“O Rappa acabou?” Há dois anos, o vocalista Marcelo Falcão ouviu essa pergunta tantas vezes que foi obrigado a esclarecer para a mídia que não, a banda não havia encerrado a carreira. Mas os fãs tinham motivos para se preocupar. Desde o lançamento de “7 Vezes” (2008), o quarteto foi abalado por um período de crise. “A nossa amizade não ia bem, só nos encontrávamos na hora dos shows. Se a gente tivesse lançado um disco naquelas condições, aí sim teria acabado”, lembra o músico.
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Hoje, o grupo passa por uma fase mais otimista. Renovados por um show poderoso no Lollapalooza brasileiro, em abril, foram convidados para tocar na edição americana do festival, que ocorreu no início de agosto. Antes disso, relembraram no Circo Voador, com casa lotada, um dos discos mais marcantes do rock nacional dos anos 90: “Lado B Lado A” (1999). O mergulho no passado parece ter feito bem a Falcão, Xandão (guitarra), Lauro Farias (baixo) e Marcelo Lobato (teclado).
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Na sexta (28), eles comemoram essa boa fase em apresentação única no Credicard Hall, quando executam os hits selecionados para CD e DVD gravados ao vivo na Rocinha, em 2009. Também devem mostrar canções novas, já que estão em estúdio preparando o próximo disco, que deve sair em 2013. Uma década depois da saída do baterista Marcelo Yuka e com 19 anos de estrada, o Rappa dá sinais de ter reencontrado o foco criativo – ou, ao menos, o entusiasmo no palco. Na entrevista a seguir, Falcão conta sobre as experiências recentes da banda e adianta detalhes do novo álbum.
VEJA SÃO PAULO –Qual o significado das experiências no Lollapalooza de Chicago e no show do disco ‘Lado B Lado A’ para a banda?
Falcão – Uma enxurrada de felicidade. Parece até que entramos numa máquina de rejuvenescer, e amadurecemos muito nesse período. A banda havia se perdido um pouco nos últimos anos, mas a nossa amizade é forte. Uma vez resolvida a crise, veio o retorno. Nosso desafio era botar a amizade em dia.
VEJA SÃO PAULO
– No Lollapalooza brasileiro, em abril, a apresentação ocorreu à tarde e, ainda assim, reuniu um público grande. Foi uma surpresa?
Falcão – A gente está acostumado a fazer shows em festivais. Montei o repertório todinho, fizemos a nossa oração antes de entrar no palco, todo aquele ritual. Mas fiquei muito feliz quando vi a multidão. Éramos apenas mais uma das bandas naquele sábado. Muita gente estava ali para ver o Foo Fighters, que era a atração principal… Foi uma emoção imensa, das maiores da minha vida.
VEJA SÃO PAULO – Como a banda se preparou para o desafio de tocar no Lollapalooza de Chicago?
Falcão – Eu sabia que seria muito difícil fazer um show para um público que não nos conhecia. Daí tivemos a ideia de convidar o Bruce Buffer (apresentador do UFC) para anunciar a banda. Entramos às 13h30, num calor de 40 graus, tinha umas mil pessoas, o dia de festival estava só começando… Quando ele começou a falar, vi o público vindo em direção ao palco do Rappa. E a plateia só cresceu durante a apresentação. Foi um show antológico, como se a gente não tivesse tocado nunca na vida. No dia seguinte, até os motoristas das nossas vans estavam impressionados. Num jornal local, as únicas bandas que ganharam cotação máxima da crítica foram O Rappa e o Black Sabbath, mesmo com o Red Hot Chili Peppers na programação. Quantas bandas não sonham com isso?
VEJA SÃO PAULO – Esse clima de celebração da história da banda ajuda na hora de escrever e gravar as músicas novas?
