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Após perder fama e dinheiro, Asa Branca tenta retomar carreira

Locutor, que foi a principal voz dos rodeios nos anos 90, torrou fortuna com farras e drogas e contraiu HIV

Por João Batista Jr.
Atualizado em 4 fev 2020, 15h40 - Publicado em 31 out 2015, 02h00
Asa Branca
Asa Branca (Mário Rodrigues/VEJA SÃO PAULO/)
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Asa Branca tinha sempre o mesmo ritual. Tomava de uma a quatro doses de uísque misturado com água, sem gelo, rezava um Pai-Nosso, uma Ave-Maria e fazia o sinal da cruz. Só então entrava em seu helicóptero MD 500 e pedia para o piloto “arrebentar”, ou seja, levantar voo e seguir rumo ao centro da arena de rodeio. Na descida, o homem de 1,90 metro e voz grave começava a agitar a plateia ainda no ar, com um microfone sem fio. Pedia a todos os presentes que ficassem em pé. Muitos tiravam o chapéu e o balançavam com as mãos. Depois da aterrissagem, o caubói caído dos céus se ajoelhava diante do público, que em alguns casos chegava a 50 000 pessoas. “Boa noite, meu Deus, boa noite, minha Nossa Senhora”, anunciava. Assim começava o show do maior locutor da história do rodeio nacional.

No auge do sucesso, nos anos 90, faturava 300 000 reais por mês e rivalizava em popularidade com as estrelas da música sertaneja. Nessa fase, figurou nas novelas Mulheres de Areia (1993) e O Reido Gado (1996), ambas da Globo. Choviam companhias femininas, e Asa Branca não negava fogo, fossem elas tietes, mulheres da vida ou personalidades da TV. Aos poucos, começou a ter um comportamento mais parecido com o de um ídolo do rock, repetindo inclusive os clichês de autodestruição. Abusou de drogas e bebidas, trocou a noite pelo dia, contraiu o vírus HIV e passou a faltar a compromissos. Em 2013, correu sério risco de morte. Internado no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, chegou a pesar apenas 50 quilos. Conseguiu sair de lá depois de quase três meses. Voltou a engordar — está com 85 quilos — e vive desde julho em Bertioga, no Litoral Norte.

Além da tranquilidade da praia, a cidade foi escolhida por ficar a apenas duas horas da capital, onde passa por consultas periódicas com seus médicos. “Estou vivo por um milagre”, conta. O organismo está limpo de cocaína, uísque e outras substâncias. Com isso, Asa Branca encontrou forças para retomar a carreira, e um marco foi sua apresentação em agosto na festa do peão em Barretos, a principal do país. Mesmo em um pequeno estande do local onde tantas vezes brilhou para milhares de pessoas na arena principal, saboreou o momento como se fosse um estreante. Acaba de gravar um CD com canções sertanejas em arranjos modernos e quer emplacar como cantor. Os planos incluem uma temporada de cinco shows nos Estados Unidos em novembro. “Sou um cara que nasceu na roça e, de repente, começou a ter dinheiro no bolso e a namorar celebridades. Não aguentei o tranco e me deslumbrei”, admite ele, hoje com 53 anos.

Asa BrancaQuando garoto, Waldemar Ruy dos Santos (o apelido Asa Branca surgiu devido à mania de agarrar passarinhos) queria ser um peão dos bons em Turiúba, cidade de 2 000 habitantes do interior paulista. O plano de virar astro dos rodeios era a forma que o caçula de uma família de quatro irmãos encontrava para tentar driblar a dureza do dia a dia. Quando ele tinha 9 anos, sua mãe morreu de doença de Chagas. O pai passou a ter uma vida desregrada — não economizava e caiu na gandaia. Certo dia, acabou matando a namorada por ciúme e, em seguida, deu cabo da própria vida.

Assim, o adolescente de 15 anos viu-se sozinho. Fez bicos como pedreiro e vendedor de cachorro-quente. Subiu pela primeira vez no lombo de um touro em uma competição amadora. O sonho parecia estar se tornando realidade, mas acabou de forma desastrosa, quando levou uma chifrada no pulmão durante uma montaria. Na recuperação, escutava fitas de locutores como Zé do Prato, o criador do bordão “Seguuura, peão.” Semanas após sair do hospital, foi ver um rodeio em uma cidade da região. O narrador contratado faltou ao show, e Asa Branca prontificou-se a substituí-lo. “O som estava ruim e minha voz saiu com eco”, lembra. Apesar disso, ficou satisfeito e disposto a repetir a experiência. “Já sabia que queria fazer aquilo para o resto da vida”, afirma.

