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Cresce o número de mulheres que buscam congelar óvulos para aumentar chances de engravidar mais tarde

Aumento alcançou 40% durante a pandemia; conheça onze mulheres que passaram pelo procedimento

Por Helena Galante Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h42 - Publicado em 19 fev 2021, 02h16
Chupeta sendo pega com uma pinça
Decisão de adiar a chegada dos bebês: congelamento de óvulos não é garantia de gravidez futura, reforça a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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“Você já pensou em congelar os seus óvulos?” A pergunta que tem entrado na rotina de check-up das mulheres perto dos 30 anos nos consultórios ginecológicos é carregada de implicações. Será que a paciente quer eventualmente ser mãe? Será que está em um relacionamento sério ou toparia uma produção independente? Será que pode arcar com os custos, que costumam variar de 12 000 a 30 000 reais? As perguntas são muitas, mas diante do relógio biológico correndo (e das tantas incertezas que a Covid-19 escancarou), a procura pelo procedimento cresceu significativamente de 2019 para 2020 — e promete seguir a tendência em 2021.

Só no Grupo Huntington, desde 1995 voltado para a medicina reprodutiva, o período de julho a novembro do ano passado teve perto de 40% mais busca pela técnica do que no ano anterior. Numa escala de tempo maior, de 2013 para 2020, o aumento é de 237%, chegando a 493 pacientes e 3 642 óvulos. O impacto da pandemia na decisão de fazer uma reserva estratégica de células reprodutivas está ligado à dinâmica dos relacionamentos.

“Quem está sem parceiro continua sem parceiro. No entanto, o tempo não está suspenso, e está passando rápido. Todo mundo achou que as mudanças impostas pelo coronavírus eram por quinze dias e esses quinze dias já duram quase um ano”, afirma a psicóloga Rose Marie Melamed, credenciada pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). “Outro ponto é que em um momento de pandemia a gente perde o controle da nossa vida, da realização dos nossos desejos. Neste momento, congelar os óvulos é algo que eu posso fazer por mim.”

“Depois da pílula, essa será a segunda revolução feminista.”

Dr. Fernando Prado, da Neovita

 

 

Para além das mudanças circunstanciais, as inovações tecnológicas que incrementaram significativamente a chance de sucesso do procedimento também incentivaram mais adeptas. “Na Itália, quando a bancada da Bíblia conseguiu proibir o congelamento de embriões, o aprendizado de como congelar melhor o óvulo foi acelerado. A pesquisadora Eleonora Porcu chegou à vitrificação, usada hoje”, lembra o doutor Eduardo Leme Alves da Motta, diretor do Grupo Huntington.

De experimental, a técnica foi disponibilizada ao público nos anos 2000 — e se popularizou no Brasil a partir de 2010 (leia mais na arte ao final da matéria). “É o procedimento mais elaborado da reprodução humana, mas a taxa de sobrevivência esperada da célula ao descongelar é ao redor de 90%”, conclui Motta. “A única coisa que a gente não trata em medicina reprodutiva é o tempo-sensibilidade do ovário, a diminuição qualitativa e quantitativa dos óvulos. Esses fatores juntos fazem com que as mulheres venham mais”, afirma o doutor Edson Borges Jr., diretor científico da Fertility.

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O avanço da ciência nem sempre é acompanhado pelo avanço na mentalidade do público. “Antes, o congelamento estava muito ligado à mulher que estava doente ou assumiu ser solteira, o que era considerado fracasso. Hoje, está atrelado ao sucesso: a mulher tem uma carreira que quer desenvolver e busca uma vida independente”, afirma o doutor Caio Parente Barbosa, da clínica Ideia Fértil.

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“É uma reserva estratégica. O congelamento preserva aquele momento da fertilidade.”

Dr. José Roberto Alegretti, da Huntington

“As mulheres podem decidir congelar quando não querem engravidar, podem adiar até a hora que quiserem e então usar os óvulos. Isso muda radicalmente o papel da mulher na sociedade”, diz o doutor Fernando Prado, da clínica Neo Vita. “As pessoas ainda não se deram conta porque não é tão difundido e nem todas têm condições, mas a hora que se tornar mais acessível, vai ser a segunda revolução feminista, depois da pílula”, completa Prado.

