Fim do Grand Hotel Ca’d’Oro
Com quase seis décadas de história, o primeiro hotel de luxo da cidade fecha as portas no próximo domingo (20)
Na manhã da última terça-feira, o silêncio que reinava no lobby do Grand Hotel Ca’d’Oro misturava um pouco de tristeza, muita reverência e uma clara sensação de missão cumprida. Ele gantes, com uniformes ainda impecáveis e a cordialidade que fez história no número 129 da Rua Augusta, seus funcionários perambulavam de cabeça erguida, apesar da feição séria, sem o habitual sorriso no rosto. O recepcionista Ricardo Noçais, 64 anos, o mais antigo empregado, assumia com serenidade o inevitável epílogo do primeiro cinco-estrelas da cidade. “Não há mais nada a fazer”, repetia ele, que começou sua carreira aos 22 anos como mensageiro, ainda quando o empreendimento ficava na Rua Basílio da Gama. “Só de pensar no fim, não sinto o chão”, afirmou. “Vou abrir uma sorveteria em Jarinu.”
Fundado em 1956, o Ca’d’Oro agendou seu check-out para o próximo domingo (20) — o famoso restaurante, que nasceu três anos antes, encerra as atividades na sexta-feira. Entre os poucos hóspedes que zanzavam sobre o piso de mogno estava o dono de uma faculdade, que se sentou para almoçar à mesma mesa de sempre, diante da Vendemmia, pintura do italiano Vincenzo Irolli. Do elevador saiu o pianista Arthur Moreira Lima. “Não consigo acreditar”, disse o músico carioca, que há décadas se hospeda na suíte 588. “Nenhum hotel no Brasil tem essa classe e essa tradição”, afirmou, enquanto apontava para o piano Erard fabricado na França em 1850 e para as obras de arte compradas por indicação do fundador do Masp, Pietro Maria Bardi.
Fernando Moraes
Restaurante do Hotel Ca’d’Oro já está vazio
Para José Ernesto Marino Neto, da consultoria BSH, especializada em hotelaria, o Ca’d’Oro sucumbiu à decadência do centro. “A hotelaria reflete a cidade”, explica Marino. “Com o surgimento de novos polos comerciais, a região deixou de requerer uma hospedagem de luxo.” Fabrizio Guzzoni, neto do fundador e atual gerente-geral, cita a chegada dos flats nos anos 90 como outro fator para a derrocada. Na semana passada, apenas noventa dos 270 quartos estavam abertos. Dos mais de 500 funcionários que trabalharam nos anos 80, menos de noventa seguiam empregados. A ocupação na terça-feira não chegava a 20%. No restaurante, onde reinou o bollito à pia montesa, apenas três pessoas almoçavam.
Fernando Moraes
Noçais, o funcionário mais antigo: “Vou abrir uma sorveteria em Jarinu”
A lista de hóspedes cé – lebres que passaram pelo Ca’d’Oro é longa. O presidente João Baptista Fi – gueiredo chegou a despachar de lá. José Sarney e Fernando Henrique Cardoso também pernoitaram nas espaçosas suítes. Di Cavalcanti pintou ali sua musa Marina Montini e tentou diversas vezes pagar a estadia com obras. O rei Juan Carlos, da Espanha, solicitou uma cama especial para seus quase 2 metros de altura. Além de usar seu próprio queijo ralado, o tenor Luciano Pavarotti exigiu uma balança capaz de suportar seu peso. Vinicius de Moraes varou madrugadas no bar. Na semana passada, além de Arthur Moreira Lima, o ministro Tarso Genro era esperado. Ao menos dois andares são ocupados por moradores fixos: um juiz, que pagaria 6 000 reais por mês, e a dona de uma grande rede de lojas, que vive ali há mais de duas décadas. As sucessivas tentativas de revitalizar o centro sempre foram um alento para os atuais donos. “Esperamos. Tentamos. Não deu”, resumiu Guzzoni. “Mas não estamos encarando esse momento como o fim. Vamos atrás de parceiros para viabilizar uma reforma e reabrir até a Copa de 2014.”