Mas as arenas nacionais ainda iriam esperar um pouco. Embarcou no início da década de 80 para os Estados Unidos e ficou por lá seis meses. Trabalhou de forma ilegal no país e conheceu por dentro o circuito americano de rodeios. “Limpava cocheiras”, conta. Encantou-se com o nível de profissionalização dos espetáculos e com um equipamento, ainda raro por aqui: o microfone sem fio. Na volta ao Brasil, trouxe um deles na bagagem e planos de revolucionar o estilo de narração. Uma das inovações que introduziu foi a de trabalhar dentro da arena. Até então, os locutores permaneciam no palco. Asa Branca gostava de ficar a 2 metros do animal, pondo a própria vida em risco. Sempre escapou de lá sem grandes problemas, mas diz ter visto dois peões morrer diante de seus olhos.“Quando estou em ação, fico extremamente concentrado”, descreve. “Escuto a vibração da arquibancada, a respiração do touro. É como se meus sentidos conseguissem captar tudo ao meu redor.”

Além do microfone sem fio, Asa introduziu fogos de artifício, contratou DJ para tocar músicas de rock antes de o peão entrar em cena e criou rimas rápidas que deixavam o público maravihado. “Eu o coloquei para comandar a festa de Barretos em 1986, e nesse cargo ele ficou por oito anos”, lembra Marcos Abud, vice-presidente da Associação Os Independentes, que organiza o evento. “Até hoje, todos os locutores o imitam, mas nenhum conseguiu superá-lo.” Em Barretos, Asa Branca fixou como sua marca registrada a chegada a bordo de um helicóptero. “Tudo isso era ilegal e sem autorização dos bombeiros. Mas quem domava o homem?”, diverte-se Abud.

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Em agosto de 1994, em plena campanha presidencial e semanas após a conquista do tetra pela seleção de futebol nos Estados Unidos, Asa encomendou ao carnavalesco Joãosinho Trinta uma réplica gigante da taça. Ficou escondido dentro do caneco até a peça ser aberta para opúblico. A plateia o ovacionou — e ele guardava outra surpresa na manga. Com o microfone em punho, disse que gostaria de apresentar um amigo. Era Fernando Henrique Cardoso. De mãos dadas com o locutor, o então candidato deu uma volta olímpica. “As pessoas acenavam com o chapéu enquanto passávamos”, lembra FHC. “Foi emocionante, espontâneo.”

Além do político e de Asa Branca, sabiam da operação apenas Xico Graziano, um dos coordenadores da campanha, e Bia Aydar, responsável pelos eventos do tucano. “O Fernando Henrique estava com receio, mas prometi deixar a plateia animada para que, quando ele entrasse, fosse aquela explosão”, diz o locutor. Orestes Quércia, candidato à Presidência pelo PMDB, e Luiz Antônio Fleury Filho, então governador pelo mesmo partido, assistiram a tudo isso do camarote e ficaram enfurecidos.

O fim dos anos 90 coincidiu com o auge da carreira de Asa Branca e também com o consumo desenfreado de drogas. Era quando, em suas contas, chegava a dormir com seis mulheres e a cheirar 3 gramas de cocaína em uma noitada. Ele nunca usou preservativo. “Eu era igual a um peão prestes a montar: pedia proteção divina, estocava para trás e deixava pular.”

Nos anos 1990 e 2000, morava no flat Fortune Residence, na Rua Haddock Lobo, e gostava de ir às finadas boates Gallery e Allure. “Cansei de namorar artistas famosas”, gaba-se, citando as atrizes Isadora Ribeiro e Alexia Dechamps entre suas conquistas. Elas negam. “Ficamos bem amigos, fizemos campanhas publicitárias juntos e já o vi apresentando rodeios, mas nunca o beijei”, diz Alexia. “Ficar com o Asa Branca? Imagina, meu amor. Nunca tomei sequer um suco de laranja com esse cara”, desconversa Isadora. A única famosa que confirma um romance com o narrador é a apresentadora Marília Gabriela. Os dois moraram juntos por um ano, em 1993. Procurada por VEJA SÃO PAULO, ela não quis comentar esse período.

A conta dos exageros na boemia chegou logo. Entre seus colegas, ele ficou conhecido como o Tim Maia do rodeio. Faltava a compromissos, não aparecia em apresentações e bebia demais. “Eu nem precisava comprar droga, meus amigos me davam”, diz. Perdeu contratos, todo o dinheiro que ganhou e arruinou a saúde. Em 2007 descobriu ter o HIV. Já debilitado pela doença (era displicente com os remédios e continuava se drogando), envolveu-se com a aposentada Sandra Maria dos Santos, também soropositiva. Eles se conheceram na infância, quando estudaram na mesma sala. Mas o romance engatou mesmo em 2008. Atual mulher do narrador, ela se transformou também em seu anjo da guarda. “Perdi a conta de quantas vezes eu tirei cocaína e maconha do bolso dele para jogar no vaso sanitário”, conta Sandra. Em agradecimento, Asa Branca chama a companheira de “mãe”.

