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Carnaval na Vila Madalena deixa rastro de brigas, bagunça e sujeira

Festa no feriado, com direito a confronto entre PMs e foliões, é o mais recente exemplo dos efeitos colaterais da fama do bairro de ser o ponto mais badalado da capital

Por VEJA SÃO PAULO
Atualizado em 1 jun 2017, 17h03 - Publicado em 20 fev 2015, 23h00
Carnaval Vila Madalena
Carnaval Vila Madalena (Avener Prado/)
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Do ponto de vista dos foliões que tomaram as ruas de São Paulo, o Carnaval 2015 foi inesquecível. Um número recorde de 300 blocos desfilou pela cidade, arrastando um público estimado em 1,5 milhão de pessoas. Parte considerável da festa se concentrou na Vila Madalena, por onde passaram quase quatro dezenas de cordões. Outros três estão programados para desfilar pelas vias do bairro neste fim de semana (dois no sábado e um no domingo). De acordo com a prefeitura, a festa na capital teve uma taxa de aprovação bastante satisfatória. Segundo pesquisa divulgada pelo governo municipal na última quarta (18), 40% das 1 000 pessoas ouvidas deixaram de viajar para curtir a farra por aqui e cerca de 90% aprovaram o trabalho de limpeza e o esquema de segurança do evento.

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bloco casa comigo carnaval
bloco casa comigo carnaval ()

Para os moradores e comerciantes da Vila Madalena, o Carnaval deste ano também entrará para a história, mas por motivos bem distintos. Alguns dias depois do feriado, muitas das ruas do pedaço viviam o clima de rescaldo de uma batalha, com cheiro de urina e lixo acumulado nas calçadas. Espantada com os acontecimentos dos últimos dias, a população local parecia competir para ver quem tinha a memória mais dramática da baderna que tomou conta do bairro e bateu recordes de desrespeito e falta de civilidade. “Parecia cenário de filme de terror, coisa de zumbi”, descreve Sandro Oliveira, dono do hostel Giramondo, na Rua Girassol. O empresário passou quatro noites em claro para espantar os baderneiros que tentavam usar a porta do estabelecimento como mictório ou motel.

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Mas houve situações bem piores. O advogado Wellington Ribeiro da Silva terá de reformar o imóvel que administra há 54 anos na Rua Fidalga. O sobrado está desocupado desde dezembro, com uma placa de “aluga-se”. Foi um sinal para que vândalos, durante a folia, ocupassem o lugar, pichassem as paredes e usassem todos os cômodos como banheiro público. Morador da região há quinze anos, o designer Tom Green quase trocou socos na sexta (13) ao discutir com foliões que faziam algazarra altas horas da noite em frente à sua casa. “Entortaram as grades da janela, picharam as paredes e detonaram meu investimento recente de 5 000 reais em pintura”, diz Green.

Carnaval Vila Madalena
Carnaval Vila Madalena ()
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Nos horários de pico, calcula-se que havia por lá uma concentração de cerca de 150 000 pessoas. O cordão humano chegava a tomar cinco quarteirões, tendo como foco principal o cruzamento entre as ruas Aspicuelta e Fidalga. Até um “trenzinho de drogas” circulou em meio à multidão, vendendo maconha, cocaína, lança-perfume e LSD. Além de sambas e marchinhas, ouviam-se por lá as batidas de funk no estilo “pancadão” saídas de alto-falantes de carros estacionados. O auge da confusão ocorreu na madrugada da terça (17), quando a PM tentava encerrar a festa. Alguns foliões passaram a atirar garrafas e pedras nos soldados, que reagiram com bombas de gás lacrimogêneo. “Nunca vi nada parecido na história da Vila Madalena”, es pantase Fernanda Cataldi, coordenadora da Pérola Negra, tradicional escola de samba do bairro. Ela foi ferida no tornozelo esquerdo pelos estilhaços de uma das bombas de efeito moral.

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Carnaval Vila Madalena
Carnaval Vila Madalena ()

Os bares e restaurantes, que representam os principais atrativos do bairro, contabilizaram uma série de prejuízos. Há por ali cerca de 100 estabelecimentos do tipo. “Para evitarem vandalismo e confusão, muitos decidiram baixar as portas no feriado”, diz Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-SP). Quem tentou trabalhar sofreu com a confusão. “A maioria consome batidas em garrafas PET, traz bebidas de casa ou as compra de ambulantes e só procura os bares para ir ao banheiro”, conta Elton Altman, sócio dos bares Filial, Genial, Genésio e Mundial, todos na Vila Madalena. Segundo estimativas da Abrasel-SP, a perda de movimento durante os dias de folia superou 80%.

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O mais espantoso de tudo é que, desde o ano passado, com base em problemas já ocorridos por lá nos carnavais recentes, a prefeitura vinha prometendo um evento com melhor infraestrutura e organização. Seria uma forma de minimizar os transtornos em um bairro ainda eminentemente residencial (calcula-se que apenas 40% dos endereços da região sejam comerciais). Entre outras medidas, estabeleceu-se um horário- limite para a passagem de blocos (22 horas), houve cadastramento de ambulantes, proibição de venda de bebidas em garrafas de vidro, diminuição do número de blocos no bairro e reforço na quantidade de banheiros químicos (222 no período do Carnaval, o dobro do número de 2014). “Mas não esperávamos tanta gente”, reconhece Angelo Filardo, subprefeito de Pinheiros e um dos responsáveis por organizar o evento na Vila Madalena.

