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Mãe de 1º morto à espera de UTI Covid passará Natal no cemitério

Renan Ribeiro Cardoso morreu aos 22 anos enquanto aguardava atendimento especializado na cidade: "Dia 25 vou lá ficar com o meu filho"

Por Clayton Freitas
Atualizado em 20 dez 2021, 15h26 - Publicado em 20 dez 2021, 15h21
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  • “Não tem mais Natal, não tem Ano Novo, não tem mais nada. Vai ser um dia como um outro qualquer, o mesmo sofrimento, a mesma dor”, diz à VEJA São Paulo Maria de Jesus Ribeiro de Andrade, mãe de Renan Ribeiro Cardoso, que morreu aos 22 anos no dia 13 de março deste ano à espera de um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Covid-19 na cidade de São Paulo.

    Oficialmente, Renan foi a primeira pessoa que morreu na cidade de São Paulo na fila por um leito especializado para tratar de Covid-19. Ele aguardou por 46 horas por uma vaga e seu caso escancarou o colapso do sistema de saúde provocado pelo ápice da pandemia na cidade de São Paulo.

    Renan Ribeiro Cardoso, primeiro paciente com Covid a morrer à espera de leito de UTI na capital
    Renan Ribeiro Cardoso, primeiro paciente com Covid a morrer à espera de leito de UTI na capital (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

    Renan era filho único do casal Valmir Cardoso, que produzia salgadinhos famosos na região do bairro Recanto do Sol, extremo leste da capital, e da dona Nuda Miro, como é mais conhecida Maria de Jesus.

    Em 14 de dezembro de 2020, a família foi para o shopping Aricanduva, na Zona Leste, passear. Por lá fizeram fotos juntos das decorações natalinas do espaço. Neste Natal de 2021, sem Renan, a família Cardoso não fará festa alguma. Em vez disso, Dona Nuda diz que visitará o túmulo do filho.

    “Dia 25 de manhã cedo eu vou lá ficar com o meu filho. Esse será o nosso Natal, no túmulo do meu filho. Enquanto muitos estarão festejando, comemorando, a gente vai estar lá com ele”, afirma.

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    Ela conta que passados oito meses, o quarto do jovem ainda está do jeito que ele deixou. “Não mexi em nada. Eu guardei as coisas dele, os sapatos dele e não pretendo desfazer. É muito difícil pra gente”, diz dona Nuda do outro lado da linha telefônica, chorando.

    Renan era corintiano, amante da vida, dos amigos, cheio de sonhos e, aos 20 anos, já tocava o próprio negócio: uma pizzaria que montou inspirado no trabalho do pai e que, assim como os salgadinhos de seu Valmir, também caiu no gosto da clientela vizinha.

    “E pensar que foi por falta de socorro que meu filho não está aqui”, lamenta a mãe.

    família em shopping
    Renan (camiseta azul); a mãe dele, dona Nuda (no meio); e o pai, Valmir (camiseta vermelha) (Arquivo Pessoal/Reprodução)

    Colapso

    O nome de Renan ficou famoso, infelizmente, por outro motivo. Seu caso foi tornado público no dia 18 de março, quando o então prefeito Bruno Covas, morto em maio deste ano, convocou uma coletiva de imprensa para anunciar medidas para tentar conter a circulação de pessoas, tais como a ampliação do rodízio de veículos e antecipação de feriados.

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    Oficialmente não se sabe quantas pessoas morreram à espera de um leito de UTI Covid. Levantamento realizado junto a administrações municipais indicam que essa soma pode passar de 700. São pessoas contaminadas que já estavam em  alguma espécie de atendimento e que precisavam de recursos  mais complexos que são oferecidos em leitos especializados de UTI. Porém, a quantidade de casos era tamanha que não existia vagas para todos.

    No auge da pandemia, a Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde), responsável por avaliar os casos e procurar as vagas disponíveis, chegou a receber uma média diária de 1,5 mil pedidos de internação, sendo que cerca de 35% deles em leitos de UTI.

