Os 328 milhões de reais que o estado de São Paulo vai receber do governo federal pela Lei Paulo Gustavo, para distribuir ao setor cultural, serão partilhados de uma maneira que “não deve agradar a todos”, afirma a própria secretária de Cultura e Economia Criativa, Marília Marton, 45, responsável pela divisão.
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A proposta da pasta, enviada à análise da Procuradoria, quer afastar a influência dos profissionais da área na escolha dos projetos — uma praxe no fomento a filmes, séries e afins. A ideia é evitar uma seleção feita por “amigos de amigos”. No lugar deles, Marília quer um julgamento em três etapas que incluiria uma banca de professores e acadêmicos e um “pitch” (apresentação rápida para “vender” o projeto) a especialistas de festivais estrangeiros.
Em última análise, os jurados serão apontados pela própria secretaria. Além disso, a proposta vai mirar em projetos maiores e de produtores com amplo currículo, não em ajudar na sobrevivência dos pequenos, como era a expectativa do setor. “A cultura não é lugar para assistência social, mas para o desenvolvimento humano”, diz Marília.
“Não acho que exista ‘dirigismo’ nos fomentos, nem vejo necessidade de júri estrangeiro, mas (a secretária) busca uma qualificação maior no processo, o que é legítimo”, diz Mauro Garcia, presidente da Bravi, que reúne 675 produtoras do país. “Existe, de fato, uma expectativa no setor de que essa lei seja mais assistencialista. Alguns querem repasses a pessoas físicas”, ele conta.
A proposta prevê distribuir cerca de 60 milhões de reais a quinze projetos de longa-metragem e a mesma verba a quinze séries. Os menores repasses, dentro da categoria curta-metragem, seriam de 150 000. “Não é ‘caquinho’ de 20 000”, diz Marília.
A regra também deve dificultar a vida de quem tomou fomentos no passado e não entregou os projetos. Em maio, Marília foi ao festival de cinema de Cannes, na França, onde viu com pouco entusiasmo a safra de filmes nacionais. “A percepção é que precisamos melhorar nossa produção audiovisual”, diz.
Ao mesmo tempo, afirma ser cobrada pelo governador Tarcísio de Freitas para “transformar São Paulo em um canteiro de filmagens”. Criada na pandemia, a Lei Paulo Gustavo, diferentemente de fomentos como o Proac (que deve distribuir 83 milhões em São Paulo em 2023), permite que o governo estadual decida os critérios para repartir as verbas. Não é um repasse anual: deve acontecer uma única vez, com recursos que estavam parados no Fundo Setorial do Audiovisual e no Fundo Nacional de Cultura.
Referendada ao governo por nomes como Guilherme Afif, Gilberto Kassab e Danilo Miranda, a nova secretária foi filiada ao PSDB de 1997 a 2022 e hoje não tem filiação partidária. Entre os tucanos, era vista como “liberal demais”. “Eu apanhava dentro do partido.”
Marília prevê que as regras desagradarão a interesses corporativos, mas parece disposta a comprar brigas. “Todo mundo vai ficar feliz? Não. É muito dinheiro. Alguns podem achar que tinha que ser repartido em caquinhos, para atender o maior número de projetos possível. Mas não estamos mais na pandemia. As pessoas não estão mais passando fome”, ela avalia.
Para a pasta, eventuais mudanças na proposta, se pedidas pela Procuradoria, serão pontuais. O modelo definitivo deve ser anunciado em julho. “Se funcionar, quero replicá-lo em outros fomentos, como o Proac”, diz Marília.
Publicado em VEJA São Paulo de 28 de junho de 2023, edição nº 2847