Dr Edson trabalhando em sua clinica
Doutor Edson Borges, na Fertility: mais de 6 000 óvulos congelados (Alexandre Battibugli/Veja SP)

 

Para a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, a doutora Nilka Donadio, essa revolução ainda deve ser encarada com cuidado, já que o congelamento não é garantia de gravidez futura. “Esses óvulos congelados têm de ser interpretados pelas pacientes como um plano B e não o plano A, porque o plano B não é 100% certeiro”, ressalta Nilka.

Sobre a idade ideal para realizar o procedimento, o consenso “quanto antes, melhor” parece prevalecer. “Existe uma premissa para congelar até os 35 anos, porque você começa a ter uma piora na qualidade dos óvulos. Isso não significa que uma mulher aos 38 não possa congelar, mas quanto maior a idade da paciente, menos óvulos ela deve conseguir por ciclo de tratamento”, diz Nilka.

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Com hashtag e tudo, a campanha #trintoucongelou, da Huntington, pretende antecipar essa preocupação para os 30 anos. Por que não 25 anos, por exemplo? “Nessa idade, ela ainda não tem a vida conjugal definida e a perspectiva de filhos está a muito longo prazo”, afirma o doutor Motta. Diversas pacientes ouvidas pela reportagem de VEJA SÃO PAULO citaram o fator econômico como principal determinante na possibilidade de escolher o procedimento.

“Os óvulos congelados devem ser encarados como plano B, porque não são garantia de gravidez.”

Dra. Nilka Donadio, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana

Quem busca as clínicas especializadas em reprodução humana para prolongar a chance de engravidar mais tardiamente se encaixa no público de caráter social. Em condições muito diferentes encontram-se as pacientes oncológicas. “Para a mulher que tem câncer, o fato de poder congelar óvulos dá a ela uma esperança de vida. Quando o médico traz essa possibilidade, a paciente fica mais confiante, sente que o médico acredita na cura dela, o que aumenta a possibilidade de ela aderir ao tratamento”, afirma a psicóloga Rose.

O professor e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e chefe do Setor de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da FMRP (HCFMRP), doutor Rui Ferriani, concorda com a melhora no engajamento das mulheres. “Em um diagnóstico doloroso, é uma perspectiva de futuro para elas.” O hospital foi o primeiro serviço público dentro da reprodução assistida e a maior demanda é para casos de preservação da fertilidade em razão de doenças. “As pacientes chegam por encaminhamento do SUS ou são pacientes do hospital”, diz Ferriani.

“A manutenção e o procedimento são gratuitos, mas o SUS não oferece as medicações principais, que são as mais caras, e por isso as pacientes precisam comprar”, explica o médico. “Nos casos oncológicos, nós temos colaborações e parcerias de laboratórios que fornecem essa medicação”, finaliza Ferriani. Também chegam os pedidos de congelamento social, porém, para estes, os medicamentos devem ser custeados pelas pacientes e as filas chegam a um ano e meio de espera.

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“A gente consegue tratar de tudo, menos o tempo-sensibilidade do ovário. Isso faz com que mais mulheres venham.”

Dr. Edson Borges Jr, da Fertility

 

 

Ficou pensando o que acontece caso a paciente não utilize suas células armazenadas? “O óvulo é um gameta, não um embrião, portanto não é uma vida. Não há essa discussão, ele pode ser descartado a qualquer tempo”, afirma o doutor Motta. Os direcionamentos para a preservação de fertilidade são tratados no Conselho Federal de Medicina por meio de resoluções que permitem o congelamento de óvulos.

