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Zé Ibarra: “As pessoas me viam como um anjo que canta agudo”

O cantor e compositor carioca fala sobre seu novo disco e do desejo de participar de grandes causas

Por Tomás Novaes
24 out 2025, 08h00
Zé Ibarra se olhando no espelho
Zé, ao espelho: show em São Paulo no dia 30 (Elisa Maciel/Divulgação)
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Com um olhar instigante para a vida e a música, Zé Ibarra, 28, não é nada do que parece. Ao mesmo tempo que é inteiramente os versos que canta, pode não ser nada disso também. No fundo, só ele sabe — o que faz dele e do seu disco mais recente, Afim (2025), tão interessantes. O cantor e compositor carioca deixa para trás o violão e a voz solitários que o revelaram para abraçar e beijar o mundo, com arranjos grandiosos e versos provocativos.

O jovem músico estreou com a banda Dônica, em 2015, e ganhou os palcos do Brasil e afora a partir de 2019, ao embarcar com Milton Nascimento em suas derradeiras turnês como a segunda voz dos shows. Em 2022, Zé também se lançou com o grupo Bala Desejo, ao lado dos amigos Dora Morelenbaum, Julia Mestre e Lucas Nunes, com um disco de estreia premiado pelo Grammy Latino. Desde então, com o quarteto em hiato, o artista coloca suas garras cada vez mais à mostra. Decifre esse talentoso cantor, que faz show na Casa Natura Musical no dia 30, no papo a seguir.

Afim é o disco que melhor traduz sua identidade musical?

Trago várias facetas de um mesmo artista. O lado voz e violão e também o produtor, que eu sempre fui, na variedade de estilos. O disco tem do mais pop ao mais cabeçudo. Mas muita coisa ficou de fora.

Nas letras e nos shows do álbum, você traz uma sensualidade. Quem é essa nova persona no palco?

O Afim fala um pouco sobre sexo, e não por acaso. O Marquês, 256, meu álbum anterior, fala de tudo menos isso. E esse é um tema muito forte na minha vida, a sensualidade, a sedução, o tesão. O novo disco tenta colocar em dia essa lacuna que existia entre a minha pessoa e a minha persona. As pessoas me viam como um anjo que canta agudo… E eu não sou esse cara. Naturalmente o corpo responde ao que se interpreta. Não faço para ser, é a tradução do que estou cantando.

O título, Afim, tem a ver com isso?

Tem. Mas também com outras camadas. Quando comecei a fazer o disco, eu não estava bem, minha cabeça não estava no lugar. Só que, desde que eu nasci, quem me coloca para baixo ou para cima é ela: a música. Trouxe um som mais dançante, com tudo que conspira para a recuperação do movimento e do corpo. Por isso estou dançando no palco. Já sou muito o violão e voz, preciso ir mais. Estou fazendo aula de dança contemporânea, quero me sentir inteiramente massageado pelo que faço. Quero sair do palco suando, bêbado daquilo.

Você já comentou em entrevistas sobre um período de depressão que enfrentou. A música ajudou?

Sim. Muitas pessoas têm depressão e não sabem, porque nunca viveram aquilo, então não interpretam como uma condição. Foi ouvindo uma música que entendi que esta- va depressivo, me isolando. Passei anos buscando sair daquele estado, e hoje acho que estou bem.

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Como você lida com esse mercado em que os artistas precisam estar presentes nas redes sociais, lutando por atenção?

É um inferno. O algoritmo tem uma opinião, ele quer que a gente faça o que ele quer. Hoje, se você não está no mundo virtual, você não existe. Essa é a doideira: a realidade não basta. E é menos importante, até. Tenho alguma projeção, e resolvi jogar o jogo pesado. Estou postando vídeos, fazendo tudo, quero ser ouvido. Chamo atenção para o disco e os shows, que é como ganho dinheiro.

O avanço da inteligência artificial (IA) na música preocupa você?

Sim. Não só no sentido de tirar oportunidades de pessoas que estão fazendo as coisas de verdade, por si próprias, mas também no que isso acarreta em termos de formação de cultura. Penso que a IA dificilmente será tão original e disruptiva quanto o disco Rela, do Negro Leo, por exemplo. Algo que nasce de milhões de coisas que ele pensa, vive e sente, até chegar a um produto genial e único. Partindo desse pressuposto — e posso estar errado —, o que a IA provoca é uma massificação de coisas menos complexas.

“Hoje, se você não está no mundo virtual, você não existe. Essa é a doideira: a realidade não basta. E é menos importante, até”

Zé Ibarra

Além do sucesso, a exposição do Bala Desejo levou a memes nas redes sociais e adjetivos como “nepobabies” (pessoas que alcançam visibilidade por causa de parentes influentes). Como você lida com isso?

Em 2025, neste século XXI, quem de alguma forma aparece recebe hate. E, antes de ser artista, cantor ou qualquer coisa, sou músico. A minha âncora é a minha relação com a música, e poucas coisas abalam isso. Sobre os hates, a coisa de nepobaby e tal, vão sempre falar. Não tenho como negar a minha origem. Venho da Zona Sul do Rio de Janeiro, não tenho pai nem mãe famosos, nem ricos, pelo contrário. Mas nasci ao lado de pessoas com muitos privilégios, e tive por causa disso. Por acaso também tenho talento e sou devoto ao que faço, desde criança. Nunca mudei. A junção dessas coisas me trouxe até aqui. Gostaria de, com a minha projeção, sempre fazer o melhor. E retribuir de outras formas, para mudar esse cenário.

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Você se apresentou no ato contra a PEC da Blindagem em Copacabana, em setembro. Falta posicionamento político na sua geração de artistas?

A geração da qual faço parte tem um medo de se expor nesses termos, porque eles causam divisão. Um artista é um pro- duto, e a marca sempre prioriza o seu lucro. É natural que, no mundo da hipervigilância, as pessoas tenham receio de se posicionar, porque vão sofrer. Agora que estou ficando maior, vou usar a minha voz para resolver coisas que estão para além de mim. Ou seja, política. Hoje tenho menos medo, com um disco legal no mundo. É complicado para quem não tem a mesma condição de bancar o que for, como ser escorraçado na internet. Mas, mesmo assim, tem muita gente falando de política na minha geração.

No início do mês, foi revelado o diagnóstico de demência de Milton Nascimento. Qual a importância dele na sua vida?

Ouvi muito Milton no último mês, voltei aos álbuns que me formaram. Ele é e sempre será um dos maiores criadores que já existiram. E ninguém conseguiu fazer parecido. A Tropicália, o jazz e o samba deixaram as suas escolas. Mas o Milton não, ele não dá o segredo. Como todos dizem, e não é um clichê, ele realmente parece de outro mundo. Desejo tudo de bom sempre para o Bituca, que é um amigo e me formou como músico.

Publicado em VEJA São Paulo de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967.

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