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Carnaval Vila Madalena
Carnaval Vila Madalena ()

De acordo com os cálculos do governo municipal, cada cordão deveria atrair uma média de 1 000 pessoas. Na previsão oficial, elas iriam para casa depois da passagem dos grupos ou se concentrariam no Largo da Batata, onde foi criada uma estrutura que contava com uma série de shows agendados destinada aos foliões que desejassem estender a farra. Faltou combinar com a multidão, que preferiu ficar nas ruas da Vila Madalena. “As pessoas são atraídas para lá devido ao charme do bairro”, entende Nabil Bonduk, secretário municipal de Cultura. “É preciso haver uma descentralização para não penalizar de novo essa área.”

Responsável pela Secretaria de Estado da Segurança Pública, Alexandre de Moraes acredita que o Carnaval da Vila precisa seguir o padrão de eventos grandes, como a Fórmula 1. “Nossa sugestão é delimitar um perímetro, bloquear os acessos, fazer cadastro de moradores e deixar entrar um número limitado de pessoas”, entende. Segundo ele, adotando uma estrutura e regras mais definidas, seria possível aumentar a fiscalização, o que evitaria a entrada de foliões portando garrafas de vidro, de ambulantes não cadastrados e de caixas de som, e até mesmo reduziria a venda e o consumo de drogas. Entre os dias 13 e 18, a secretaria contabilizou 33 prisões no bairro. Desse total, 27 ocorreram em consequência de porte de drogas.

tom green vila madalena carnaval
tom green vila madalena carnaval ()
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Uma balbúrdia semelhante tomou conta da região durante a Copa do Mundo. Aproximadamente 50 000 pessoas escolheram os bares do local para celebrar os jogos do Brasil. “Desde aquela época, só é possível dormir tranquilamente aqui entre segunda e terça”, reclama a neuropsicóloga Cristine Franco Alves, moradora da Rua Fidalga. Prevendo as tradicionais dores de cabeça em fevereiro, ela se refugiou no último Carnaval na casa da mãe, no bairro do Jaguaré. “Aproveitei e aluguei um imóvel por lá também”, diz Cristine. A residência dela na Vila Madalena foi comprada por sua avó, em 1943, e se manteve na família a cada geração. “É uma pena, mas, por causa desse cenário, precisarei deixar o imóvel fechado”, completa.

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Outro efeito colateral da badalação em torno do pedaço ocorre na área do mercado imobiliário. “Esses excessos provocaram dificuldade para locação na região, e hoje há um grande número de imóveis vagos”, lamenta o corretor de imóveis Rogério Albertini. “De uns tempos para cá, é quase impossível fechar negócio no primeiro trimestre do ano.” O Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo (Creci-SP) aponta queda de 20% nos preços de locação no último ano naquela área. Em sua maior parte, são as construções mais antigas — entre elas, os velhos e charmosos sobrados, espécie de marca registrada da Vila — que vão ficando vazias. Elas acabam dando lugar a prédios modernos. Entre 2012 e 2014, o número de lançamentos de apartamentos residenciais triplicou no bairro (de 42 para 128). O preço atual do metro quadrado (9 800 reais) está entre os dez mais altos da capital. Supera o de outras regiões nobres como Moema e Higienópolis.

Carnaval Vila Madalena
Carnaval Vila Madalena ()

Um dos empreendimentos em construção na Vila é o Mix 422, da Idea!Zarvos. O projeto saiu da prancheta do badalado arquiteto Isay Weinfeld. O negócio desagrada não só por ser outro espigão tomando o lugar das antigas casinhas, mas também por sua forma: é todo cinza e ocupa uma parte do quarteirão formado pelas ruas Fidalga, Aspicuelta e Fradique Coutinho. Para os moradores do pedaço, o Mix 422 é um dos símbolos da descaracterização arquitetônica da Vila. “Bloquearam o céu com um paredão horroroso”, critica Antônio de Vilares, dono do restaurante São Jorge, que fica nas redondezas. Mesmo com a resistência, os habitantes terão de se preparar para mais mudanças. Isso porque o novo Plano Diretor deliberou a construção de prédios altos, com mais de oito andares, principalmente no entorno das estações Vila Madalena e Fradique Coutinho do metrô. “As empreiteiras já estão sondando os donos de casas com terrenos grandes”, conta Robson Alevis, morador da Rua Harmonia.

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Vila Madelena 1951
Vila Madelena 1951 ()

O processo de urbanização da Vila começou há menos de 100 anos. No fim dos anos 60, os aluguéis baratos também seduziram hippies, o que fez com que o perfil do pedaço mudasse para sempre. O caráter boêmio consolidou-se na década seguinte, ainda que timidamente, com os primeiros e isolados bares. “Muitos moradores da Vila gostam da vida noturna agitada, mas acreditam que a situação está extrapolando”, diz Cassio Calazans, presidente da Sociedade Amigos de Vila Madalena (Savima) e morador do bairro há 57 anos. Desde junho, a associação tem se reunido com a subprefeitura para discutir os rumos do bairro e soluções para o problema. Nessa parceria, instalaram-se dez câmeras em pontos estratégicos para filmar e identificar os baderneiros. As imagens são enviadas à polícia. O plano é ampliar esse número para 180 aparelhos ao longo deste ano. “Não somos contra o Carnaval, mas não dá para abrigar 50 000 pessoas em um espaço que comporta no máximo 5 000”, completa Calazans. A resolução dessa questão é importante para a cidade não apenas pelo fato de a Vila ser um dos bairros mais queridos dos paulistanos. Envolve também a responsabilidade do poder público, principalmente da prefeitura, na organização de uma festa que não se transforme em um show de barbaridades.

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