“A clínica precisa disponibilizar o termo de consentimento que, nesse caso, é obrigatório”, diz a advogada especialista em bioética Thaís Maia. No documento, deve constar para a paciente informações das fases do procedimento, dos riscos, dos benefícios e até mesmo do futuro, com opções do que fazer em caso de desistência do gameta, que pode ser doado, levado para pesquisas ou descartado, inclusive quando se tem o falecimento da mulher. “É diferente dos embriões, que precisam ficar no mínimo três anos congelados antes de ter uma dessas finalidades”, diz Thaís.

“O médico me disse que, se conseguisse quatro ou cinco óvulos, havia uma chance. Me agarrei nessa chance.”

Roberta Cardoso Paulino

“No questionário que preenchi antes do procedimento, precisava informar o que faria caso desistisse deles ou algo acontecesse comigo. Assinalei que poderia doá-los a outra pessoa. Quem sabe não poderia ser também a forma de realizar o sonho de outra pessoa de ser mãe?”, afirma a empresária Luciana Lira de Araújo, que teve câncer de mama e está ansiosa para a chegada do mês de agosto. Vai ser quando receberá do médico a liberação para suspender os remédios do tratamento do câncer e fazer a inseminação que pode fazer o sonho adiado da maternidade virar realidade. “É tudo que eu mais quero.”

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Doutor José aplicando a técnica, de máscara e equipamentos médicos
Doutor José Roberto Alegretti, diretor de embriologia do Grupo Huntington: técnica de vitrificação é feita a mão (Alexandre Battibugli/Veja SP)

 

O passo a passo do ciclo

Da aplicação dos hormônios ao congelamento do óvulo, o processo pode levar até quinze dias.

CHECK-UP O primeiro momento é o encontro com o médico especialista em reprodução humana. Ele deve solicitar exames ginecológicos e o anti-mülleriano, que indicará a capacidade que o ovário tem para produzir óvulos mediante estimulação. Caso não haja contraindicação, o procedimento começa

Infográfico com numerações correspondentes a cada etapa do processo
Fontes: Nilka Donadio, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Fernando Prado, da clínica Neo Vita (Arte/Marcelo Cutti/Veja SP)
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1- Primeiros passos

Depois da menstruação, inicia-se a aplicação dos hormônios. Esse procedimento pode levar de oito a doze dias. A partir do quinto, será necessário fazer ultrassonografia a cada dois dias para checar a resposta dos ovários e a produção de folículos, uma bolsinha de líquido visível que contém um óvulo cada uma.

2- A retirada

A extração é feita, em média, depois de doze dias, com um ultrassom transvaginal e uma agulha acoplada. O líquido dos folículos que contém o óvulo é aspirado. O ideal é ter cerca de quinze óvulos retirados. Se esse número não for atingido, recomenda-se um novo ciclo.

3- A separação

Os óvulos são separados do líquido e preparados para o processo de vitrificação, o congelamento.

4- Congelamento e armazenamento

Os óvulos são transferidos para um tanque com nitrogênio líquido, que reduz a temperatura a 196 graus negativos. Ali, eles podem ficar armazenados por anos.

 

Conheça mulheres que optaram pelo procedimento

 

Sem receio de tornar o assunto público

No passado, o congelamento de óvulos era um tema privado, que muitas mulheres preferiam manter em sigilo até mesmo para os familiares e amigos mais próximos. Hoje não é mais assim. Em novembro do ano passado, a médica anestesista e ex-BBB Thelma Assis compartilhou no Instagram que estava na sala de espera para a sua primeira consulta médica sobre o procedimento, que ainda não foi realizado. “Daqui uma semana eu faço 36 anos, estou no meu limite”, disse, na época. E brincou: “Não estou grávida, só estou preparando os bebezinhos para daqui a alguns anos”.

Thelma deitada em seu sofá
Thelma Assis: “Não estou grávida, só estou preparando os bebezinhos para daqui a alguns anos” (Instagram/Reprodução)

Investimento no futuro

Foi o irmão da administradora Magda Bertochi, 45, que soprou para ela a ideia de congelar seus óvulos. Na época, com 38 anos, estava mergulhada no seu projeto de transição de carreira. “Tenho adoração por criança, mas sempre fui desencanada e tinha outros anseios”, conta. Sem pressa para assumir o papel de mãe, optou pelo procedimento. “Amadureci e repensei a gravidez. Ao antever o problema da idade, foi uma sensação de tocar a vida mais tranquila.”

