No início da tarde de domingo (27), um tabuleiro na Escola de Xadrez França Garcia, em Osasco, atraía os olhares de quem acompanha a modalidade no Brasil. Renato Quintiliano, 29, nascido e criado na cidade, disputava a última rodada do torneio Magistral de Osasco contra Julia Alboredo, 25, uma das mais fortes jogadoras do país. Por volta das 14h, Quintiliano, nervoso na cadeira, moveu o cavalo para a casa de D6 (ele comandava as peças brancas) e a adversária lhe estendeu a mão, abandonando a partida. Campeão, o jovem “prata da casa” conquistava a última exigência técnica para se tornar Grande Mestre, título vitalício que apenas 14 brasileiros receberam antes dele.
O desempenho rendeu a Quintiliano a terceira “norma” de Grande Mestre, quantidade de graduações exigida pela FIDE (a federação mundial) para o título. São raríssimos os eventos nacionais que concedem o certificado. Apoiado pela prefeitura, o torneio de Osasco cumpriu exigências como ter um certo número de Grandes Mestres e participantes estrangeiros. Quintiliano possuía também o outro pré-requisito: ter superado, em algum momento da carreira, os 2 500 pontos no ranking da FIDE (hoje, tem 2 486). O meio do xadrez dá como certo que o brasileiro será coroado Grande Mestre no próximo congresso da instituição – no momento, adiado por um inconveniente: seria na Rússia, em abril. A FIDE vai procurar uma nova sede.
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Filho de uma secretária e um caldeireiro industrial e dono de bar, Quintiliano é formado como tecnólogo de precisão pela Fatec (Faculdade de Tecnologia de São Paulo), mas vive do xadrez desde 2013. Começou a jogar aos dez anos e só entrou para os campeonatos aos 15, algo considerado tardio para a categoria. “Antes, não tinha condições de competir por falta de dinheiro para passagens e hotéis”, ele conta. Atualmente, Quintiliano dá aulas online, faz transmissões nas redes sociais e escreve artigos para publicações estrangeiras especializadas – textos de até cem páginas sobre temas super específicos da modalidade. “Hoje, tenho uma condição bem melhor. O xadrez teve um boom nos últimos anos”, diz.
Osasco, na Grande São Paulo, tem tradição no xadrez. A cidade revelou destaques como Roberto Watanabe e Jefferson Pelikian. “Fico feliz pelo título, é algo histórico. Ao mesmo tempo, é triste que só existam 14 Grandes Mestres no país”, acredita Quintiliano. “Houve um crescimento acentuado no número de Grandes Mestres nos últimos anos, mas o Brasil ficou de fora dessa corrida, porque tem poucos campeonatos que valem normas [o último tinha acontecido em 2017, quando o catanduvense Luís Paulo Supi se tornou o 14º Grande Mestre brasileiro]”, ele afirma. “Temos jogadores fortes, mas não os campeonatos certos”, diz.
Elevado a Grande Mestre, Quintiliano deve disputar mais torneios de elite. “Pretendo jogar o Continental, em maio, em El Salvador”, conta. “Agora, enfim, vou conseguir jogar menos nervoso. A expectativa de virar Grande Mestre pesava”, diz o enxadrista – que tentava a titulação desde que se tornara Mestre Internacional, o degrau anterior, em 2015.
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