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A mudança radical de comportamento ocorreu em 2013, quando ele se viu no leito do Emílio Ribas por 83 dias. Na ocasião, foi diagnosticado com criptococose, mais conhecida como a doença do pombo, uma das enfermidades oportunistas surgidas pela ação do HIV no organismo. “Quando chegou ao hospital, ele estava praticamente sem imunidade alguma”, conta o infectologista Luiz Carlos Pereira Júnior. O fungo encontrado nas fezes dos pombos entra no organismo pelo pulmão e depois se instala no sistema nervoso. “A pessoa perde a consciência e a coordenação motora”, explica o médico. Asa Branca apresentava os sintomas em estágio avançado. Tinha confusão mental, mãos trêmulas e nem sequer conseguia andar. Passou por seis cirurgias. O tratamento surtiu efeito e ele conseguiu se curar.

Na época da internação e na fase de recuperação, Asa Branca passou por muitas dificuldades financeiras. Não tinha dinheiro para pagar aos médicos. Foram poucos os amigos dos tempos áureos que o ajudaram, como o cantor Sérgio Reis, que lhe doou 50 000 reais, e o ex-jogador Luizão. Não era para ele precisar de ajuda. Asa chegou a ter 2 000 cabeças de gado nelore em fazendas arrendadas no Pará e em Mato Grosso. O patrimônio pessoal incluía também helicóptero e avião bimotor.

Hoje, vive em uma casa de dois quartos em Bertioga, pela qual paga 1 000 reais de aluguel por mês. Ele cobrava um cachê de 30 000 reais por apresentação, valor nunca alcançado no mercado (Cuiaba no Lima, um dos principais locutores da atualidade, embolsa 15 000 reais por dia e trabalho). Já os amigos de Asa Branca da época estão multimilionários. É o caso dos cantores Leonardo (dono de mais de 20 000 cabeças de gado, fazendas e uma agência de artistas), Zezé Di Camargo e Luciano (proprietários de uma construtora que faz prédios comerciais, residenciais e condomínios) e Chitãozinho e Xororó (donos da rede de churrascarias Montana Grill e de outros negócios).

Asa Branca e Sandra investiram 25 000 reais na produção do CD em que ele canta ao lado do amigo Rancharia. Enquanto a carreira de cantor não decola, Asa tem pago as contas com as poucas locuções que faz hoje em dia pelo valor de 10 000 reais. Sentado em um bar de frente para o mar de Bertioga, ele fala pausadamente sobre o passado tumultuado. “Nunca me arrependi de nada do que fiz, exceto por ter experimentado droga”, garante. Em seguida, dirige o olhar para a mulher e confessa, emocionado: “Meu maior sonho, mãe, é chegar aos 70 anos, com os nossos filhos, os nossos netos…” Então, o homem que desafiou a morte nas arenas começa sua nova caminhada em um fim de tarde tranquilo na praia.

Era uma vez nooeste paulista

A ascensão, queda e tentativa de renascimento artístico da principal voz nacional dos rodeios

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Nome completo: Waldemar Ruy dos Santos.

Data de nascimento: 19/4/1962 (53 anos).

Natural de: Turiúba, cidade paulista perto da divisa com Mato Grosso do Sul.

Altura: 1,90 metro.

Família: está no terceiro casamento. Acompanheira atual é a aposentada Sandra Maria dos Santos. Tem cinco filhos — de cinco mulheres. Entrou recentemente com uma ação na Justiça para pedir o exame de DNA de um deles. “Suspeito que eu não seja o pai da criança.”

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Patrimônio: teve 2 000 cabeças de gado nelore. Hoje, possui um lote de 500 metros quadrados em Brasília, presente de um amigo, e um imóvel no interior, herança da avó. Mora em Bertioga numa casa alugada por 1 000 reais.

Carreira: acabou de lançar um CD de música sertaneja com o amigo Rancharia.

Cachê: 10 000 reais por locução. No auge, faturava o triplo por apresentação e embolsava até 300 000 reais em um mês.

Saúde: é portador do vírus HIV, que foi descoberto em 2007. Em 2013, passou 83 dias no hospital depois de contrair criptococose, uma doença transmitida por pombos.

Vícios: usou cocaína por mais de quinze anos e chegava a cheirar 3 gramas da droga em uma noitada. Está limpo desde 2013.

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Conquistas amorosas: várias. Segundo ele, a lista inclui a apresentadora Marília Gabriela e as atrizes Isadora Ribeiro e Alexia Dechamps (as duas últimas negam).

Atuação política: disputou eleição para deputado federal em 1998 pelo PSDB, mas perdeu. Hoje, está filiado ao PEN.

Meio de locomoção: um carro Chery QQ. No passado, teve um avião bimotor Navajo e um helicóptero MD 500.

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