Ela conta que a partir do momento do seu congelamento, sua carreira deslanchou: mudou de área, de emprego, fez cursos fora do país. “Acho que inconscientemente, a questão da maternidade me atrasava. Foi um investimento e eu não me arrependo.” Com a pandemia, passou por um momento de reflexão e chegou a analisar a possibilidade de ter o bebê, em produção independente, mas não para já. “Tem mulheres que, se não forem mães, vão se frustrar. Eu não tenho isso. Não é a hora.”

Magda Bertochi em sua sala de estar
Magda Bertochi: “Tem mulheres que, se não forem mães, vão se frustrar. Eu não tenho isso. Não é a hora.” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

À espera de Giulia

“Planejar é a minha vida e eu sou muito prática. Senti a síndrome do tique-taque aos 37 e fui atrás do congelamento dos óvulos”, diz a empresária Tatiana Di Celio, 46, que trabalha na área de engenharia civil. Na ocasião, andava com mania de dietas e ficou com um número de óvulos muito baixos. “Sou do tipo que precisa ter planos A, B, C, D… J.” Repetiu o ciclo dois anos depois, com o resultado muito melhor: dez óvulos coletados que poderiam ser muito bem aproveitados. “Tinha um mês que estava saindo com um cara e pedi a ele para me levar à clínica para fazer o procedimento. Ele ficou esperando no meio das revistas de bebês.”

O rapaz, que na época tinha 25 anos, é Leon Fantini, hoje seu marido. “Se ele não fugiu naquele momento, era para casar mesmo.” O casal morou um tempo nos Estados Unidos e retornou com a vontade de, enfim, ter o bebê. “Eu até queria esperar um pouco mais, mas com 46 anos, quero ainda ter pique para acompanhar. A pandemia deu uma acalmada no trabalho, foi o tempo certo.” Giulia deve chegar no início de julho. “Cada exame, ultrassom, é uma expectativa. Eu enjoo bastante, mas sei que está tudo bem.”

Tatiana Di Celio com as mãos na barriga
Tatiana Di Celio: “Planejar é a minha vida e eu sou muito prática. Senti a síndrome do tique-taque aos 37 e fui atrás do congelamento dos óvulos” (Rogério Pallatta/Veja SP)

“Não vou poder usar, mas também não me arrependo”

“Recebi o diagnóstico de câncer de mama aos 28 anos. Naquele segundo de contato com a realidade, me falaram da preservação da fertilidade, mas nem me atentei”, conta Ana Michelle Soares, 38. O instinto materno não tinha aflorado e ter filhos não era um objetivo de vida. Uma amiga fez o segundo alerta para o congelamento e, como estava casada, decidiu fazer o procedimento com quatro embriões. “Era mais a sociedade dizendo ‘tem de’”, conta.

O relacionamento acabou e junto veio a notícia da metástase. “Recomendaram o congelamento dos óvulos. Atrasei o início da quimioterapia para fazer.” Só depois teve o esclarecimento que sua doença não tem cura e seu tratamento é paliativo, não teria a possibilidade de gestar um bebê. “Dei risada de mim mesma, não fiquei frustrada. Foi um conforto psicológico na época. E se? Achei que fazia sentido. Por isso não me arrependo, mas queria ter sido informada das perspectivas.”

Hoje, Michelle se dedica a ajudar outros pacientes em cuidados paliativos. “O amor não precisa vir da gestação. Maternidade é outra coisa para mim”, diz. “Mas óvulos estão lá, na Sibéria, ninguém pode falar que não sou mãe”, brinca. Segundo ela, adoraria viver uma história de amor, que seja leve. “A felicidade para mim tem de ser o agora. Ia ser ótimo ter um ‘boy magia’ que tenha o pacote completo, porque não ia me cobrar nada”, diverte-se.

