Dois psicólogos suíços, Philippe Rothlin e Peter Werder, escreveram um livro em 2007 intitulado Diagnose Boreout, que pode ser traduzido como diagnóstico de Boreout. O termo, em inglês, designa uma nova síndrome associada com apatia e falta de interesse no trabalho: a síndrome de boreout.
Henrique Bottura, psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do Hospital das Clínicas, afirma que é importante destacar que essa síndrome não é uma doença. “É o primeiro ponto que precisa ser frisado com muita ênfase. A própria psiquiatria é muito criticada por hiper diagnósticos”, diz. “Não é um diagnóstico médico, o que ele busca fazer é um contraponto ao diagnóstico de burnout (leia mais sobre ela ao final do texto), que é a síndrome do esgotamento”.
Leonardo Hiroshi Akaishi, 35, médico psiquiatra que atende em consultório particular, explica sobre o boreout. “Boreout vem de bored, entediado em inglês. É uma sensação de esvaziado, de estar desestimulado em relação às obrigações. Nela, você tem tão pouco estímulo externo que vai ficando no modo automático, sem reação ativa, deixando de interagir e de fazer planos como um todo”.
Bottura afirma que a ideia da síndrome do boreout está relacionada com a subutilização do profissional. “Quando alguém está dentro de um sistema de trabalho, tem uma formação muito melhor que o cargo exige, ou sofre por algum tipo de desqualificação, como falta de exigência e a não entrega do seu potencial total, ela pode apresentar sintomas parecidos com os do burnout: dor de cabeça, sintomas depressivos, entre outros”, explica.
Sim, a síndrome de boreout pode resultar em consequências indesejadas e invadir a saúde dos indivíduos. É comum haver também diminuição da produtividade, incluindo queda no interesse e na disposição do trabalhador, e uma sensação de menos-valia. “O paciente vai sentir que não está sendo útil o suficiente, que precisa atuar de uma forma mais intensa”, explica Akaishi.
O psiquiatra considera importante que, antes de pensar no boreout como uma síndrome psíquica, o profissional preste atenção em aspectos mais gerais. “É preciso questionar como está o planejamento de vida, como estão suas metas, seus objetivos como um todo. Isso é algo muito motivador, direcionador, a respeito de todas suas decisões do dia a dia”.
Bottura destaca a importância da rotina. “A rotina é quase um esqueleto da nossa circulação do tempo, e ela protege a saúde mental”, explica. “Para essas pessoas (com uma rotina indefinida e com ociosidade) a minha orientação é: se engaje, procure um curso online, procure uma atividade para fazer, coloque atividades na sua agenda, produza uma rotina mínima regular, que respeite as necessidades do seu corpo”.
Você acha que pode estar sofrendo com a síndrome de boreout? Os especialistas explicam que é importante consultar um psicólogo ou psiquiatra para saber se a condição realmente envolve a parte psiquiátrica ou se o problema está mais relacionado à rotina. Segundo Akaishi, é preciso fazer consultas, entender o ambiente e o momento que a pessoa está vivendo e identificar essas variações.
Impactos da pandemia
Ambos os especialistas veem a pandemia como geradora de um aumento de casos de outra síndrome, mais conhecida: a de burnout. Entre as motivações estão a maior adesão ao home office, que favoreceu a sobrecarga de trabalho, já que os limites de horário se perdem mais facilmente.
“É a síndrome do esgotamento, o sofrimento que vem do excesso de carga. [Acontece] quando a pessoa chega a um nível de tensão, de exposição física, mental, que produz uma mudança na funcionalidade dela. Ela se sente um pouco estranha no trabalho, distanciada e perde o prazer da atividade, culminando no esgotamento”.
A sobrecarga de trabalho e o esgotamento podem desencadear a síndrome. É um transtorno psíquico, de caráter depressivo, com sintomas parecidos com os do estresse, da ansiedade e da síndrome do pânico, no qual o especialista percebe a associação com a vida profissional da pessoa. Se não tratada, pode evoluir para doenças físicas, como sintomas de depressão e dor de cabeça.
De acordo com sua experiência profissional, Akaishi nota uma diferença importante entre pacientes que sofrem com a síndrome de burnout e boreout.
Para ele, o paciente com a síndrome de burnout percebe o desconforto, consegue associar o que está acontecendo e reconhece os motivos para isso, indo atrás de apoio. Já em relação ao boreout, a dinâmica pode ser diferente. “Não necessariamente o paciente vai procurar um atendimento porque ele está muito mais desmotivado como um todo, logo, não vai haver uma busca ativa para transformar o que está acontecendo”, explica.
Bottura concorda. “Quando a pessoa está subutilizada, ela entra em um tédio, uma ociosidade. Ela tem mais dificuldades de encontrar um responsável por aquilo. E, neste momento, no qual ela cai na sensação de vazio, de estar meio alheia a tudo, é mais difícil de se dar conta e, consequentemente, de admitir [o problema]“.
E o que a pandemia tem a ver com o boreout? Akaishi diz que a restrição da dinâmica da vida cotidiana pode contribuir com o surgimento da síndrome. “A pessoa tinha uma dinâmica de trabalho, de sair de casa, ir até o trabalho, interagir com outras pessoas, seja pegar condução ou ir do trabalho para a academia. Isso tudo pluraliza a rotina, reduzindo a sensação de esvaziamento, de dias tão apáticos”, analisa.
A percepção, no entanto, é empírica: ainda não há estudos que comprovem que a síndrome de boreout esteja em maior crescimento em comparação ao período pré-Covid. Se acha que pode estar sofrendo com ela, procure ajuda profissional.
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