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OLÁ,

Cantina Capuano é o restaurante mais antigo da cidade

O proprietário Angelo Luisi, de 91 anos, circula pelo salão tocando clarinete e bandolim nas noites de sábado

Por Sophia Braun
Atualizado em 14 Maio 2024, 11h35 - Publicado em 21 out 2011, 23h50
Francisco Capuano e família - 2240
Francisco Capuano e família - 2240 (Arquivo pessoal/)
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Nas noites de sábado, quem vê Angelo Luisi tocando clarinete ou bandolim no salão do Capuano certamente não acredita que esse senhor italiano completou 91 anos. Cheio de vigor, o proprietário da mais antiga cantina da cidade em funcionamento contínuo parece ter fôlego de gato. Circula com certa desenvoltura entre as mesas e consegue extrair notas melodiosas dos instrumentos de sopro e cordas em antigos hits italianos como “Nel Blu Dipinto di Blu”, popularmente conhecido como “Volare”. Seu Angelo, como é chamado, tem apenas treze anos menos que o centenário restaurante adquirido por ele em 1961, no Bixiga. O Capuano só perde em idade para o Carlino, cujas atividades foram interrompidas entre 2002 e 2005.

+ Carlino: filial de cantina centenária em Perdizes

“Comprei do Francisco Capuano, o fundador, que como todo calabrês era um sujeito cabeça-dura”, diz com sotaque carregado. Luisi refere-se ao fato de o proprietário anterior trabalhar apenas no jantar e servir um cardápio fechado. Os clientes não podiam escolher o que iriam comer. Em sequência, chegavam à mesa antepasto, fusilli ao sugo, arroz com camarão, cabrito à caçadora, salada de alface-romana e frutas para a sobremesa. Logo depois da compra, o novo dono tratou de ampliar o horário de funcionamento e estender os itens do menu, hoje com quinze sugestões de massa na companhia de onze tipos de molho. Também incluiu braciolas e polpettas. Esse talvez seja o motivo da longevidade do restaurante, que enfrenta a concorrência de outras vinte cantinas no bairro, nos cálculos de Walter Taverna, presidente da Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista (Sodepro).

No dia a dia, o Capuano é tocado pelas filhas de Luisi, Elisabetta e Teresa, auxiliadas pelos maridos, Cosmo e Donato. O proprietário, que mora na parte superior do restaurante, já não participa diretamente da administração desde o fim dos anos 90. Nascido em Casalbuono, cidade da província de Salerno, no sul da Itália, ele desembarcou em São Paulo em 1949. Deixava para trás uma Itália ainda arrasada pelo efeito da II Guerra Mundial, na qual foi combatente, tendo sido capturado no norte da África. “A música foi minha salvação”, recorda-se. Luisi, que aprendeu a tocar de ouvido e é incapaz de ler uma partitura, recebeu tratamento especial pelo som de seu clarinete. “As canções traziam alegria e distraíam os oficiais.”

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Bem no dia da chegada à nova pátria, a mulher de Luisi, Angela, deu à luz a primeira filha do casal. Tanto a primogênita, Elisabetta, quanto a irmã mais nova nasceram em São Paulo. Para sustentar a família, Luisi conseguiu emprego como projecionista (ofício aprendido na cidade natal, onde o pai era dono de um cinema) no extinto Cine Opera, na Rua Dom José de Barros, no centro. Não durou muito na função. Em busca de maior independência financeira, tornou-se vendedor ambulante. Conseguiu reunir uma pequena poupança e, junto de um sócio, deu entrada no Capuano. O antigo dono estava de mudança para a Itália e precisava se desfazer da cantina. “Paguei parcelado a perder de vista. Tenho de reconhecer que minha mulher insistiu muito para eu fazer o negócio”, diz.

Fusilli ao sugo, do Capuano - 2240
Fusilli ao sugo, do Capuano – 2240 ()

Era dona Angela, morta em 2005, quem tomava conta do fogão. Luisi, que fala dela com muita ternura, encarregava-se das compras no Mercado Municipal. Ela passou a fazer massas recheadas, como ravióli, capelete e canelone, além de lasanha e nhoque. Nenhuma delas, porém, conseguiu superar o fusilli ao sugo, que segue até hoje a receita do fundador. Trabalhosos e artesanais, os fios de macarrão têm de ser enrolados um a um numa vareta metálica e são preparados com farinha de trigo nacional. Em fogo lento, o molho de tomate cozinha por cinco horas. “Colocamos a panela no fogão duas vezes por semana, às 6h30, e ela permanece ali até 11h30, horário em que o restaurante começa a servir o almoço”, conta Elisabetta. O truque é cozer as braciolas junto no molho para que ele absorva todo o sabor da carne. Para dar conta dos pedidos de massa, são necessárias quatro ou cinco caixas de tomate por semana.

Baú de lembranças - Capuano - 2240
Baú de lembranças – Capuano – 2240 ()
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Além de aparecerem nas velhas fotos que decoram as paredes do salão, as memórias de Luisi estão guardadas num baú que foi trazido da Itália, quando ele migrou para cá. Nessa peça, acomodada num canto do escritório do Capuano, ficam correspondências trocadas em épocas distantes e fotografias de diversas fases da vida do proprietário do restaurante. Ela é grande o suficiente inclusive para abrigar o clarinete e o bandolim. Sem se prender ao passado, Luisi brinca dizendo que faz aniversário a cada quatro anos. “Nasci no dia 29 de fevereiro de 1920. Espero chegar bem a 2012, que é um ano bissexto”, diz. Só assim ele poderá comemorar aquele que considera seu 23º aniversário.

 

AS VETERANAS

As casas mais longevas da capital e a atração dos seus menus

1881 — Carlino

Especialidade: pappardelle ao molho de tomate com coelho e cogumelo. 42 reais

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1938 — Gigetto

Especialidade: capelete à romanesca. 62 reais, para dois.

Restaurante Gigetto - 2240
Restaurante Gigetto – 2240 ()

1942 — Roperto

Especialidade: perna de cabrito com batata e brócolis. 120 reais, para três

1945 — Cantina 1020

Especialidade: agnellotti de ricota, nozes, parmesão e presunto ao molho rosé. 58,90 reais, para dois

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1949 — Jardim de Napoli

Especialidade: polpettone. 45 reais

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