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Rio Tietê: especialistas indicam o que deveria ser feito para salvá-lo

Só a atual tentativa de recuperação do principal rio paulistano custou 3 bilhões de reais. Mas os resultados ainda estão longe dos desejados

Por Daniel Salles
Atualizado em 5 dez 2016, 10h20 - Publicado em 23 nov 2009, 11h10

Para quem tem menos de 60 anos, o trecho do Tietê que corta a capital sempre foi sinônimo de águas escuras, poluídas e sem vida. Até a década de 40, no entanto, o principal rio da cidade era considerado a praia dos paulistanos. O carioca João Havelange, que muito antes de presidir a Fifa ganhou fama como nadador e jogador de polo, lembra-se dessa época com detalhes. ‘Podíamos beber a água do rio sem receio nenhum’, conta ele. Primeiro como atleta do Fluminense e depois defendendo o Clube Esperia, ele disputou a travessia de São Paulo a nado cinco vezes, de 1935 a 1943. Realizada entre as pontes das Bandeiras e da Vila Maria, a prova de 5,5 quilômetros atraía 6 000 competidores, em média. O futuro mandachuva do futebol internacional levou a melhor em três edições. Mas, depois de disputar a última, Havelange amanheceu com febre alta. Diagnóstico: tifo negro, uma grave doença da qual só se livrou após passar quatro meses acamado. Sobre o rio no qual contraiu a moléstia que quase lhe tirou a vida, Havelange diz, aos 93 anos: ‘Eu me lembro até hoje da emoção que senti ao nadar em suas águas. Meu grande sonho é chegar aos 100 anos para assistir aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016. Também gostaria de estar vivo para ver o Tietê limpo novamente’.

A despoluição de um dos mais maltratados cartões-postais de São Paulo – que nasce em Salesópolis, a 110 quilômetros da capital, e corre para o Rio Paraná, na divisa com Mato Grosso do Sul – é um sonho antigo. Foi prometida por diversos governos. Criado pelos militares na década de 70, o plano de saneamento para a Grande São Paulo (Sanegran) previa a coleta e o tratamento de todos os dejetos que eram lançados em suas águas. Nos anos 80, a convite do prefeito Jânio Quadros, o arquiteto Oscar Niemeyer elaborou um projeto que incluía, além da faxina do Tietê, a criação de um parque de 18 quilômetros quadrados ao longo de uma das margens, entre a Lapa e o Tatuapé – a pista no sentido Ayrton Senna seria reconstruída a 1,5 quilômetro do rio. Em 2003, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha anunciou outra proposta para mudar a cara do Tietê: a construção de diversas passarelas, raias para esportes aquáticos e píeres para transporte fluvial.

Elaborada pela Sabesp, a atual estratégia de limpeza do Tietê, que já afundou 3 bilhões de reais em suas águas fétidas, começou em 1992, graças a um abaixoassinado de 1,2 milhão de pessoas capitaneado pela Rádio Eldorado e pela ONG SOS Mata Atlântica. Orçada em 2 bilhões de reais, a terceira e atual fase do plano está prometida para terminar em 2015. Consiste em ampliar o tratamento do esgoto na região metropolitana. Explica-se: toda a sujeira que é lançada nos córregos e rios da cidade e de municípios vizinhos vai parar em algum momento no Tietê. É por isso que a proposta da Sabesp vai diminuir o estrago de outros rios da região, como o sujo Pinheiros, que também deságua em nosso maior rio.

Fazer com que o Tietê deixe de ser um esgoto a céu aberto não é tarefa fácil. Por ainda estar próximo da nascente, o trecho que corta a capital não corre com a mesma força, por exemplo, do Tâmisa, em Londres, o que dificulta a dispersão de poluentes. A ressurreição do Tâmisa, aliás, que já teve a morte decretada e hoje abriga 120 espécies de peixe, começou a tomar corpo nos anos 60. Levou duas décadas para ser concluída e custou mais de 1 bilhão de dólares. Ampliar a rede de tratamento de esgoto foi uma das estratégias adotadas. A seguir, especialistas ouvidos por VEJA SÃO PAULO apontam os desafios que precisam ser vencidos para que o Tietê – ainda que nunca se transforme no rio de águas cristalinas do início do século XX – deixe de ser uma vergonha. Somadas, as propostas custariam mais de 11 bilhões de reais aos cofres públicos.

1o Desafio: acabar com o mau cheiro

Tratar todo o esgoto lançado em um rio é a primeira e mais importante etapa para torná-lo cristalinonovamente. Nesse sentido, os resultados alcançados pelo projeto de limpeza do Tietê foram enormes. No começo dos anos 90, 63% dos dejetos da me trópole eram recolhidos, mas apenas 20% desse total passava por algum tratamento. Hoje, o índice de coleta de esgoto na Grande São Paulo subiu para 84% e o do tratamento, para 70%. Mesmo assim, o nível de oxigênio do Tietê na capital é próximo de zero (um rio saudável como o Sena, em Paris, que hoje abriga mais de trinta espécies de peixe, precisa ter pelo menos 8 miligramas de oxigênio por litro). O vilão é a total falta de tratamento do esgoto produzido por Guarulhos e cidades do Grande ABC. Elas ainda não se conectaram às estações de tratamento construídas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) por razões financeiras – assim que as prefeituras começarem a usar o sistema, terão de pagar por isso. ‘De nada adiantará tratar todo o esgoto da capital se os demais municípios da região não fizerem o mesmo’, explica Carlos Eduardo Carrela, superintendente de gestão de projetos especiais da Sabesp. Apesar disso, Carrela acredita que a conclusão da terceira etapa do projeto de despoluição, prevista para 2015, vai resolver ao menos o problema do mau cheiro das águas. ‘Nossa meta é coletar 87% do esgoto da região metropolitana e tratar 84% disso’, diz ele. ‘Será o suficiente para melhorar o odor do rio na cidade.’

