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Roger Mancha, técnico do skate em Tóquio, tem três rins e é dono de restaurante nos Jardins

Treinador de equipe que trouxe duas pratas da Olimpíada, ele recebeu órgão da esposa, a chef Camila Borba, depois de diagnóstico de doença autoimune

Por Guilherme Queiroz
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h49 - Publicado em 6 ago 2021, 06h00
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  • O homem dos três rins, que brincava com bonecos G.I Joe na infância e começou a andar de skate aos 10 anos, na frente do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, e foi criado na Vila Sônia. Rogerio Soares Manosa, o Roger Mancha, 45, tem 1,90 metro e divide o tempo entre a seleção brasileira de skate street e o Carrito Organic, restaurante nos Jardins cuja chef é a esposa (e doadora de um dos rins), Camila Borba, 43, com quem é casado há quinze anos.

    Homem posa com um pé apoiado em um skate, sentado em uma mesa. Ele está com uniforme do Brasil
    Roger Mancha: “Não tenho uma cura. Enquanto durar o transplante, vou vivendo a minha vida” (Rogério Pallata/Veja SP)

    Enérgico, ex-aluno do Colégio Miguel de Cervantes e um estudioso da história do skate, Mancha é o técnico da modalidade que trouxe duas pratas para o Brasil na Olimpíada de Tóquio. Atleta de prestígio nos anos 1990 e 2000, em 2011 competiu pela última vez profissionalmente, quando começou a sentir que algo estranho tomava conta do seu corpo: uma doença autoimune. Mancha, que mora na Vila Mariana, foi diagnosticado em novembro de 2012 com glomeruloesclerose segmentar focal, sem cura.

    “Existia a possibilidade de os meus rins terem falência em um ano”, lembra. Até então, Roger equilibrava a vida entre trabalhos na área de marketing de marcas de skate e participava de campeonatos como juiz. Em 2016, durante o lançamento de um tênis em Porto Alegre, recebeu a ligação pouco desejada. “O médico me falou para procurar um hospital rápido por causa do resultado de alguns exames. Cheguei lá com skate, mochila e falei: ‘Preciso ser internado!’. Ninguém entendeu”, lembra.

    Imagem mostra Camila, com lenço no cabelo e braços cruzados, diante do saguão do restaurante Carrito
    A chef Camila Borba, do Carrito: “eu cuido de 80% do restaurante” (Rogério Pallatta/Veja SP)

    No quarto, o que passava na TV era a Olimpíada do Rio. “Na época existia o rumor do skate nas Olimpíadas. Pensei: “Vou melhorar, fazer um transplante e ir para Tóquio”. Ele e a esposa descobriram que compartilhavam do mesmo tipo sanguíneo, A+. E foi depois da internação em Porto Alegre que a bateria de exames, para a certeza de que Camila Borba poderia ser a doadora, começou. A operação ocorreu em 10 de outubro de 2016.

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    “Não via como uma oportunidade apenas para o Rogerio, mas para quebrar barreiras da minha vida também”, diz Camila. Roger tem três rins, o da cônjuge foi colocado pouco acima de sua virilha e é o único que funciona. Foi nessa mesma época que o casal mudou a alimentação. É por essa razão que o Carrito é um restaurante sem ingredientes de origem animal. O empreendimento começou como um carrinho de burritos que operava em eventos da capital em 2017, quando o casal largou suas antigas ocupações para investir na gastronomia.

    Uma mulher com roupas de cozinheira está em frente a uma bancada com comidas para picar. Um homem com roupas do Brasil está atrás dela. Os dois sorriem
    Camila e Roger na cozinha do Carrito: “Comíamos carne até antes da doença do Rogerio”, diz ela (Rogério Pallata/Veja SP)

    Camila trabalhava na publicidade, com marcas de luxo, e Roger seguia no marketing do skate. O negócio chegou a ter um quiosque no Shopping Morumbi Town. “Era um ambiente de comida rápida, decidimos abrir um restaurante”, diz Mancha. Inaugurado em julho de 2019 nos Jardins e avaliado com três estrelas no VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER 2020, tem Camila como chef. “Eu cuido de 80% do restaurante, o Roger administra a parte financeira e o marketing”, explica ela.

    E quando a seleção brasileira entrou na história? A inauguração do Carrito foi marcada para maio, mas atrasou em decorrência do convite que Mancha recebeu de Bob Burnquist, então presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSK). “Ele me liga e diz: ‘A gente está montando uma seleção e nós precisamos de um técnico, eu acho que você é o cara certo’. Adiamos o lançamento do nosso sonho porque precisei viajar para uma competição.”

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    E Tóquio? A primeira medalha do Brasil foi com a prata no skate street de Kelvin Hoefler. Um dia depois, Rayssa Leal, de 13 anos, faturou a mesma colocação. Como técnico, Roger seleciona pistas e planeja o treinamento da equipe (que era composta também por Leticia Bufoni, Pâmela Rosa, Felipe Gustavo e Giovanni Vianna), estuda a execução e a melhor sequência de manobras a ser adotada.

    “Na segunda volta da Rayssa o DJ colocou para tocar Charlie Brown Jr., foi surreal”, lembra. “Estar junto com a Rayssa, a alegria dela, a espontaneidade. Aprendi muito, escutei funk, gírias novas. Ela é uma gigante, nunca vi ninguém andar igual.” Mancha também tem apreço por Kelvin. “Ele andou espetacularmente bem.”

    Imagem mostra Roger e Camila diante de bancada no restaurante. Ele aparece sentado em banquinho e ela, atrás da bancada, apoia os cotovelos no móvel. Ao fundo, lê-se o nome do estabelecimento: 'Carrito'
    Roger Mancha e Camila Borba no Carrito: casados há 15 anos (Rogério Pallatta/Veja SP)

    Durante os Jogos, Leticia Bufoni postou nas redes sociais uma declaração sobre Kelvin, afirmando que ele “nunca está com a gente nos ‘rolês’, nunca faz parte das nossas atividades por uma opção dele”. Sobre o suposto distanciamento de Kelvin do restante da equipe, Mancha diz que “é uma situação muito delicada para entrar a fundo, mas a gente sempre foi uma comissão com todos. Se você olhar no meu Instagram, está lá, Kelvin, Pâmela, o meu obrigado. Em alguns momentos, você não vai tão a fundo (com o atleta) e depois fala pela noite ‘você poderia ter feito assim, assim e assim’”.

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    A Vila Olímpica foi uma diversão para os brasileiros. “A gente andou em tudo. Tem vários banquinhos, corrimãos, escadas. Não sei se na próxima Olimpíada vão proibir skate dentro da vila”, ri. Voltando para a condição autoimune, que não tem cura, diz sereno: “Existe 60% de risco da doença que eu tenho atacar de novo o rim. Paris está logo aí, e eu vou estar lá. Eu acredito na minha longevidade”, finaliza Mancha, que ainda anda de skate, com uma dose de cautela extra, em endereços como o entorno do Museu do Ipiranga, e planeja conhecer o novo Vale do Anhangabaú em breve.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750

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