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A fashion week de todo dia

Deus é justo, mas não tanto quanto o jeans da mocinha que seguia, toda espevitada, a caminho do metrô. No andar de cima, a sacolejante comissão de frente espremia-se nos limites estreitos de uma camiseta extra-PP. Fazendo as vezes de estampa, vinha a frase guerreira: “A mulher é dona do seu destino!”. Não basta se […]

Por Mário Viana
Atualizado em 27 dez 2016, 14h47 - Publicado em 18 nov 2016, 23h00
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  • Deus é justo, mas não tanto quanto o jeans da mocinha que seguia, toda espevitada, a caminho do metrô. No andar de cima, a sacolejante comissão de frente espremia-se nos limites estreitos de uma camiseta extra-PP. Fazendo as vezes de estampa, vinha a frase guerreira: “A mulher é dona do seu destino!”. Não basta se sentir linda e gostosa, tem de passar mensagem. Para isso, nada melhor que uma camiseta — ou t-shirt, como se diz em português contemporâneo.

    Usar camiseta não é mais o último grito da moda há algumas décadas. Nem é exclusividade de quem ainda espreme espinhas diante do espelho. Essas peças se tornaram tão comuns que passaram a servir de veículo para tudo quanto é coisa. As de campanha política, por exemplo, já nasceram para se transformar em pijama, roupa de faxina pesada ou pano de chão mesmo. Se por acaso sobra alguma no fundo do armário, o dono sempre se espanta ao encontrá-la. “Meu Deus, eu votei nesse cara?”.

    As próprias grifes se apropriaram do espaço disponível e passaram a imprimir ou bordar sua marca. Algumas aparecem em letras garrafais, outras só colocam uma parte do logotipo e há ainda as que se esparramam pelas mangas e costas. Você não apenas desfila pelas ruas feito um outdoor ambulante, como pagou por isso. E caro.

    + Por que “segunda”?

    Há também as mensagens edificantes, como a mocinha do início deste texto. Graças a isso, você descobre muita coisa sobre o dono da roupa: se ele é bem-humorado, do tipo que adora trocadilho infame, ou engajado em causas sociais nobres. Só de fuçar no armário, dá para descobrir se a criatura já esteve em Porto Seguro, Fortaleza, Caldas Novas ou Gramado. Ou, pelo menos, tem amigos que viajam bastante e sempre trazem camiseta de presente.

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    Alguns vestem frases em língua estrangeira, sem fazer ideia do significado. Quando fui ao serviço funerário tratar do enterro de minha mãe, fiquei abestalhado diante do funcionário que me atendeu vestindo uma camiseta otimista. “Don’t worry, be happy”, dizia a roupa. Não me preocupar e ser feliz não era bem o que passava na minha cabeça naquela situação.

    Não adianta apelar para os chamados modelos básicos — sem letra, desenho, mensagem, rostinho, hashtag, nada. As cores também ganharam conotações radicais nos dias que correm. Se você usa vermelho, é porque vota em tal partido. Se usa amarelo, é seguidor daquele outro. Azul, preto, roxo, branco ou fúcsia, não importa.

    Uma boa saída é fazer dessas cores uma espécie de código visual sobre seu estado de espírito. “Não mexe comigo que eu não acordei boa” pode ser resumido numa camiseta roxa. A branca, a amarelo-bebê e a azul-calcinha mostram que você está de boa com a vida. Já a verde-limão fosforescente indica que se aprontou no escuro. No caso de a escolha recair sobre cor de abóbora radiante, ou você se vestiu às pressas ou seu prédio estava pegando fogo. A preta, qualquer balconista de armarinho sabe, é ótima porque emagrece. 

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    + O caso do falecido

    As minhas preferidas no interminável desfile urbano são as bem-humoradas. As duas melhores que vi nos últimos tempos foram direto ao alvo. “Todo mundo lê o que está escrito na camiseta” provou-se totalmente verdadeira. E “Sim, sou eu mesmo. Pode tirar uma foto” ganhou o prêmio. Queria uma dessas para mim.

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