    Dois enfermeiros completamente cobertos por roupas brancas de proteção atendem paciente deitado com roupa azul.
    No auge da Covid-19, quase todos os leitos de UTI Covid foram ocupados (Mufid Majnun on Unsplash/Veja SP)

    Dados desta segunda-feira (20) indicam que quatro pessoas em todo o estado de São Paulo aguardam por um leito especializado para tratar Covid.

    Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o estado de São Paulo registrou 4.449.552 casos de Covid, sendo que 154.691 morreram vítimas da doença.

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    Dor em família

    Desde pequena, a empreendedora de Taboão da Serra, na Grande SP, Pamela Rivitti, hoje com 31 anos, ficou várias vezes sob os cuidados dos avós maternos, Dinéia Martins Firmino e seu marido, José Firmino. Já adulta e com os avós idosos, passou a retribuir tamanho carinho e cuidar deles.

    Na casa de dona Dinéia e seu José morava também um dos tios de Pamela, Samuel Firmino, com sua mulher, Ana, e duas filhas. “Ele sempre cozinhava aos finais de semana”, lembra a jovem.

    A história da família começou a mudar no início de março deste ano quando dona Dinéia, então com 71 anos, foi internada na UPA de Taboão da Serra devido à Covid-19. Enquanto ela estava sendo atendida, quem também testou positivo para a doença foi o seu marido, seu José, com 76 anos.

    Os dois estavam internados na mesma UPA, porém, em leitos distantes. A situação de dona Dinéia piorou, ela precisou de um leito de UTI Covid e não conseguiu e morreu enquanto seu marido estava internado. Seu José não ficou sabendo da morte da companheira de tantos anos.

    A família estava arrasada. Ainda mais Samuel, que cuidou do enterro da mãe e da internação do pai. Ele também precisou ser internado no mesmo dia em que enterrou o corpo de dona Dinéia. O diagnóstico: Covid-19.

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    Enquanto Samuel aguardava por atendimento, o estado de saúde de seu José piorou. O idoso precisou de um leito de UTI, e, antes que a vaga chegasse, também morreu. Internado e sem poder enterrar o pai, Samuel piorou de saúde. Assim como os pais, precisou de um leito de UTI, que não veio.

    “É difícil perder uma pessoa. Três, então, é muito mais difícil”, afirma Pamela.

    família reunida em foto de casamento
    Imagem tirada no casamento de Pamela, jovem que perdeu os avós e o tio devido a Covid e falta de leitos de UTI: da esquerda para a direita: avô de Pamela, seu José (gravata rosa); dona Dinéia (vestido vinho); atrás, o marido da jovem, Kennedy; a tia, Ana (vestido azul); mulher de Samuel (atrás dela) (Arquivo Pessoal/Reprodução)

    Ela conta que os avós sempre foram os responsáveis por reunir a grande família no final do ano, que, além da mãe de Pamela, conta com outras tias e um tio.

    “Quando eles [avós] estavam vivos, eram o centro de tudo”, afirma.

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    Apesar disso, Pamela afirmou que reuniu a família e propôs que todos se encontrassem para as festas de final de ano na casa dos avós, onde ainda mora a viúva de seu tio e suas primas.

    “A gente pensou em se reunir para não deixar esse luto afastar a famílias”, diz.

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    A jovem conta que conversou muito com a família, porém, teve muita dificuldade durante meses para enfrentar a situação. “Era a minha base. Praticamente a minha avó foi a minha mãe e eu quase entrei em depressão”, diz.

    Evangélica, Pamela diz acreditar que o momento é orar pelos vivos. O contato com os avós e o tio se dá nos sonhos que têm com eles. “Creio que Deus me dá esses sonhos para matar a saudade. Às vezes eu escuto ela [avó] me chamando”, afirma.

    A empreendedora afirma que toda a família está atenta, ainda mais devido à nova variante Ômicron. A reunião de Natal será em uma área aberta, no quintal da casa dos avós.

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