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“Há perigo em muitos livros, até na Bíblia”, diz editor que publicará Hitler

Luiz Fernando Emediato, da Geração Editorial, comenta a polêmica sobre o relançamento da obra 'Minha Luta', ícone nazista

Por Nataly Costa
Atualizado em 1 jun 2017, 16h19 - Publicado em 19 fev 2016, 19h46
Luiz Fernando Emediato - Geração Editorial - Livro Minha Luta - Hitler
Luiz Fernando Emediato - Geração Editorial - Livro Minha Luta - Hitler (Rodrigo Dionisio/)
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Após setenta anos sob os cuidados do Estado da Baviera, na Alemanha, a autobiografia do ditador nazista Adolf Hitler, Minha Luta, caiu em domínio público no primeiro dia de 2016. Três editoras, todas de São Paulo, se interessaram em publicar a obra, o que gerou um amplo debate. Afinal, o livro tem valor histórico e deve estar disponível nas livrarias ou é um texto de pura incitação ao ódio, capaz de influenciar negativamente e disseminar ideias criminosas?

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A Edipro, com sede na Bela Vista, abandonou a ideia logo após anunciá-la. “Muitos leitores ligaram afirmando que a publicação poderia ser irresponsável. Ficamos preocupados”, disse a coordenadora administrativa Maira Micales. A Centauro já tinha o texto pronto – entre 2001 e 2006, imprimiu uma edição não autorizada pelo governo alemão, que solicitou o recolhimento dos livros. Expirados os direitos autorais, a editora mandou rodar mais 5 000 cópias, mas foi proibida pela Justiça carioca de vender naquele estado. Em São Paulo, é possível encontrar sua edição na livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista.

Quem mais encampou a briga pelo direito de publicar o volume, porém, foi a Geração Editorial, na Lapa, Zona Oeste. O dono, Luiz Fernando Emediato, preparou uma edição crítica (a exemplo do que foi feito na Alemanha), com 400 páginas de comentários de historiadores, apêndices, contestações e notas de tradução. 

A tiragem inicial é de 5 000 exemplares e as vendas começam em março. Confira a entrevista com o editor:

Quando a Geração Editorial começou a cogitar a publicação de Minha Luta?

Há uns quinze anos, quando li um artigo do professor da USP Nelson Jahar Garcia, morto em 2002, no qual ele afirmava que “Minha Luta (Mein Kampf) foi a melhor obra já escrita contra o nazismo”. Ele mesmo colocou uma tradução do livro para consulta pública no site da Unicamp. Está lá ainda hoje. Lembro que a obra não está proibida em Israel e que no Brasil vários líderes judeus já se manifestaram a favor da publicação de uma edição crítica e comentada.

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Uma das críticas à edição é sobre a capa, que trará uma imagem de Hitler. Essa capa se mantém? Se sim, por que a editora achou importante colocar a foto do ditador na capa?

Essas críticas foram sobre um layout de capa que vazou. Essa capa não será usada (a nova versão, no entanto, também traz a figura do ditador). Mas a crítica é absurda: desde a derrota de Hitler, quase todos os filmes, livros e peças sobre a II Guerra e o nazismo usam imagens do ditador e os símbolos do movimento. A imagem de Hitler é tão icônica quanto as de Jesus Cristo, Stalin, Trotsky, Lenin, Mao Tse Tung, Che Guevara e o Carlitos, de Chaplin.

Qual sua opinião sobre o posicionamento de livrarias como Saraiva e Cultura (as lojas afirmaram que não venderão o livro)?

Creio que mudarão de ideia quando conhecerem nossa edição. Mas se não mudarem de ideia não tem problema, é um direito delas vender ou não.

Livro Minha Luta - Hitler - Martins Fontes
Livro Minha Luta – Hitler – Martins Fontes ()

Como será a edição crítica e comentada? Além dos textos de introdução, cada página terá notas de rodapé, os comentários serão por capítulo?

As notas, comentários, apêndices (há comentários que ocupam várias páginas) não estarão nos rodapés, mas entremeando o texto de Hitler, corrigindo erros históricos e mentiras, comentando e contestando ideias equivocadas e contextualizando e atualizando fatos, como por exemplo o Holocausto. São 278 comentários de dez historiadores norte-americanos para uma edição já fora do mercado, de 1939, além de 48 notas de um historiador brasileiro que atualizou e contextualizou essas notas antigas, mais 28 notas do tradutor, totalizando 354 notas, que ocuparam mais de 400 páginas.

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Quem é contra a publicação do livro sustenta que a obra é medíocre como literatura e somente dissemina ideias de ódio contra minorias (judeus, negros, gays, deficientes). O que você acha?

O livro de Hitler não é elegante, nem pode ser considerado literatura. É um panfleto de propaganda política e racista raivosa, ressentida, violenta e equivocada, mas é um livro histórico que não pode ser ignorado, pela tragédia que causou. Hitler registrou neste livro todo o seu ódio, disse que faria o que estava ali escrito e fez, com apoio das elites alemãs que temiam o comunismo e depois de todo o povo, que se considerava humilhado e passou a ver nele quase um deus. A obra de um homem assim merece ser conhecida. Crime pela lei brasileira é fazer propaganda do racismo, da violência e do ódio. Nossa edição faz o contrário: critica as ideias de Hitler, alerta para o perigo delas e contesta uma por uma. Trata-se de uma edição antinazista, antiracista e antiviolência.

Outra crítica é que, como documento histórico, o livro não é imprescindível – temos amplo material sobre Hitler e o nazismo sem precisar recorrer ao “diário” do ditador. O que você acha?

Não há livros prescindíveis e imprescindíveis. Há livros que, pelo bem ou pelo mal que causam, precisam ser lidos. Quem defende tal ideia é autoritário como Hitler e a ele se iguala. Existem perigos em muitos livros, até na Bíblia – que autoriza sacrificar filhos e apedrejar adúlteras – e no Alcorão – que manda decapitar infiéis. Prega-se violência armada nos livros de Che Guevara. E contra a propriedade privada na literatura marxista. Nem por isso esses livros devem ser proibidos.

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Também diz-se que Mein Kampf poderia figurar em prateleiras de bibliotecas, mas não de livrarias. Qual sua opinião sobre isso?

Visão elitista e autoritária de quem considera o leitor um idiota cujo acesso à leitura deve ser controlado.

A editora está enfrentando batalhas judiciais aqui em São Paulo contra a publicação do livro?

Nenhuma. Existe uma decisão preliminar da Justiça do Rio, que proíbe a venda apenas lá, mas essa decisão deve cair, porque é inconstitucional.

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Você acha que a polêmica aguça a curiosidade em relação ao livro?

Nossa intenção é fazer uma edição de apenas 5 000 exemplares, mas se com uma repercussão imprevista os leitores pedirem mais, reimprimiremos.

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