueio foram atacados por tijolos e pedras arremessados por colegas. Os veículos que conseguiram circular tiveram de ser escoltados por viaturas da PM. Durante a manhã da terça, um grupo de condutores de jamantas tentou fechar um dos pontos da Via Dutra, nas imediações de São Paulo, mas foi impedido pela polícia. No mesmo dia, a metrópole registrou às 11 horas um total de 159 quilômetros de vias paradas, número recorde para o horário nos últimos dois anos. Além de problemas como acidentes ocorridos em algumas regiões, a confusão da carga pesada contribuiu para a lentidão monstruosa.
Na última quarta, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, determinou que eles retomassem os serviços, sob pena de o Sindicam pagar uma multa diária de 1 milhão de reais. A situação do abastecimento de combustível só começou a ser normalizada a partir da última quinta (8), mas a briga está longe de acabar. O prefeito Gilberto Kassab lembrou que o cronograma da nova restrição já estava acertado havia um ano com os caminhoneiros e afirmou que não iria ceder. Os sindicalistas, por sua vez, dizem que as novas restrições ao tráfego urbano comprometem muito o abastecimento de mercadorias para o comércio e a indústria da capital, pela falta de alternativa para fugir da Marginal Tietê nos horários de bloqueio, pois o Rodoanel ainda não está pronto (mais informações aqui).
Não bastasse a confusão que ajudou a promover por aqui nos últimos dias, Norival de Almeida Silva, do Sindicam, ameaça agora organizar uma greve nacional em sessenta dias para chamar atenção para outras reivindicações. “A população precisa saber a verdade, e não vamos ficar quietos enquanto tentam nos transformar em monstros responsáveis pelos congestionamentos”, afirma.
As vias da cidade de São Paulo são as que mais recebem caminhões no país. Cerca de 190.000 deles trafegam na metrópole. Aos veículos de carga pesada que trabalham aqui dentro fazendo o abastecimento de mercadorias, somam-se os de passagem, vindos de outros estados, a maioria rumo ao Porto de Santos. “As marginais paulistanas viraram o maior corredor de exportação do Brasil”, diz Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog).
Segundo as estimativas de especialistas, os caminhões que chegam ou saem do Porto de Santos passam, somados, cerca de 5 milhões de vezes por ano pelas principais artérias da capital — o equivalente a 13.000 viagens por dia. Esse número aumentou consideravelmente nos últimos anos, aproximando o sistema de um colapso.
Por causa da pujança econômica de São Paulo, o tráfego de caminhões por aqui foi tido, durante muitos anos, como um mal necessário. E é. Seria maravilhoso vê-los sumir da paisagem, porém esses veículos cumprem um papel fundamental para que o paulistano possa passear, almoçar e trabalhar. E de sua operação dependem 350.000 trabalhadores. Mas a conta está ficando quase insuportável para a cidade. Embora representem apenas 5% da frota circulante, os caminhões respondem por 10% das mortes em acidentes no trânsito e 16,4% da emissão de gases nocivos nas ruas.
São Paulo vem apertando o cerco aos caminhões há mais de duas décadas, com restrições progressivas ao seu tráfego. A primeira medida de impacto envolveu a proibição de circulação em um conjunto de vias do centro, na gestão Jânio Quadros, em 1988. Tempos depois, a limitação se expandiu, chegando, por exemplo, à Avenida Tiradentes, em 1998, e à Marginal Pinheiros, em 2010. Alguns outros tipos de acordo foram estabelecidos para desafogar as pistas durante o dia, como o abastecimento de supermercados no período noturno. Com menor ou maior efeito, tais tentativas funcionaram como paliativos para o problema.
“Não era interesse da prefeitura ir muito a fundo na questão”, reconhece Roberto Scaringella, que presidiu a CET entre 2005 e 2008. Ele diz que defendeu a implantação de pedágio urbano, adotada em grandes capitais como Londres, ideia considerada eficaz, mas deixada de lado por ser impopular. “Políticos têm medo desse tipo de ação”, explica. Chico Macena, que comandou o órgão entre 2001 e 2004, lembra que em seu período “não houve tempo” para implementar uma estratégia crucial. “É preciso fazer uma grande pesquisa de origem e destino das mercadorias para criar com empresas mais regras de horários de descarregamento”, afirma.
As principais cidades do mundo já solucionaram há muito tempo essa questão. Em Paris, o vaivém de grandalhões é controlado desde meados da década de 60. Os maiores, com mais de 24 metros quadrados de área, só circulam de madrugada. Os menores são livres para rodar em toda a zona urbana, mas não podem usar certas faixas de rolamento nos horários de pico. Em Londres, caminhões de 18 toneladas ou mais não podem circular em boa parte das ruas das 21 às 7 horas, de segunda a sábado, e das 13 de sábado às 7 horas de segunda. Para que os motoristas não fiquem na mão, há rotas alternativas reservadas para eles. Casos especiais são avaliados pela prefeitura local. Em Estocolmo, na Suécia, furgões e automóveis de carga com mais de 2 toneladas são proibidos de trafegar pelo centro urbano, entre outras medidas. Os exemplos mostram quanto São Paulo precisa ainda evoluir para resolver seu problema com os caminhões e não ser atropelada por eles.
Cerco aos Gigantes
Histórico das restrições progressivas aplicadas na cidade aos veículos de carga pesada
2008
› O rodízio de carros passou a incluir suas placas
› Proibição de circular em todo o centro expandido, uma área de 100 quilômetros quadrados, entre as 5 e as 21 horas
2010
› Restrição de trafegar na Marginal Pinheiros entre as 4 e as 22 horas, de segunda a sexta, e das 10 às 14 horas, aos sábados
› Em horários alternados, proibição de transitar em avenidas como Bandeirantes, Giovanni Gronchi e Engenheiro Oscar Americano
2011
› O transporte de cargas perigosas, entre elas combustíveis, foi barrado na Marginal Tietê das 5 às 10 horas e das 16 às 21 horas
› Proibição de circular nos horários de pico na Avenida Radial Leste
2012
› Restrição de todos os tipos de caminhão na Marginal Tietê e em outras trinta vias, entre elas a do Estado e a Salim Farah Maluf, das 5 às 9 e das 17 às 22 horas, de segunda a sexta, e das 10 às 14 horas, aos sábados
O Efeito dos Grandalhões
Os 190.000 caminhões que passam diariamente por São Paulo são 5% da frota circulante, mas representam
20%
dos veículos removidos das ruas
10%
das mortes em acidentes de trânsito
16,4%
dos gases nocivos liberados nas ruas, se somados aos ônibus movidos a diesel
Fontes: CET e Cetesb
Se não bastasse, ciclistas contribuíram para a confusão
Depois de enfrentarem congestionamento recorde pela manhã e de verem combustíveis rarear nos postos, muitos motoristas terminaram a última terça (6) num engarrafamento na região da Avenida Paulista. Era mais um protesto a tumultuar a via, corredor importante de circulação e rota de diversos hospitais.
Cerca de 500 ciclistas (nas contas da Polícia Militar, ou de 1.000, nas dos organizadores) reivindicavam um trânsito menos inóspito para as bicicletas. Alguns deles foram pela calçada ou na contramão. Também se indignavam com a morte brutal, na sexta anterior (2), da bióloga Juliana Dias, que caiu sob as rodas de um ônibus após se desequilibrar ao tomar uma fechada. Os manifestantes deitaram-se no chão, trocaram impropérios com motoristas e bloquearam a Paulista às 20 horas no sentido Paraíso, e em vários momentos no sentido centro, entupindo as ruas do entorno.