Em quatro décadas de carreira, o ator paulista Zécarlos Machado calcula ter participado de sessenta montagens teatrais. Mesmo acostumado com uma rotina bem agitada, sofreu bastante com o acúmulo de trabalho entre junho e julho do ano passado. Nesse período, ele gravou os 45 episódios da primeira temporada do seriado Sessão de Terapia, exibido em outubro e novembro pelo canal GNT. Eram 25 páginas de texto individual por capítulo, para ser estudadas e decoradas de um dia para o outro, que faziam o intérprete de 63 anos varar madrugadas e encarar dez horas de estúdio na sequência. Se não bastasse, ele ainda cumpria as apresentações do espetáculo Doze Homens e Uma Sentença de sexta a domingo, no Teatro Cultura Artística Itaim, e carregava a certeza de que tudo seria feito de forma mais produtiva se não enfrentasse tanto stress. “Cheguei ao final desse período esgotado”, lembra.
Apesar do desgaste, o esforço valeu a pena. Os dramas do psicólogo Theo entrelaçados com os depoimentos de seus analisados conquistaram uma audiência surpreendente para um canal fechado. Mais de 9,5 milhões de espectadores acompanharam o programa e conheceram o rosto de um artista consagrado no palco. “O Zécarlos foi fundamental nesse sucesso, porque tinha uma imagem relativamente virgem na TV, o que combina com a figura de um terapeuta, muita experiência e um sangue nos olhos fundamental para um artista”, afirma o diretor Selton Mello, que o viu pela primeira vez no teatro no monólogo Corpo a Corpo, em 1996. A segunda temporada de Sessão de Terapia, agora com 35 capítulos, estreia em 7 de outubro.
Na tentativa de repetir o resultado, o protagonista fez exigências prontamente atendidas pela produção. Ganhou uma segunda folga semanal, recebeu os roteiros com um mês de antecedência e trocou a residência onde vive ao lado da mulher, a psicóloga e atriz Roza Grobman, e dos dois filhos, no Jardim da Saúde, por um flat perto dos estúdios, no Pacaembu. “O Zécarlos tem um ritmo de trabalho muito peculiar, vira a noite estudando, fala sozinho como se conversasse com os personagens, e a rotina da nossa casa é tumultuada, atrapalhava sua concentração”, conta Roza. A interferência da mulher no trabalho se limitou à indicação de bibliografia, que incluiu escritos do pai da psicanálise, Sigmund Freud, e do pai da psicologia analítica, Carl Jung, e a algumas observações sobre os diálogos, como as excessivas indagações feitas pelo personagem nas consultas. Fora da tela, Zécarlos nunca enfrentou uma terapia nem pretende procurar um divã.
Nascido em Alfredo Marcondes, a cerca de 600 quilômetros da capital, ele é o mais velho dos cinco filhos de um fiscal da saúde e de uma costureira. Veio para São Paulo aos 14 anos e, após trabalhar em “incontáveis” escritórios, inscreveu-se em um curso de teatro em São Caetano do Sul. Levou a coisa a sério e, pouco depois de formado, teve a sorte de dividir o mesmo palco com Bibi Ferreira e Paulo Autran. Atualmente, está em cartaz na capital com o monólogo Brincando com Sanduíche, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet. No espetáculo, dá vida a um homem que, aos poucos, desvenda a face de pedófilo. Em outubro, é a vez de reviver o fazendeiro falido de A Moratória, de Jorge Andrade, dentro da programação da mostra de repertório do Grupo Tapa, que integra desde 1987. Parceira mais constante, a atriz Denise Weinberg contracenou com Zécarlos em nove peças. “Em Navalha na Carne, de Plínio Marcos, ele fazia o cafetão da minha personagem, e eu apanhava muito em cena. Mas nunca me machuquei, o que poderia acontecer se não fosse um ator cuidadoso”, elogia. Em meio ao trabalho, Zécarlos não abre mão dos prazeres mais simples. Joga sinuca toda segunda com uma turma de amigos e relaxa dos personagens complexos na companhia de uma cervejinha. Para ele, não há terapia melhor que essa.
UM HOMEM DOS PALCOS
› Nome completo: José Carlos Machado
› Data e local de nascimento: 16 de abril de 1950, em Alfredo Marcondes (SP)
› Família: casado com a psicóloga e atriz Roza Grobman, de 56 anos, e pai do professor de ioga Daniel, de 29, e do estudante Vítor, de 24
› Currículo: cerca de sessenta peças, dez filmes e participação em oito novelas e três séries de televisão, além de Sessão de Terapia
› Próximos trabalhos: em dois episódios do seriado O Negócio, do canal HBO, e nos filmes O Último Cine Drive-In e Prometo um Dia Deixar Essa Cidade