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OLÁ,

Sapatos de Sambista

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 15h18 - Publicado em 24 jan 2014, 17h10

Quando enfim encontro o endereço na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, é o que eu imaginava: um botão de interfone e uma porta de barras de ferro, tipo cadeia. Atrás dela há uma escada, que leva à sobreloja, onde fica a alfaiataria. Não foi difícil achá-lo, mas o calor de São Paulo é cuiabano. Suo como um porco. Aperto a campainha com força. Não consigo entender a resposta falada pela caixa de som do interfone. Meu objetivo é abrir a porta. Sair do sol.

— Vou desfilar no Carnaval — explico. — Vim tirar as medidas da fantasia. — Isias ska daba daba suabam.

Nada pesquei da resposta. A porta não se mexe. Devem achar que sou louco, me ocorre. Coloco a boca próximo à campainha, aperto o botão novamente e enuncio devagar: “P-É-R-O-L-A-N-E-G-R-A”. Depois de uma pausa sugestiva, ouço o clique característico e a porta de grade de ferro se abre. É divertido, convenhamos. Parece uma senha secreta. Coisa que Johnny Depp talvez dissesse num filme de Hollywood, olhando para os lados.

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A preparação da fantasia faz parte da alegria de sair na avenida. Vá por mim. Sempre me leva a algum local novo. Encontro gente e vou a lugares que jamais cruzaria de outra maneira. Esta será a nona vez que desfilo pela Pérola Negra. Já figurei na ala da velha guarda. Fazer o quê, né? Quem me levou para lá foi meu amigo Pasquale, dono do restaurante homônimo, localizado em frente à quadra da escola, na Vila Madalena. Italiano de nascimento (e temperamento), Pasquale é compositor de sambas também. Currículo esse que o coloca entre as grandes figuras de São Paulo, sem dúvida. Ele é autor do hino da Pérola, lançado em 1974 e cantado com entusiasmo crescente desde então.

Teve um ano em que fui convocado, de última hora, pelo próprio Pasquale para buscar as sapatilhas da nossa ala em um cortiço próximo a Osasco, onde foram produzidas de forma artesanal. Chovia a cântaros. Chegamos de noite, eu e dois amigos, depois de nos perdermos muitas vezes debaixo do aguaceiro. Enquanto o escritor Reinaldo Moraes esperava no carro, descemos, eu e o editor Milton Ohata, escadarias e mais escadarias, debaixo do aguaceiro, provocando uma desconfiança grande e ruidosa entre a população canina. O susto dos moradores não foi menor quando chegamos ao endereço.O que fazia um gringo encharcado ali, àquela hora da noite, repetindo com seu sotaque de Tatuí que viera buscar as sapatilhasda Pérola Negra? Demoraram para nos levar a sério. Pensaram em chamar a polícia, desconfio.

Cada um é responsável pelo próprio pisante na velha guarda deste ano. É preciso tirar medidas individualmente em uma sapataria na Rua Maria Antônia, 57, perto do centro da cidade. Se você estiver nas proximidades, recomendo uma visita. Lá verá uma coleção de sapatos de sambista digna de uma exposição em museu de arte. Em quase trinta anos de São Paulo, nunca havia visto nada parecido. São lindos, em cores entusiasmantes, como vermelho e verde, com listras e pinturas e estampados. Mas, diferentemente do que acontece com os tênis, o estilo é antigão mesmo, de sapatos de couro. O modelo da velha guarda da Pérola é branco com três listras, vermelha, preta e azul-claro. Não vejo a hora de desfilar.

matthew@abril.com.br

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