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OLÁ,

Céus!

Por Ivan Angelo
Atualizado em 14 Maio 2024, 11h09 - Publicado em 25 nov 2011, 20h40

Um amigo médico, morador de apartamento de luxo, conta-me que o síndico do prédio foi pego superfaturando contas, “uns 200.000 reais, por baixo”, calcula o amigo, aí incluído um absurdo aspirador de pó que teria custado mais de 5.000 reais! O zelador, o pessoal da limpeza e o próprio síndico diziam não saber onde estava o aparelho. O síndico não é qualquer um, é auditor financeiro de uma empresa internacional. Pois não é que o aspirador estava na casa dele — e também o tapete persa comprado para o salão de festas? Já imaginaram se um guloso desses vai para um cargo público?

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Outro amigo, primo da minha mulher, vendeu medicamentos a uma prefeitura do Rio de Janeiro, com licitação, tudo certinho, no valor de 300.000 reais, e não recebeu até hoje, anos passados, porque para receber ele teria de pagar 20% de propina e se recusou a fazê-lo.

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Outro tinha de resolver um problema de metragem do imóvel numa subprefeitura paulistana e mandou lá uma pessoa capacitada. Exigiram uma procuração, a pessoa disse que ia buscar, e antes que ela chegasse ao interessado alguém da subprefeitura telefonou para ele se oferecendo para resolver o problema, sem complicação: “Fica baratinho”.

Li, em edição recente de VEJA, que são desviados do dinheiro da nação, anualmente, cerca de 85 bilhões de reais! Li mais: nas denúncias de corrupção no comitê executivo da Fifa, onde teria corrido propina para a escolha de futuras sedes da Copa, figura o brasileiro Ricardo Teixeira.

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A gente tende a considerar a corrupção coisa dos políticos, mas é meia verdade. Se a atribuíssemos aos ocupantes de cargos públicos como um todo, estaríamos mais perto da verdade. A variedade de casos e setores e volumes nos informa que a praga tomou conta da lavoura, pode atingir qualquer pessoa que tenha nas mãos a decisão, o controle ou o encaminhamento de alguma coisa. Acontece que a miudeza, a propina do guarda, a mordida do fiscal não aparecem nas cifras, como não aparece a parte de quem paga para levar vantagens ilícitas.

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Converso com um amigo historiador e ele ri de mim: — Essa lama faz parte do barro humano. Não se iluda, meu amigo. Até os deuses aceitam propinas. Que são as oferendas e os sacrifícios senão propinas, trocas de favores? A “Bíblia” está cheia de relatos de suborno. No Império Romano, desde os coletores de impostos até os césares, suborno era coisa comum. No Vaticano dos Bórgias, quanta bandalheira da pesada! Na Inglaterra da rainha Elisabete I, os funcionários tinham dois rendimentos: as fees, ou seja, o pagamento, e o por fora, as gratuities, propinas. E isso não era escondido nem proibido. Entre a rainha e os grandes prestadores de serviços havia intermediários poderosos, facções de nobres da corte, e os pedidos eram atendidos a peso de ouro.

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Como diz Shakespeare no “Timão de Atenas”, ele que viu aquilo tudo, “cada degrau da fortuna é aplainado por quem vem abaixo”. Na França da Revolução, quantos nobres escaparam da guilhotina pelo suborno dos “incorruptíveis”, entre aspas? No Brasil, mesmo antes da chegada da corte do príncipe dom João, a propina era costume. Era legal, como tudo que a Coroa autorizava. Havia a figura do rendeiro, uma espécie de banqueiro que arrematava em hasta pública o direito de arrecadar os impostos, por três anos, ao fim dos quais tinha de recolher à Coroa a renda prevista. Aí ele entrava pelo cano, porque da parte dele saíam as propinas para os conselheiros, deputados da Real Fazenda, governadores, ouvidores… Era o mensalão legal.

Oliveira Lima, meu mestre historiador, diz que o período de dom João VI foi dos mais corruptos do país. Será que foi mais corrupto do que o do seu filho, dom Pedro I, cuja amante, a marquesa de Santos, vendia “soluções” e títulos de nobreza mancomunada com o imperador? Meu querido mestre não viveu para ver o período ditatorial de Getúlio, de empreguismo, nepotismo, suborno, comissões por fora, propinas, tudo que acontece nas ditaduras, militares inclusive. Alguns países, como a Inglaterra, conseguiram moralizar a administração nesses 400 anos. Nós, não. Proporcionalmente, crescemos em população, PIB e número de corruptos. Éramos 41 milhões de habitantes em 1940, hoje somos 191 milhões. Os 40.000 corruptos tornaram-se 190.000. É o espetáculo do crescimento, meu amigo.

— Céus! — é só o que consigo dizer.

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