São Paulo 15 fevereiro 2021Michelle SoaresFoto Alexandre Battibugli VSP
Ana Michelle Soares: “A felicidade para mim tem de ser o agora. Ia ser ótimo ter um ‘boy magia’ que tenha o pacote completo, porque não ia me cobrar nada” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“É simples, apesar da demanda emocional”

A vontade de ser mãe já veio, e já foi embora, e já veio de novo em momentos distintos da trajetória da advogada Adriana Fernandes Rollo, 36. “No ano passado, me vi solteira e pensei que em algum momento a vontade poderia ressurgir e meu timing biológico estava acabando”, lembra. A decisão de congelar os óvulos cresceu junto com a pandemia, que trouxe uma janela de mais flexibilidade no trabalho. “Sempre tive um problema de tempo. O procedimento demanda um compromisso de ir de quatro a cinco vezes por semana na clínica e trabalhando de casa eu consegui conduzir o processo todo”, lembra.

“Sendo bem sincera, pra mim, a decisão demanda psicologicamente. Você acaba pensando na possibilidade de ter filhos sem estar na fase de tentar ter filhos”, conta. “Prefiro ser mais racional. O congelamento é uma tranquilidade para a mulher. No fim, é mais simples do que pintam, quero disseminar esse conhecimento.” Isso significa que ser mãe estará necessariamente nos planos próximos? Talvez sim, talvez não. “Se eu não for mãe, vou viajar para a Lua, vou fazer outra coisa da minha vida”, brinca Adriana.

Adriana Fernandes Rollo sorrindo
Adriana Fernandes Rollo: “Se eu não for mãe, vou viajar para a Lua, vou fazer outra coisa da minha vida”, (Arquivo pessoal/Divulgação)

Para quando a pandemia acabar

A biomédica Denise Christofolini, 43, já estava ambientada no assunto de congelamento de óvulos quando decidiu pelo procedimento. “Eu trabalho com aconselhamento de casais que querem ter filhos e precisam saber dos riscos da maternidade tardia”, conta. Quando tinha 33 anos, se pegou fazendo cálculos. Sabendo das dificuldades atreladas à idade, não teve dúvida. “O primeiro pensamento era a saúde do bebê.”

Foram três procedimentos, que reuniram 24 óvulos, para garantir mais de uma gestação. “O sentimento foi de tranquilidade.” Há sete anos em um relacionamento, veio a vontade de ser mãe. O plano era para que o bebê viesse em 2020, mas a pandemia suspendeu a movimentação. Ela garante que assim que terminar, eles farão a fertilização. “Penso que a vida não tem sentido se não deixarmos um descendente.”

Denise sentada em um banco de escritório
Denise Christofolini: “Penso que a vida não tem sentido se não deixarmos um descendente.” (Rogério Pallatta/Veja SP)

“Em agosto, estou liberada para fazer um intervalo na medicação do tratamento de câncer e engravidar”

Desde que se casou, a empresária Luciana Lira de Araújo, 38, sabia que seria preciso um tratamento para ser mãe. Ela chegou a engravidar naturalmente, mas no terceiro mês a gestação não seguiu adiante. Foi num check-up de muitos exames para o casal planejar a gravidez que ela descobriu, ainda em estágio inicial, um câncer de mama. “Lembro no hospital de ouvir que meu bebê já estava me protegendo, porque foi por causa da vontade de engravidar que descobri o câncer tão cedo”, conta Luciana, emocionada.

Ouvir o diagnóstico trouxe memórias e dificuldades. “Tinha vergonha de falar a palavra câncer, parece que ela marcava você. Minha avó teve câncer e virou um tabu na família. Fiz terapia e com o acompanhamento de uma psicóloga entendi o que aconteceu e hoje falo da cirurgia, dos remédios, sem medo, sem me sentir desconfortável.” Além da intervenção para a retirada do tumor, foram prescritas sessões de radioterapia, que podem levar à infertilidade. Foi quando realizou, em 2018, o congelamento dos óvulos.

