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OLÁ,

“Ela foi a única namorada que descobriu que eu tinha TOC”

Caio Manço conta como que a relação com sua mulher, Katia, evoluiu de uma amizade de trabalho até um amor contagiante: ambos se ajudam em momentos difíceis

Por Caio Wilmers Manço, 43 anos, em depoimento a Fernanda Campos Almeida
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h44 - Publicado em 12 fev 2021, 06h00
casal sentado segurando uma cadelinha
Caio e Katia Manço com Francisca, sua nova mascote (Acervo Pessoal/Divulgação)
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Em todos os meus relacionamentos escondia que tinha transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) por vergonha e medo de que fosse rejeitado. O dia em que fui diagnosticado, aos 27 anos, foi o mais feliz da minha vida. Achava que estava enlouquecendo. Sabendo o que tinha, podia ir atrás do tratamento.

Minhas manifestações apareceram na infância, por volta dos 5 anos, escovando os dentes repetidas vezes. Na pré-adolescência, colecionava tudo o que você podia imaginar, acumulava jornais e revistas. Se meu pai jogasse minhas coisas fora, sentia raiva, ansiedade e minhas manias pioravam. Incontáveis vezes, revirei o lixo do condomínio para pegar algo de volta. Já fazia terapia, mas não falava dos sintomas.

Aos 17 fui invadido por pensamentos obsessivos de contaminação. Estava convencido de que tinha HIV e fazia exames a cada dois meses. Com 24, refazia trajetos no trânsito com receio de ter atropelado alguém. Percursos de quinze minutos duravam horas. Sair de casa era um desafio, verificava várias vezes janelas e portas.

Ninguém sabia dos meus rituais porque fazia escondido ou era criativo e inventava desculpas. Extremamente organizado, alguns hábitos eram até validados pelas outras pessoas, mas no fundo eu estava sofrendo. Só depois de dois anos em terapia com psiquiatra que comecei a falar das minhas anotações frequentes, pensamentos catastróficos que me paralisavam e obsessões. Sem contar a ninguém da família, passei a participar de grupos de apoio sozinho. Sou um dos membros mais antigos da Associação Solidária do TOC e Síndrome de Tourette (Astoc).

Katia, 45, foi a única namorada que soube que eu tinha um transtorno. Quando meu pai faleceu, decidi sair da “gaiola”. Dei uma entrevista para um quadro do Fantástico contando minha história com o TOC. Ela viu e, como na época ainda não namorávamos, pensei que jamais iria ficar comigo. Katia me ligou e disse que tinha achado maravilhoso eu ter coragem de me expor em rede nacional.

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Começo do namoro: 2013 (Reprodução/Acervo Pessoal/Divulgação)

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Conheci Katia no trabalho. Eu era gestor de RH em uma multinacional e fui um dos entrevistadores do processo seletivo dela na empresa. Por mim, ela não teria sido contratada naquele momento. Não tinha gostado de uma de suas respostas, mas minha diretora me convenceu a dar uma chance. Depois ela me conquistou não só como ótima profissional, mas como mulher.

Na época, ela era casada e eu namorava. Nossa relação era apenas profissional, mas nossos problemas nos aproximaram. Eu tive crise de depressão e me afastei da empresa. Ela estava tendo problemas no casamento. Um ajudou o outro a se reerguer. Katia foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, tirou-me do fundo do poço, coisa que eu não conseguiria fazer sozinho.

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Em um ano, ela acabou se separando. Meu namoro já tinha terminado também e depois de seis meses nossa amizade passou a ser colorida. Aproveitei o Dia dos Namorados no ano seguinte para perguntar a ela se queria ser minha namorada. Meses depois a pedi em noivado na frente de nossas mães, com um anel feito de uma moeda de prata da minha coleção. Casamos apenas no cartório por falta de dinheiro. Nosso sonho ainda é casar na igreja, ela usando véu e grinalda.

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O primeiro beijo de Caio e Katia Manço casados (Reprodução/Acervo Pessoal/Divulgação)

Hoje meu TOC está controlado com a ajuda da minha esposa, grande parceira nessa luta e que embarca nas minhas aventuras. Já desfilamos no Carnaval, dirigimos quinze horas até Mato Grosso do Sul, pescamos no Pantanal e acompanhamos grupos de idosos em viagem a Aparecida. Participar de trabalhos voluntários ajuda no tratamento. Passeamos com animais de rua no Centro de Zoonoses, em Mogi das Cruzes, onde fui conquistado pela Francisca, nossa cachorrinha adotada recentemente.

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Desde o início do namoro, Katia participa da Astoc no grupo de familiares, para entender melhor o transtorno. Ela me cobra para que eu não caia em rituais ruins. Em qualquer relacionamento, um tem de se adaptar ao jeito do outro. O nosso não é diferente.”

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Publicado em VEJA São Paulo de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725

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