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O centro dos haitianos

A concentração de pessoas do país caribenho na região do Glicério aumenta ainda mais com a chegada de uma nova leva de imigrantes

Por Adriana Farias e Gabriela Boccaccio
Atualizado em 1 jun 2017, 16h51 - Publicado em 22 Maio 2015, 23h00
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Haiti (Fernando Moraes/)
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Um grupo de cerca de quarenta haitianos, entre recém-chegados e outros que estão na cidade há pelo menos três meses, aglomerava-se na porta da Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Glicério, na última quarta (20). O motivo da concentração era um casting da Record para escolher 32 pessoas para atuar como figurantes de Escrava Mãe, novela de época que tem previsão para entrar no ar no segundo semestre, com texto inspirado no clássico A Escrava Isaura. Os selecionados ganhariam uma diária de 80 reais para participar de uma gravação em um navio negreiro agendada para o dia seguinte em um estúdio da Vila Mariana. “Vi que era trabalho e entrei correndo na fila. Nem sei do que se trata, para mim qualquer emprego está bom”, explicava Junior Vestal, de 36 anos, que está na capital há dezessete dias. Ele veio para cá depois que o frigorífico onde trabalhava, em Mato Grosso, fechou as portas. “Vim em busca de outras oportunidades.”

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A população de conterrâneos de Vestal no bairro da região central de São Paulo aumentou na semana passada com a chegada de três ônibus do Acre. Entre domingo (17) e quarta (20), aproximadamente150 haitianos desembarcaram por lá em busca de ajuda na Missão Paz, entidade ligada à Igreja Católica que virou referência de apoio aos imigrantes na cidade. Por isso, a entidade se tornou um termômetro do fenômeno do crescimento dessa população na capital. Em 2010, registrou a vinda de 28 deles. Esse número elevou-se para 4 680 no ano passado.

O aumento verificado nos últimos anos coincide com a abertura das fronteiras nacionais aos haitianos após o terremoto que devastou o país caribenho em 2010. Eles entram irregulares no Brasil, mas na sequência recebem o visto humanitário concedido pela Polícia Federal. Com isso, podem tirar CPF e carteira de trabalho. Desde então, a cidade é um dos destinos preferidos dos caribenhos. A Missão Paz, com base na propaganda boca a boca entre os estrangeiros, transformou-se no polo de atração dessa turma para o Glicério. A vinda de mais gente ao local nos últimos dias provocou uma crise entre a prefeitura paulistana e o governo do Acre. O Ministério da Justiça teve de intervir, suspendendo a chegada de mais ônibus (outros 900 haitianos eram esperados na metrópole), por falta de condições para acomodar tanta gente.

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Os recém-chegados se juntaram aos outros sessenta estrangeiros que dormiamn um saguão improvisado da paróquia. Isso porque a Casa do Migrante, espaço ao lado que funciona com uma infraestrutura básica de acolhimento, estava com suas 110 vagas ocupadas. O cenário era dramático na terça (19), quando muitos completavam três dias sem tomar banho e 24 horas sem comer. Para piorar a situação, só havia setent amarmitas para servir no jantar. Um sopão foi providenciado de última hora para os forasteiros. Colchonetes, cobertorese malas se amontoavam entre aqueles que rezavam para encontrar emprego nos próximos dias e sair daquela situação. Ao menos vinte mulheres acabaram sendo acomodadas em um corredor do saguão da igreja. “A situação ficou bastante crítica”, afirma o padre Paolo Parise, coordenador da Missão Paz.

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A realidade pouco animadora encontrada no Glicério jogou um balde de água fria em gente como o ex-agricultor Vilcenor Rebeca, de 37 anos. “Disseram que havia muito emprego aqui, mas me decepcionei ao conversar com colegas que estão parados há meses”, conta. Deixando a mulher e os quatro filhos em seu país, ele desembolsou 4 000 dólares em uma viagem de quinze dias do Haiti atéo Acre via República Dominicana, Equador e Peru, a rota mais comum entre esse povo. Depois, encarou mais três dias de jornada de ônibus rumo à capital. “Passei até fome”, lembra.

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Embora os casos bem-sucedidos de adaptação representem uma exceção,continuam inspirando os novatos. A cabeleireira Abel Marthine, de 31 anos,veio logo após o terremoto. Trabalhando como babá e garçonete, economizou cerca de 5 000 reais para abrir, há um mês,um misto de salão e loja de produtos de beleza em um boxe dentro da Galeria Edi Modas, localizada em frente à paróquia. “Foi um sonho realizado”, comemora. Das dezoito lojas no mesmo endereço,seis pertencem a haitianos. “Em menos de dois anos eles transformaram acara do bairro”, diz Edivaldo Santana, proprietário do local.

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As três igrejas evangélicas do pedaço realizam cultos em crioulo, idioma predominante no Haiti, e na Nossa Senhora da Paz ocorrem festas tradicionais com apresentações musicais e gastronomia. Por enquanto, a convivência entre eles e os moradores e comerciantes do Glicério é pacífica. “São trabalhadores e aprendem rápido. Muitos têm ensino superior— vejo pelas dezenas de cópias de documentos que tiro”, diz Antonio Moliano, dono da Chaveiro e Papelaria Moliani e morador do local há mais de vinte anos.“Eles vêm atrás de vaga. Como não tenho no momento, indiquei alguns para fazerem serviços de pedreiro”, conta Manoel Severino, gerente da Lanchonete Paz.

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