Do procedimento em si, não sobraram muitas lembranças de incômodos. “Comigo, foi supertranquilo. Só apresentei um pouco de inchaço e alguns hematomas no local da aplicação dos hormônios.” Para alegria do casal, o sonho de virar mãe e pai está cada vez mais próximo. “Em agosto, estou liberada para fazer um intervalo na medicação do tratamento de câncer e engravidar. É tudo que eu mais quero.”

Luciana em uma área aberta, com plantas, e rindo
Luciana Lira de Araújo: “Em agosto, estou liberada para fazer um intervalo na medicação do tratamento de câncer e engravidar. É tudo que eu mais quero.” (Arquivo pessoal/Divulgação)

“É um seguro-maternidade”

A publicitária Flávia Janini, 42, traçou sua jornada profissional no mercado financeiro. “Nos lugares onde trabalhei sempre discuti o tema da maternidade dentro das empresas. Para a mulher, vai ter aquele momento de escolher entre a profissão e ser mãe e não deveria ser assim.” Flávia engrenou na carreira cedo, se especializou fora do país, teve namoros duradouros. Mas postergava o assunto gravidez, ainda que vira e mexe rondasse seus pensamentos. “Era uma promoção, uma mudança de estrutura na empresa ou o fim de um relacionamento. Decidi fazer um ‘seguro-maternidade’”, diverte-se.

O procedimento, feito aos 36 anos, trouxe outras perspectivas, como a produção independente. “Preferia o método natural, mas não aconteceu”, diz ela, que está começando a planejar a vinda de um bebê, sozinha. “Quero ter apoio das pessoas que eu amo. Em breve pode ser que aconteça.” Já no local de trabalho, virou entusiasta do tema para incentivar as mulheres a pensar na possibilidade. “Por que não ajudá-las com o benefício dentro da empresa? Eu gostaria de ter tido esse suporte.”

Flavia Janini sentada em sua sala
Flavia Janini: “Para a mulher, vai ter aquele momento de escolher entre a profissão e ser mãe e não deveria ser assim.” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Um e-mail mudou tudo

Para Roberta Cardoso Paulino e o marido, Rafael Bonadiman Vieira, com os filhos Enrico e Vicente, de 1 ano e 2 meses, o passado de desesperança na maternidade parece distante. Mas aos 39 anos, Roberta lembra em detalhes que o seu sonho de ser mãe foi desencorajado. “Aos 21 anos, tive um cisto e perdi o ovário esquerdo e uma das trompas. Sabia que se quisesse ter filhos, teria de ser por fertilização in vitro”, conta a fisioterapeuta. “Fui a dois profissionais que não me deram muita chance, por causa da minha situação. Até que me indicaram um médico em São Paulo, que respondeu ao meu e-mail. Ele foi realista com a minha situação, mas disse que, se conseguisse quatro ou cinco óvulos, havia uma chance.”

Ela saiu do Espírito Santo e ficou hospedada aqui para fazer o tratamento. Para aumentar suas probabilidades, fez duas retiradas. “Me agarrei nessa chance.” Depois do casamento com Rafael, decidiram juntos o momento de tentar ter filhos. “Quando colocamos dois embriões, sabíamos que existia a possibilidade de termos gêmeos. Quando isso se confirmou, ficamos muito felizes.”

Roberta com o marido e os dois filhos, todos sentados e rindo em um sofá
Roberta Cardoso Paulino: “Quando colocamos dois embriões, sabíamos que existia a possibilidade de termos gêmeos. Quando isso se confirmou, ficamos muito felizes.” (Arquivo pessoal/Veja SP)

De volta à vida

Dois anos atrás, a vida de Luciana Pacheco, 43, estava de cabeça para baixo. Enfrentava uma separação litigiosa e se desdobrava para cuidar do bebê, Bernardo, com pouco mais de 1 ano, quando bateu a ideia do congelamento de óvulos. Queria se assegurar de ter um segundo filho no futuro. “Fiz por mim, quero essa escolha nas minhas mãos.”