Falcão – Acho que sim. Ontem saí do estúdio às 4h. O processo está fluindo tanto… Nos dois anos difíceis para a banda [após o lançamento de “7 Vezes”, em 2008], foi por isso que batalhei. Eu queria trazer esse clima bom de novo. Hoje percebo que a gente está feliz. Se essa nossa volta não fosse na amizade, eu ia seguir meu caminho. Hoje, cada integrante tem o seu espaço para produzir os próprios trabalhos e trazer ideias para o conjunto. A ideia é lançar um disco novo e dar um ano para que cada integrante desenvolva seu projeto. As pessoas terminam com bandas por causa das diferenças. Se colocarmos as nossas diferenças na mesa, tudo fica claro.
VEJA SÃO PAULO – Será um disco mais diversificado?
Falcão – Vem outra história sim. O que está rolando no estúdio mostra que estamos muito compromissados com a banda, e não com aquilo que as pessoas querem ouvir ou pensam que vão ouvir. Vamos experimentar mais coisas, mas pensando sempre na simplicidade. Não vamos ficar tentando inventar muito. Vai ser um disco diferente, mas dentro do nosso caminho, da nossa sonoridade. O primordial é escrever grandes canções: 13, 14 grandes canções. Tenho a preocupação de manter o padrão de viagens sonoras do Rappa. Mas hoje existe um amadurecimento.
VEJA SÃO PAULO – Quando a banda entrou em crise, você pensou em carreira-solo?
Falcão – Eu pensava assim: mesmo que as pessoas amem a banda, vai ter uma galera que respeitará a carreira-solo. Foi assim que aconteceu com o Marcelo Camelo, o Marcelo D2… Se gravássemos um disco há dois anos, seria o fim da banda. Mas sempre fiz minhas músicas, tenho meu projeto (a banda de versões Loucomotivos, com B Negão). O Rappa parou e algumas pessoas nem souberam. Eu não queria nem voltar… Mas o mais importante para mim era a amizade. A nossa máquina de rejuvenescer é a amizade.
VEJA SÃO PAULO – Como lida com os fãs que querem ouvir as músicas do tempo em que o Marcelo Yuka ainda fazia parte do grupo?
Falcão – Acho que a gente tem que mostrar todas essas músicas. Quando eu vejo a molecada que curte a banda, percebo que essas pessoas viraram fãs de uma história que contaram para elas. De uma história que foi contada pelo pai do amigo, pelo colega de colégio… Alguém contou que o som era bom, que fazia bem.
VEJA SÃO PAULO – O som do Rappa destoa no pop rock brasileiro que é feito hoje?
Falcão – Tem espaço para todo mundo. Não faço nada para agradar. Conheci o Chimbinha e a mulher dele (Joelma, vocalista da banda Calypso), são pessoas humildes, maneiríssimas. Não posso falar sobre o som dos caras porque não ouço, mas são pessoas ótimas. Sou negão e rastafári no Brasil. Não tenho como ser preconceituoso com coisa alguma.
VEJA SÃO PAULO – No DVD ao vivo, gravado na Rocinha, você faz uma homenagem ao rock dos anos 90. É uma geração pouco valorizada?
Falcão – O Arnaldo (Antunes) e o Nando (Reis) ainda tocam na rádio, falando coisas que diziam na geração deles. Mas percebo que poucas rádios tocam Planet Hemp e Chico Science. E acho que a música deles devia ser tocada sempre. No meu primeiro show do Chico Science, fiquei congelado, não consegui me mexer. Gosto muito de lembrar das bandas dos anos 90. Sempre vou ouvir qualquer disco do Nação Zumbi.
VEJA SÃO PAULO – No show de São Paulo vão mostrar músicas novas?
Falcão – Será diferente, com surpresas bem bacanas. São Paulo merece, porque o Lollapalooza foi um presente dos deuses. Estamos gravando há dois meses. Queremos escolher vinte músicas e deixar tudo preparado. Se 14 entrarem no disco, teremos seis para dar de presente para os fãs. Juntas, essas músicas vão formar o álbum que a gente queria. E até o fim do ano, queremos fazer um show-surpresa na cidade para tocar “Lado B Lado A” na íntegra.