O Teatro Cultura Artística, edifício dos anos 1950 vítima de um incêndio em 2008, abre novamente suas portas no próximo dia 25. O icônico endereço, inaugurado sob as batutas dos maestros Heitor Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, regendo a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, e lar de grandes espetáculos na região da Praça Roosevelt, promete dedicar-se agora somente à música, com a missão de articular passado e presente, tanto nas estruturas como na programação.
Os dezesseis anos entre o incêndio e a reabertura foram consumidos pelo projeto e pela reforma — nesse meio-tempo, a Sociedade Cultura Artística, proprietária do espaço, criada em 1912 para fomentar a música na cidade, seguiu com sua programação em outros teatros da capital. “O que mais demorou foi levantar os recursos”, conta o diretor-executivo Frederico Lohmann sobre os 150 milhões de reais investidos no projeto, captados em sua maioria por leis de incentivo fiscal.
A principal mudança na reforma foi a sala de apresentações, completamente destruída pelo incêndio. Mantendo a cor amarela — que dialoga com o azul do primeiro andar e o verde das colunas, em uma composição ufanista —, o interior passa a receber uma instalação da artista Sandra Cinto, que criou relevos nas paredes, pensados com engenheiros, para promover uma acústica de excelência.
A qualidade do som foi o que norteou a reconstrução. “Não existe sala para tudo. Quanto mais usos ela tiver, pior ela vai ser para todos eles”, explica o diretor. A decisão de abandonar as coxias e cortinas originais — a sala abrigava cerca de 200 espetáculos de teatro por ano — serviu para consolidá-la como um espaço de excelência musical. “Queremos que ela seja complementar aos demais equipamentos da cidade, e não tínhamos uma sala para música mais intimista.”
Priorizando a experiência do público e reforçando o caráter intimista, os assentos foram reduzidos de 1 150 para 773, o que permitiu a expansão das áreas comuns para que todos os espectadores estejam confortavelmente alocados durante as apresentações e nos intervalos.
A fachada com o mural de 48 metros de largura, Alegoria das Artes, feito por Di Cavalcanti, e os saguões cinquentistas, projetados pelo arquiteto Rino Levi, foram parcialmente salvos por portas cortafogo e puderam ser restaurados. A mobília reeditada se espelha nos designs da época e foi doação da Dpot, que fez uma extensa pesquisa sobre o mobiliário original produzido por Giancarlo Palanti.
Outra novidade é a Livraria Megafauna, com matriz no Copan, que ganha ali uma nova unidade, onde promoverá eventos gratuitos semanais no pequeno auditório do teatro, com capacidade para 150 lugares. “Compartilhamos os mesmos valores, de difundir cultura no Centro, e a livraria, aberta durante todo o dia, permite maior circulação de pessoas”, conta Lohmann sobre a parceria. As paredes de vidro com vista para a Praça Roosevelt foram outra medida para incorporar o edifício ao seu entorno e convidar os passantes a entrar.
“Acredito que o teatro vai movimentar essa região da cidade, não só como um espaço de espetáculo, mas também de convivência”, conta Eduardo Gutterres, jovem violonista que foi bolsista do Cultura Artística. A cada ano, a instituição oferece um programa de subsídios para complementar a formação de jovens na área, que inclui auxílio financeiro, aulas particulares, masterclasses, curso de idiomas e acesso gratuito a apresentações. “Atribuo muito do que fiz ao Cultura Artística”, conta o estudante de mestrado.
A programação de 2024, composta por 48 apresentações, terá somente música clássica, e, a partir de 2025, a proposta é expandir para outros gêneros, como jazz, MPB e até eletrônica. Aos domingos, será inaugurado um ciclo de apresentações de jovens artistas, como o próprio Eduardo, a preços mais acessíveis. “Queremos dar oportunidade para novos músicos se apresentarem e trazer novos públicos”, explica Lohmann. Que sejam bem-vindos.
Para se programar
Destaques da agenda, que traz músicos de renome, nacionais e internacionais
Fundada em 1980, a orquestra alemã fará a reabertura do teatro, no dia 25, tocando composições de Heitor Villa-Lobos, Sergei Prokofiev e Jean Sibelius.
Aclamada como uma das grandes intérpretes de sua geração, a soprano búlgara apresenta, nos dias 31 de agosto e 2 de setembro, repertório que inclui árias de grandes óperas, como Madama Butterfly, de Giacomo Puccini.
Ex-bolsista do Cultura Artística, a dupla Eduardo Gutterres (foto) e Gabriele Leite apresenta um duo de violão em dezembro, como parte do ciclo voltado para jovens talentos. O repertório inclui Radamés Gnattali e Tom Jobim
Publicado em VEJA São Paulo de 16 de agosto de 2024, edição nº2906