Em agosto de 1990, 35 000 pessoas lotaram o estádio do Palmeiras, na Água Branca, para assistir à Legião Urbana. Na rua, a confusão rolava solta porque cerca de 10 000 ingressos falsos haviam sido vendidos e, como o espaço atingira sua capacidade máxima, não foi possível liberar a entrada de quem tinha o tíquete verdadeiro.
Era mais uma demonstração da popularidade de Renato Russo e de sua banda, que viveu o auge naquela virada de década. A euforia do passado transformou-se em nostalgia e ganha um novo capítulo nesta semana. Na quarta (6), o MIS inaugura uma exposição com 1 000 objetos pessoais do vocalista, morto em 1996, em decorrência de complicações da aids.
Orçada em 3 milhões de reais, a exibição será a de maior número de itens na história do museu. A ideia surgiu em 2014, quando o filho do cantor, Giuliano Manfredini, visitou a mostra de David Bowie e procurou o então diretor da instituição, André Sturm, para disponibilizar material para uma montagem em tributo ao pai. “Ele me explicou que o apartamento de Renato em Ipanema, no Rio de Janeiro, estava intocado desde a morte do cantor”, diz Sturm, hoje secretário municipal de Cultura.
Com as chaves nas mãos, a equipe de pesquisa passou dois anos entre idas e vindas para recolher, restaurar, higienizar e catalogar tudo. “Retiramos 3 000 peças para chegar a estas 1 000”, diz Patrícia Lira, coordenadora do Centro de Memória e Informação do MIS (Cemis). Conhecido como linha-dura quando se trata de direitos autorais, Manfredini não interferiu na curadoria. “O rapaz abriu todas as portas sem fazer nenhuma exigência”, completa Sturm.
O passeio vai começar pelo contexto histórico do fim dos anos 1970, em Brasília, quando a fértil cena punk deu origem ao grupo Aborto Elétrico, cujos integrantes mais tarde se dividiram entre Legião Urbana e Capital Inicial. A infância de Renato Manfredini Junior, seu nome na certidão de batismo, aparece retratada por fotos de família e lições da escola. Há tarefas inclusive da professora Adélia, citada na faixa O Descobrimento do Brasil, do disco homônimo, de 1993.
A co-curadora Fabiana Ribeiro adicionou à seleção um conto de vampiros escrito aos 14 anos e um trecho de uma ópera inspirada no romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha, que não foi finalizada.
Para os fãs mais ardorosos, não faltarão curiosidades como o casaco de veludo usado no videoclipe de Perfeição, de 1993, mais rascunhos de cartas de amor escritas para o americano Robert Scott, o namorado mais conhecido do cantor. Uma reprodução do seu quarto, com uma cama de solteiro de madeira escura, tapetes e dois armários com portas de vidro onde ficavam suas coleções de livros e ursos de pelúcia, ajuda a contar um pouco da rotina íntima.
Detalhes dos processos da carreira profissional podem ser acompanhados de perto. No caderno referente ao disco As Quatro Estações, de 1989, por exemplo, Renato explica a ordem na qual as músicas seriam inseridas. Estão ali também anotações sobre alterações de letras e melodias e uma versão de Monte Castelo, de 1982, completamente diferente da gravada posteriormente.
Para conferir o rico material, não é preciso fazer fila na porta. Além da bilheteria, há venda pelo site da Ingresso Rápido. Até agora, aproximadamente 3 000 pessoas já garantiram a visita.
Peças do fundo do baú
Entre os objetos inéditos, desenhos infantis e até uma ópera inacabada. Abaixo, alguns deles
O rascunho de uma ópera baseada em Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha
O desenho para a professora Adélia e outras lições da época de escola
Cadernos de anotações com composições como Química e Monte Castelo, de 1982, e fanzines colecionáveis
O blazer de veludo usado no clipe de Perfeição, além da bata, dos óculos e do isqueiro, que ficavam em sua mesa de trabalho
Seu alaúde e o violão usado na gravação do CD Legião Urbana — Acústico MTV
MIS. Avenida Europa, 158, Jardim Europa, ☎ 2117-4777. Terça a sábado, 10h às 21h; domingo, 9h às 19h. R$ 80,00 (pré-estreia) e R$ 30,00. Grátis às terças. Até janeiro de 2018. A partir de quarta (6).