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Viabilidade: alta (especialistas afirmam que a atual fase do Projeto Tietê deve ser concluídano prazo).

Tempo mínimo necessário: 6 anos.

Custo: 2 bilhões de reais (valor estimado para a conclusão da terceira fase do Projeto Tietê).

2o Desafio: evitar novos transbordamentos

Concluída em 2006, a ampliação da calha do Tietê diminuiu o risco de enchentes ao longo das marginais. Para aprofundar o leito do rio em 2,5 metros – antes havia trechos com apenas 50 centímetros -, foram retirados 7 milhões de metros cúbicos de pedra, lama e sujeira. ‘Cenas de motorista abandonando o carro para não ser tragado pelas águas ficaram no passado’, diz o engenheiro hidráulico Aluísio Pardo Canholi. ‘Mas o Tietê ainda é incapaz de dar vazão a temporais muito fortes e pode transbordar em alguns pontos.’ Foi o que ocorreu numa terça-feira no começo de setembro, quando caíram na cidade, entre 8 e 17 horas, 70 milímetros de água, volume altíssimo para essa época do ano. A construção de piscinões, principalmente nas regiões do Tamanduateí e do Aricanduva, é tida como a principal solução para o problema. Mas apenas 43 dos 100 reservatórios previstos no Plano Diretor de Macrodrenagem da Região Metropolitana estão prontos. Para evitar novas enchentes, o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) gasta por ano 30 milhões de reais para retirar 400 000 metros cúbicos de lixo do rio – 35% dessa sujeira é atribuída ao lamentável hábito de jogar lixo na rua. ‘Se a população não se conscientizar de seu papel na poluição dos rios, o problema das enchentes nunca terá fim’, afirma Ubirajara Tannuri Felix, superintendente do Daee.

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Viabilidade: baixa (a construção de novos piscinões na Grande São Paulo anda a passos lentos).

Tempo mínimo necessário: 11 anos.

Custo: 1,1 bilhão de reais (valor estimado para a construção).

3o Desafio: acabar com a ocupação irregular das encostas

Todos os dias, o Tietê recebe mais de 700 toneladas de esgoto, in natura, da capital e de municípios próximos, o suficiente para encher uma piscina olímpica. A falta de saneamento é a principal causa da aparência feia e escura dos rios que cortam a capital: 30% do que passa pelas tubulações da Sabesp volta para os rios sem tratamento algum e 16% do esgoto da região metropolitana ainda não é sequer coletado. A ampliação da rede coletora de esgoto depende, em grande medida, da retirada de favelas da beira de rios e córregos. Outro problema que precisa ser enfrentado é a ocupação irregular de áreas de mananciais – cerca de 2 milhões de pessoas vivem nessas regiões na Grande São Paulo. ‘É dificílimo coletar o esgoto dessas áreas sem desapropriar parte dos moradores’, explica Carlos Eduardo Carrela, da Sabesp. ‘Enquanto isso não é feito, o destino final de toda a sujeira continuam sendo o Tietê e o Pinheiros.’ A segunda fase da despoluição do Tietê reduziu o esgoto jogado na Represa Billings, o maior reservatório hídrico de São Paulo, ao redor do qual 700.000 pessoas vivem à margem da lei. ‘Foi uma conquista importante’, comemora Carrela. ‘Mas terá sido em vão se a prefeitura não impedir o surgimento de novas ocupações

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irregulares.’

Viabilidade: baixa (além do investimento financeiro, a retirada de casas da beira dos rios tem um custo político com que poucos governantes estão dispostos a arcar).

Tempo mínimo necessário: 5 anos.

Custo: 1,7 bilhão de reais (valor estimado para a recuperação das várzeas do Tietê).

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4o Desafio: impedir o lançamento de produtos químicos

Um dos responsáveis pelo atual estado de nossos rios é o esgoto industrial. Em 1992, a Cetesb calculou que 1 250 empresas despejavam no Tietê 5 toneladas de resíduos químicos todos os dias. Hoje, o volume de lixo industrial lançado nas águas diminuiu para 307 quilos diários e o número de fábricas que funcionam às margens do rio baixou para 594. ‘Essas empresas são rotineiramente fiscalizadas para evitar novas contaminações’, explica Richard Hiroshi, engenheiro da Cetesb especializado em controle de poluição ambiental. ‘Mas lu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica. ‘Mas, enquanto o problema do mau cheiro não for vencido, nenhuma empresa vai querer investir nesse tipo de transporte.’ Fora da capital, o Tietê – que tem 1 100 quilômetros de extensão, 800 dos quais navegáveis – é utilizado todos os anos para transportar 5 milhões de toneladas de carga. Pouco. Pelo Rio Reno, um dos maiores da Europa e também com 800 quilômetros navegáveis, são transportados cerca de 200 milhões de toneladas de carga por ano. Para aumentar o transporte fluvial em São Paulo, Bussinger estuda a criação de um hidroanel de 186 quilômetros interligando o Tietê a outros canais próximos. ‘Isso facilitaria muito o escoamento de mercadorias produzidas na cidade.’

Viabilidade: baixíssima (só dá para pensar em navegabilidade se todas as outras propostas forem colocadas em prática).

Tempo mínimo necessário: sem previsão.

Custo: 2 bilhões de reais (orçamento previsto para a criação do hidroanel).

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