Vaga-lume, tatu-bolinha e caramujo eram meus animais de estimação, quando eu mal sabia juntar A com B. Não havia petshop para esses bichos. Aliás, na São Paulo dos anos 60 e 70 não havia pet shop, ponto. Veterinários, só em caso de extrema urgência. Cachorro não tinha diabetes nem gato sofria de pressão alta. Como bichos convencionais, eles se viravam por conta; a molecada colecionava vaga-lumes em pote de vidro e tentava inventar uma lanterna movida a insetos do tipo.
Onde foram parar esses bichos? Não faço ideia. Pela cidade, nunca mais os vi. Cheguei a encontrar caramujos em Lisboa, criados em viveiros nas portas dos bares. Atirados em água fervente, servem de tira-gosto lusitano, acompanhando uma cervejinha gelada. Declinei da oportunidade. Que me perdoem os críticos gastronômicos, mas tenho meus limites à mesa.
Animais da infância nem sempre passam pelo mundo real. Lembro de um elefantinho vermelho, de borracha, que me acompanhou do berço até pouco antes da primeira sala de aula. Acabou pagão, coitado. Nem meu irmão nem eu pensamos em um nome para batizá-lo. Hoje, eu arriscaria um Peteleco ou, em honra ao vermelhão de sua pele, Tomate.
Também havia lagartixas na minha infância, que se moviam pelas paredes e tetos à procura de comida. Nunca cedi ao sadismo de acertar vassouradas nas coitadas só para vê-las “perder” a cauda, que ficava pulando feito coisa viva. Bruxaria? Ciência? A criançada dispensava explicações, bastava a magia.
Na adolescência, descobri que lagartixas poderiam ser personagens de romance, com direito a nome e tudo: Zefineta B era a companheira do solitário protagonista de As Confissões de Frei Abóbora, de José Mauro de Vasconcelos — autor que foi moda quando eu arranhava as primeiras redações escolares. É dele o clássico Meu Pé de Laranja-Lima, chororô transformado algumas vezes em telenovela, sempre com sucesso. Adulto, reencontrei a lagartixa no romance O Vendedor de Passados, do angolano José Eduardo Agualusa. Mas, naquele país africano, lagartixa se chama osga. Não parece a mesma coisa.
Só não houve jeito de me entender com os sapos da minha meninice. Enquanto eles se chamavam girinos, o.k. Para a gurizada do bairro, eram peixinhos. Na aula de ciências, girinos vivos faziam mais sucesso que broto de feijão cultivado no potinho de iogurte. Assim que criavam pernas e aprendiam a pular de um lado para o outro, perdiam a graça. Para mim, pelo menos.
Nos anos 60, nenhuma criança de bairro estranhava passarinho preso em gaiola. Hoje em dia, elas me dão até falta de ar, mas o menino que eu fui se divertia limpando as gaiolas, pondo água fresca e alpiste no cocho e partindo jiló em pedaços, porque se dizia que passarinho adorava o fruto. Vem daí minha relação conturbada com pratos à base de jiló.
Outro bicho que saiu de moda foi o cachorro pequinês. Os olhinhos esbugalhados, pelos longos, focinho achatado e o latido ardido eram a paixão de todas as avós. Perderam espaço para poodles, bichons frisés e outros modelos caninos, de latido igualmente ardido. Para mim, pequineses, vaga-lumes e tatus-bolinha circulam em algum jardim onde se cultivam dálias e palmas. A quem não souber (ou não lembrar) dessas flores, recomendo uma pesquisa na internet.