Recém-chegado a São Paulo para atender no Hospital Vila Nova Star, o médico Cid Pitombo, 54, começou a carreira nos Estados Unidos, para onde foi após vender seu carro. Com o dinheiro curto, andava de bicicleta e comia comida congelada.
Ainda no exterior, realizou cirurgias de demonstração em países como Holanda, França, Bélgica e Portugal. Cid também escreveu um livro (Obesity Surgery: Principle and Practice), lançado apenas em inglês.
No Rio de Janeiro, sua cidade natal, Cid iniciou em 2010 um programa público que atendeu 6 000 pacientes e operou 3 500 deles. Mas foi como médico de famosos que o profissional ficou conhecido no Brasil. Leandro Hassum e André Marques foram seus pacientes e mudaram de vida com a cirurgia bariátrica.
Feitas por laparoscopia (“É o método mais aceito pela velocidade”), duram cerca de quarenta minutos. “A obesidade é doença crônica e tem de ser tratada o mais rápido possível.”
Atualmente, a taxa de obesidade no Brasil é de 22%, segundo a World Obesity Federation. Em 2030, a projeção salta para 30%. Quais são os principais fatores que justificam os números atuais e os possíveis índices futuros?
São diversos os fatores. Um deles é a dificuldade alimentar. Mesmo que a população tenha dinheiro, não existe alface, tomate, frango para todo mundo. Por isso os mais pobres fazem mais uso de alimento industrializado, com muito sódio, gordura saturada e nada saudável.
Mas em uma ida à feira livre é possível encontrar alimentos saudáveis e acessíveis. Não é uma falácia apontar apenas para a questão do preço ao justificar esse comportamento alimentar?
É claro que alimento saudável de baixo valor financeiro existe. Mas (uma ida à feira) é pontual, pois há a questão da localização, do acesso. Quando a feira está longe da pessoa, ela tem de pegar ônibus. Enquanto isso, a oferta de produtos industrializados está na frente de casa, no ponto de ônibus. Quando se fala em oferta de baixo valor, tem de estar perto. Tem de envolver políticas governamentais. Mas é viável, claro. Você não precisa comprar badejo e namorado, mas pode comprar uma sardinha.
Quem são mais obesos, os ricos ou os mais pobres?
As taxas são alarmantes para a baixa renda, ao contrário do que ocorre com as pessoas mais ricas. Antigamente, na Idade Média, você via a mulher e o homem burgueses obesos e o pobre pedindo comida na rua. Hoje, os maridos e mulheres ricos são fitness. E tem obeso na população de baixa renda.
E entre homens e mulheres?
Dados do Ministério da Saúde apontam que em São Paulo 20,5% dos homens são obesos, contra 24,1% das mulheres.
As mulheres fazem mais cirurgias bariátricas que os homens?
Elas fazem mais cirurgia por dois motivos: pela busca da estética e porque o incômodo para elas é muito pior. Uma mulher de 100 quilos fica incomodada com o peso. Já um homem com o mesmo peso tem uma acomodação.
A bariátrica é para qualquer obeso? A partir de qual peso/IMC (índice de massa corpórea) a pessoa pode pensar em cirurgia?
Existem critérios estabelecidos. O portador de obesidade mórbida, com índice de massa acima de 35 e com comorbidade, pode ser candidato. Acima de 40 (de IMC), independentemente de doenças ou não, pode ser candidato.
Quando o senhor fala em candidato, quer dizer que não basta a vontade e a necessidade para que o paciente possa ser operado?
Existe todo um processo de avaliação, se tem indicação. Dali em diante toda uma equipe, com endócrino, nutricionista, psicólogo, faz uma avaliação se tem entendimento e se tem critérios. E aí começa o processo.
Quanto tempo leva esse processo, entre a primeira consulta e a chegada à mesa de cirurgia?
Com os meus pacientes no Vila Nova Star o processo leva cerca de dois meses.
Qual o maior risco de ficar obeso por um longo período?
A pessoa que tem obesidade crônica e demora para buscar avaliação está levando o pâncreas, o rim, os ossos, os ligamentos, entre outros, a estar em um corpo que não é apropriado ao seu peso. Imagina carregar 60, 100 quilos a mais para sempre?
Para os que sofrem de transtornos alimentares, a cirurgia também funciona?
Existe uma diversidade de transtornos. Se o paciente tem transtorno, deve ser muito bem estudado no pré-operatório. Porém a maior parte de pessoas com obesidade mórbida não tem transtorno alimentar.
Qual a diferença entre os pacientes que têm sucesso com a cirurgia e os que não têm?
Ninguém vai dizer os resultados fidedignos, pois é difícil fazer follow-up de obesos. Os trabalhos científicos demonstram que, de cada 100 pacientes, oitenta vão bem para o resto da vida. O restante vai ter ganho de peso. Desses, 20%, 5% ou 10% podem não ter resultado.
O senhor criou uma campanha, a #gordofobianaoepiada. Quando os obesos vão parar de ser alvo de piadas?
A questão da gordofobia não pode ser tolerada. Não pode confundir gordofobia com orientação de obesidade. O médico tem de alertar o portador de obesidade e falar dos riscos. Mas de maneira nenhuma pode-se discriminar uma pessoa obesa.
Para quem a bariátrica não é recomendada?
Entre 18 e 65 anos não tem contraindicação, mas é preciso olhar com cuidado. Pessoas com transtornos psiquiátricos importantes, ou quando há feridas e problemas cardiológicos (há impeditivos). Por isso que um cirurgião experiente e confiável é importante. Ele não pode empolgar o paciente. Tem gente que vem aqui de avião, com bolos de dinheiro e querendo operar amanhã. Eu percebo a empolgação e dou uma freada.
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Publicado em VEJA São Paulo de 15 de junho de 2022, edição nº 2793