As consequências foram surpreendentes. “Foi uma chance que eu dei para mim, para deixar essa decisão para depois, em um momento em que minha vida estava sendo decidida por juízes. Eu mesma aplicava as injeções na maior felicidade.” Quando chegou o dia da extração, achou que ficaria insegura. Na sala de espera, era a única mulher solteira no meio de tantos casais. “Fiquei ainda mais empoderada, porque eu declarei minha independência.” Luciana não pretende ter esse segundo filho sem ter um companheiro, já que, por ser mãe, sente que precisa dessa ajuda. “Fico tranquila que meus possíveis filhotinhos estão lá e me trouxeram à vida de novo.”

Luciana Pacheco sorrindo
Luciana Pacheco: “Foi uma chance que eu dei para mim, para deixar essa decisão para depois” (Arquivo pessoal/Divulgação)

Sem um piano nas costas

Parte da rotina da ginecologista Rebeca Gerhardt, 34, é explicar e ajudar as mulheres a congelar seus óvulos para preservar a fertilidade. No fim do ano passado, tomou a decisão de encarar ela própria o procedimento. “Foi a melhor coisa que eu fiz. E foi legal: no mesmo dia em que eu estava captando os óvulos de uma paciente, eu também ia fazer o meu, como paciente.”

Segundo ela, a vontade de ficar grávida sempre esteve presente, mas o momento não é dos melhores. “Me separei em 2019 e estou solteira. Além disso, minha carreira é o meu foco agora. Coloquei urgência nisso.” Ela falou da experiência em seu perfil no Instagram, que já conta com mais de 50 000 seguidores, e não parou de responder a perguntas sobre o assunto. “As mulheres precisam saber dessa possibilidade.”

Como a gestação não está planos, ela afirma encarar mesmo como um seguro, que nem sabe se chegará a usar, já que ainda tem alguns anos para tentar no método natural. “Eu só tenho o plano B. Quero ir aos encontros, ter relacionamentos saudáveis, sem essa pressão de que estou ficando sem tempo. Foi um piano que saiu das costas.”

Rebeca sorrindo
Rebeca Gerhardt: “Eu só tenho o plano B. Quero ir aos encontros, ter relacionamentos saudáveis, sem essa pressão de que estou ficando sem tempo. Foi um piano que saiu das costas.” (Arquivo pessoal/Divulgação)

Uma ajuda amiga para a maternidade aos 50 anos

A responsável por Lucimare Ramos, 50, ter decidido congelar seus óvulos foi uma grande amiga. O ano era 2006 — quando a prática ainda era pouco comum. “A irmã dessa minha amiga estava passando por uma situação delicada tentando engravidar e ela me perguntou por que eu não congelava meus óvulos, para evitar algo parecido”, lembra Lucimare, que sempre gostou de viajar, sair com as amigas e estudar (nem filhos nem casamento estavam nos planos).

Aos 36 anos, foi sozinha à clínica. “Não queria comentar com ninguém, guardei segredo porque ouvia comentários de pessoas que não aceitavam, não entendiam.” Por perto de catorze anos, foi pagando a anuidade e deixando o material congelado. Em 2018, já morando junto com seu companheiro, decidiu fazer a inseminação. A primeira tentativa não foi bem-sucedida. Na segunda tentativa, três embriões foram inseminados e vieram gêmeos, em placentas separadas. Um embrião se desenvolveu somente até a oitava semana, mas o outro prosseguiu sua formação. Em abril do ano passado, nasceu Sophia.

“Estava preocupada porque os óvulos corriam o risco de perder a qualidade por estar congelados por tanto tempo, mas não tive problema nenhum”, comemora. A experiência da maternidade — e o sucesso do congelamento — fez Lucimare recomendar o procedimento para amigas na faixa dos 35 anos. Para 2021, os planos são aumentar a família. “Vou começar de novo o tratamento, já fiz os exames e quero engravidar de novo agora neste primeiro semestre.”

Lucimare segurando um bebê
Lucimare Ramos: “Vou começar de novo o tratamento, já fiz os exames e quero engravidar de novo agora neste primeiro semestre.” (Arquivo pessoal/Divulgação)

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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726

 

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