A “cultura do cancelamento” é um dos tópicos em alta nas redes sociais nos últimos anos. Com a mais recente edição do Big Brother Brasil, o assunto ganhou ainda mais evidência. Em questão de dias, minutos ou até mesmo segundos, um participante do programa está sujeito a receber uma avalanche de comentários negativos. Essa reprovação em massa pode se tornar muito nociva.
Com uma das maiores rejeições em um paredão triplo do BBB, com 94,26% dos votos, Patrícia Leitte revelou que chegou a pensar em suicídio após ser eliminada do programa. As críticas dirigidas à ex-participante enquanto ela ainda estava confinada não eram poucas, mas ao sair da casa, a atriz e modelo recebeu ataques ainda mais graves e ficou bastante abalada.
“Pensei, sim, em me suicidar e isso não aconteceu porque Deus colocou anjos no meu caminho e minha família me deu muito amor e apoio. Eu sofria por mim e por eles, me sentia mal pelo meu filho ter sofrido tantos ataques por minha causa”, disse Patrícia nas redes sociais.
“Quando alguém vem de uma rejeição como essa, o sofrimento é muito intenso”, explica o Dr. Henrique Bottura, psiquiatra diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista. “Um organismo em aflição vai buscar as alternativas que ele consegue para tentar estancar essa dor. Muitas vezes é assim que nascem os pensamentos de suicídio”, destaca.
O psiquiatra adverte que o confinamento de um programa como o Big Brother Brasil é um desafio complexo para o psicológico de um indivíduo. Apesar de não possuir informações diretas do mundo externo, o participante vive com a ciência de que está sendo monitorado.
“Os participantes vivem um exercício de supor o que os outros esperam dele sem uma retroalimentação [feedback] da comunicação, e isso é desafiador para qualquer um”, comenta Bottura. O psiquiatra diz que, em situações normais, recebemos reações, feições, expressões das pessoas com quem conversamos, mas dentro do confinamento, o retorno não existe. “É um desafio cognitivo e psicológico”, avalia.
“Vida real”
Expandindo as barreiras do reality show para a vida cotidiana, fato é que, atualmente, qualquer um está sujeito à rejeição vivida por participantes de um programa de televisão. O psiquiatra lembra que o pertencimento é uma necessidade primária e primordial para os indivíduos. O cérebro humano é programado para a socialização e, para que isso aconteça, é necessário cooperar de acordo com um código moral.
“Quando há uma repressão, uma crítica ou um ‘cancelamento’ de alguém, automaticamente a mensagem que o indivíduo recebe é a de que ele não pertence àquele espaço”, explica. A sensação imediata é de abandono e de agonia, sentimentos muito primitivos dos seres humanos. Bottura exemplifica a seriedade do tema: “em um âmbito micro, pessoal e privado, a rejeição é já sofrida. Quando isso vai para um nível de exposição social muito vasto e em massa, esse sofrimento é muito intenso”.
As emoções negativas causadas por uma reprovação, como ansiedade e tristeza, advém da natureza do ser humano, e quando em um nível mais expositivo, são certamente ampliadas. “É evidente que existem estruturas de personalidade e de psicopatologias que podem fazer com que um caso extremo de sofrimento, como o suicídio, aconteça mais facilmente”, descreve o psiquiatra.
Cultura do cancelamento
A chamada “cultura do cancelamento” é um dos fatores que contribuem para a reprovação em massa de alguma pessoa. Inicialmente, a ideia era ampliar pautas como justiça social para um maior alcance nas redes sociais. A situação mudou quando usuários das mídias passaram a provocar o linchamento de personalidades e pessoas anônimas por falhas que, para outras pessoas, poderiam ser consideradas apenas um erro passível de retaliação.
Além de incentivar uma certa busca incessante e inexistente pela perfeição, que pode impedir pessoas de aceitarem seus defeitos, a “cultura do cancelamento” inibe as pessoas de agirem naturalmente. “Quando você tem uma cultura que é muito crítica, que cria muitas regras e determina como cada um deve seguir seus valores, você fica muito sujeito a ser criticado. E isso certamente vai impactar em como as pessoas se expressam. Isso nos faz refletir um pouco sobre a liberdade”, finaliza Bottura.
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