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Prefeitura investiga se polo petroquímico causa danos à saude de moradores de parte da Zona Leste

CPI na Câmara e estudo epidemiológico da administração municipal apuram relação entre casos de tireoidite crônica em bairros próximos a indústrias

Por Hyndara Freitas
Atualizado em 28 Maio 2024, 09h05 - Publicado em 17 fev 2023, 06h00
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  • Problemas respiratórios, na tireoide e na pele, queda de cabelo e sujeira constante nas casas são algumas das queixas frequentes de pessoas que moram na região de Sapopemba, São Mateus e Parque São Rafael, na Zona Leste, bairros próximos ao polo petroquímico de Capuava, que está instalado nos municípios vizinhos de Santo André e Mauá. A área industrial que existe desde 1972 é alvo de uma investigação da Câmara Municipal de São Paulo, que apura se a poluição causada pelo polo é a razão de problemas de saúde na população daquela área.

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    As empresas que fazem parte do polo produzem substâncias como etileno, propileno e polietileno, matérias-primas para a fabricação de produtos como borrachas, tintas, resinas, calçados, filmes plásticos, agrotóxicos e cosméticos.

    Em decorrência da comissão parlamentar de inquérito (CPI) instalada pela Câmara, a prefeitura iniciou um estudo epidemiológico para verificar a incidência de doenças respiratórias, de pele e da tireoidite crônica autoimune, que deve ficar pronto em abril. Mais de 3 000 moradores responderam ao questionário e 660 pessoas serão submetidas a exames. Também serão avaliados residentes do Itaim Paulista e do Jabaquara, distantes dali, para efeitos de comparação.

    Parque São Rafael tomado por fumaça vinda de indústrias petroquímicas.
    Parque São Rafael tomado por fumaça vinda de indústrias petroquímicas. (Maria Angela Zaccarelli/Arquivo pessoal/Reprodução)

    A hipótese de que vizinhos do polo estariam mais propensos a doenças como inflamações na tireoide surgiu após pesquisa da médica endocrinologista Maria Angela Zaccarelli, que acompanhou pacientes da região por décadas e produziu estudos que mostraram maior propensão a tireoidite crônica autoimune. O primeiro trabalho foi publicado em 2012. “Durante quinze anos, eu atendi e fiz exames de sangue e de imagem na população do Parque São Rafael e me chamou a atenção que ali havia mais casos da doença que em São Bernardo do Campo e São Caetano, por exemplo”, explica.

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    O estudo avaliou 6 306 pessoas, uma parte moradora do polo e outra afastada, e verificou que, em 1992, 2,5% da população do primeiro grupo sofria de tireoidite crônica autoimune, e em 2001 a taxa subiu para 57,6%, enquanto a população do grupo 2 não teve aumento significativo da doença. “A tireoidite crônica é uma doença autoimune, que não tem cura, mas ela evolui para o hipotiroidismo, quando a função da glândula é prejudicada”, explica a médica. Ela já fez mais de dez estudos sobre o tema e agora está em fase de testar os compostos químicos que são espalhados no ar pelas indústrias da região em ratos, para verificar os impactos que eles podem ter na saúde.

    O diagnóstico de tireoidite é uma realidade para o pequeno Artur, de 5 meses. Ele já nasceu com a condição, detectada pelo teste do pezinho. Sua mãe, Cleia Andrade, 37, acredita que a poluição gerada pelo polo Capuava possa ter sido a causa. “Moro bem ao lado, em São Mateus. E eu e meus outros filhos queremos fazer exame também porque ultimamente estou com muita queda de cabelo, a garganta arde, meu filho de 4 anos tem muitos problemas na garganta”, afirma. A professora aposentada Maria Rodrigues, de 71 anos, mora em Sapopemba desde a década de 90 e acompanha de perto as queixas de seus vizinhos desde aquela época devido a sua atuação em uma igreja da região. “Fiz algumas pesquisas aqui com a população pela Pastoral da Saúde e sempre teve muita poluição, muita reclamação, todo mundo com problema respiratório. Teve um dia que, além da fuligem escura, havia uma fuligem branca nas casas, parecia neve. As pessoas relatam muito sofrimento com asma, bronquite”, diz. Há anos, moradores se movimentam em reuniões comunitárias e nas redes sociais denunciando a poluição na região.

    Maria Rodrigues ouve relatos da poluição causada pelo polo desde a década de 1990.
    Maria Rodrigues ouve relatos da poluição causada pelo polo desde a década de 1990. (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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    O vereador Alessandro Guedes (PT), presidente da CPI, destaca que o polo é importante por gerar milhares de empregos e por recolher impostos, mas é preciso considerar as queixas dos moradores. “Santo André e Mauá têm a arrecadação tributária, e São Paulo fica apenas com a poluição. Se ficar comprovado que o polo polui, que se enquadre na legislação em vigor e que faça a modernização do parque industrial para que não polua tanto, para que sejam alinhados o desenvolvimento econômico, a saúde pública e a proteção do meio ambiente. Caso a gente prove que São Paulo sofre apenas com os danos (ambientais e de saúde), vamos discutir algum tipo de reparação para a cidade, que tem o prejuízo de seu povo doente sem ter nenhuma arrecadação.”

    Além da CPI, uma ação que tramita na Justiça ajuizada pelo Ministério Público também visa a apurar a responsabilidade das indústrias nos problemas de saúde da população vizinha. Carlos Barbeiro, coordenador executivo de Segurança, Saúde e Meio Ambiente do Cofip ABC (Comitê de Fomento Industrial do polo do Grande ABC), que representa dezessete empresas dentro do polo petroquímico, afirma que acompanha as pesquisas científicas e a CPI. “Vemos com bons olhos esses estudos para que possamos chegar a uma conclusão, e, a depender disso, serão tomadas medidas de correção e prevenção. É direito da população questionar. Temos um comitê consultivo com moradores, temos fóruns de diálogos sociais onde discutimos esses assuntos com a população, é uma relação transparente.” A Cofip e algumas empresas do polo foram convidadas pela CPI para se manifestar, e a instituição afirmou que vai comparecer.

    A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou que há atendimento prioritário no polo de Capuava e são feitas “vistorias, amostragens em chaminés, rondas e contatos com a comunidade, programadas e realizadas independentemente das reclamações ou denúncias recebidas”. Em 2021, foram 2,3 milhões de reais em multas aplicadas às empresas do local por poluição. Em 2022, foram 675 366,25 reais em autuações.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829

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