Trancistas ganham destaque em SP com curso e “fenômeno” Memphis Depay
Ofício vive momento de qualificação em São Paulo, e profissionais relatam aumento da demanda masculina com a chegada do jogador no Corinthians

Fios entrelaçados com maestria e paciência, das mais diferentes maneiras, formando cachos ou não, em cabelos compridos, curtos, com ou sem fibras sintéticas coloridas. São inúmeras as possibilidades no mundo das tranças afro, e suas artesãs dedicadas — as trancistas — vivem um momento de visibilidade e profissionalização em São Paulo.
O procedimento pode levar até oito horas, em um cabelo comprido, mas é certo que, quem entrar no Salão Zelma Tranças, no centro de Osasco, sairá transformado.
A fundadora é uma das referências na Grande São Paulo, com mais de trinta anos de experiência. “Eu vivo das tranças”, resume Zelma Soares, que aprendeu o ofício com uma prima e viu a profissão se consolidar ao longo dos anos.



Segundo ela, a febre do momento entre as mulheres são as tranças com cacho, e, entre os homens, as rasteiras desenhadas, chamadas de nagô. São muitos os tipos — box, twist, butterfly, french, knotless… — e dezenas de variações que entram e saem de moda.
“Antigamente eram duas: trança solta ou nagô. Inventaram vários nomes que confundem as pessoas, mas, no fundo, é a mesma coisa”, explica ela, que dá aulas na Unibella, a recém-criada área de estética da Universidade Zumbi dos Palmares.
O carro-chefe da instituição é o curso de tranças, que já formou 850 pessoas — a próxima turma começa na terça-feira (21), e as inscrições estão abertas. “As meninas conseguem, só com as suas mãos, gerar uma renda. Elas saem inseridas no mercado de trabalho”, explica a diretora Alessandra Helena.
Desde setembro, a presença de um jogador de futebol holandês na cidade de São Paulo tem causado alvoroço no universo das tranças masculinas. Memphis Depay, atacante do Corinthians, filho de pai ganês, já foi atendido por diferentes profissionais da cidade nos últimos meses, para fazer tranças nagô.

“É um movimento que acontece há alguns anos; antes os homens não curtiam deixar o cabelo crescer para trançar. Mas ele (Memphis) teve uma grande influência nos últimos meses, tenho tido muita demanda”, conta Stephany Mota, de Osasco, que atendeu o jogador em 2024.
Segundo ela, pelo menos outras seis trancistas fizeram os cabelos do craque, como Rayssa Resende, da Zona Sul. “É importante frisar o quanto os artistas e atletas têm o poder de engajar trabalhos de pequenos empreendedores”, diz a especialista.
Do Jaraguá, Nanda Bradiis atendeu Memphis quatro vezes — o jogador costuma trocar as tranças semanalmente. “Cada vez é diferente, ele já chega com a ideia e não gosta de repetir”, revela.

A trança usada em sua estreia nos gramados brasileiros foi feita por Anita Braids, de Diadema. “Minha demanda masculina aumentou bastante”, garante ela.
Essa visibilidade, ao valorizar as profissionais e chamar novos clientes, transforma a profissão cada vez mais em uma oportunidade de geração de renda, além da sua importância cultural.

“O cabelo é um símbolo muito potente para o homem e a mulher negra. Cuidar e apresentar o cabelo como ele é, crespo, cheio, acaba sendo um ato político, de contrapor-se ao sistema que, tradicionalmente, tem uma resistência a recepcionar essa beleza”, comenta José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.
Por isso, as tranças afro vão além de um elemento estético. Em resumo, o lema do salão de Zelma diz muita coisa: “Deixa o meu cabelo em paz”. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de janeiro de 2024, edição nº 2927