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Domingos Montagner: “O circo não é reconhecido como arte no Brasil”

Ator estreia novo espetáculo “Mistero Buffo”, em que satiriza mitos cristãos em clima de picadeiro

Por Bruno Machado
Atualizado em 5 dez 2016, 17h18 - Publicado em 21 mar 2012, 20h49

Há mais de 10 anos, o experiente Domingos Montagner divide sua carreira entre o circo e o teatro. O ator descobriu o picadeiro no final dos anos 80, quando estudava artes cênicas. Na televisão, o vencedor do Prêmio Shell por “A Noite dos Palhaços Mudos” (2009) se consagrou recentemente, por conta de suas participações na novela “Cordel Encantado” e na minissérie “O Brado Retumbante”.

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Montagner estreou na TV no canal pago GNT, na série “Mothern”, em 2008. Em seguida, fez “Força Tarefa”, na Rede Globo, em 2010, além do filme e da minissérie “Divã”, com Lília Cabral.

Hoje, o ator volta às suas raízes, no palco do Teatro do Sesi, com o espetáculo “Mistero Buffo”, na qual ele assina a cenografia e divide a cena com Fernando Paes e Fernando Sampaio — parceiro com quem criou, há 15 anos, a companhia La Minima.

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Mais do que uma compilação de versões populares e escrachadas para mitos bíblicos, a peça é um pretexto para Montagner voltar a encarnar o tipo que, desde seus tempos de estudante de teatro e artes circenses, o fascina: o palhaço.

O ator falou a VEJA SÃO PAULO sobre o espetáculo e sobre sua íntima relação com o circo.

VEJA SÃO PAULO — “Mistero Buffo” explora mitos cristãos. Como é o tratamento, no espetáculo, de um tema tão polêmico como religião?Domingos Montagner — Na verdade, usamos mistérios cristãos da tradição medieval do teatro, dos jograis. São versões bufas, populares, desses mistérios. Na época, o povo espalhava versões diferentes daquelas ensinadas pela Igreja. Nossa abordagem é respeitosa. A gente faz humor sem ofender, mas ao mesmo tempo, não nos preocupamos em sermos politicamente corretos. A linguagem é cômica, mas muito crítica. O espetáculo é respeitoso à fé, mas não às instituições, à Igreja e a distorções que ela faz da crença das pessoas. Nossa peça é um olhar amoroso à fé popular.

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VEJA SÃO PAULO — Você também assina a cenografia de “Mistero Buffo”. Como foi esse trabalho?
D
omingos Montagner — Já faz algum tempo que eu faço a cenografia dos nossos espetáculos. Acho que é um caminho natural. Eu já trabalhei com ilustração e com teatro de bonecos, mas longe de me considerar um artista plástico. Como nós criamos o espetáculo do zero, é difícil pedir para alguém de fora criar o cenário. É o próprio espetáculo que sugere a cenografia. Em “Mistero Buffo”, tentamos recriar a linguagem do jogral medieval, a linguagem do teatro de rua. A cenografia é bem simples, a plateia fica no palco. É muito parecido com o picadeiro do circo. É uma maneira de quebrar o formalismo do teatro


VEJA SÃO PAULO — A sua companhia, La Mínima, completa 15 anos de existência. Como você avalia esse período?
Domingos Montagner — Com muita felicidade. Acho que poucas companhias contam com um repertório tão rico quanto o nosso. O que me orgulha é que, 15 anos depois, nós mantivemos os mesmos princípios, que é de aproveitar a figura do palhaço para vários surportes dramáticos. Desde o princípio, nossa proposta era realizar espetáculos essencialmente circenses, e continuamos assim até hoje.

VEJA SÃO PAULO — Desde o começo, sempre foram você e o Fernando Sampaio na companhia. Como é o relacionamento da dupla?

Domingos Montagner — Eu conheci o Fernando quando comecei a estudar circo, e ele já era palhaço, era mais experiente. Aí resolvemos montar uma dupla, porque temos sintonia. Somos como irmãos, vamos do zero ao cem juntos. Sempre pensamos nossos espetáculos juntos, nos estimulamos. Apesar de sermos apenas nós dois, sempre convidamos alguém para trabalhar com a gente. É o caso do Fernando Paes, que, além de palhaço, faz a música de “Mistero Buffo”.

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VEJA SÃO PAULO — Você tem uma ligação muito forte com o circo, especialmente com a figura do palhaço, que você consagrou nos palcos. Qual é a diferença de ser palhaço no picadeiro e no teatro?

Domingos Montagner — Na verdade, eu nunca procurei ser palhaço. Isso aconteceu quando comecei a estudar técnicas circenses com o Roger Avanzi [intérprete do Palhaço Picolino]. Naquela época, o teatro brasileiro era muito psicológico, centrado na dramaturgia. Ignorava um pouco o papel do ator. Eu queria mudar isso e vi que o palhaço tinha muita presença física. O palhaço foi como uma ponte entre o picadeiro e o palco. Ele traz tônus para o teatro, ele mobiliza a plateia. Gosto de pensar nas possibilidades do palhaço em cena. É uma forma de comunicação nova, diferente do circo e do teatro.

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VEJA SÃO PAULO — No próximo dia 27, comemoramos o Dia Nacional do Circo. Você acha que temos o que comemorar?

Domingos Montagner — Sem dúvida, é fundamental comemorar, lembrar o circo. É uma arte artesenal que a sociedade tende a esquecer. É preciso explicar que o teatro só é o que é hoje por causa do circo. Não podemos nos ater somente àquilo que nos traz retorno financeiro.

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VEJA SÃO PAULO — Como é fazer circo no Brasil?

Domingos Montagner — Já rodei com circo pelo país e sofri muitos problemas. E, ao contrário do que muita gente pensa, o povo adora. As sessões estavam sempre lotadas, de segunda a segunda. Já existem editais que estimulam o teatro ambulante, mas ainda assim é muito difícil fazer circo neste país. Por ser um teatro ambulante, itinerante, isso complica tudo, torna muito mais caro. Manter um circo é tão caro quanto manter um cinema, mas ainda não há uma legislação específica para ele, como no caso do cinema ou do teatro. A verdade é que o circo ainda não foi absorvido pela sociedade nem pelo poder público, como essas outras expressões. O circo, infelizmente, não é reconhecido como arte no Brasil.

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