Renata Sorrah recebe a reportagem de Vejinha segurando uma apostila com todo o seu extenso portfólio. “É muita coisa… Já nem lembro de tudo, preciso da minha colinha”, diverte-se a atriz. De Heleninha Roitman a Nazaré, dois de seus papéis mais icônicos na TV, o rosto de Renata povoa o imaginário brasileiro há cinquenta anos, inclusive da nova geração, graças ao meme Nazaré Confusa, em que a personagem aparece rodeada de equações matemáticas. “Meu sobrinho, que mora em Nova York, conta para as pessoas que a tia é a Math Lady, e todos ficam loucos”, diz.
Além das telas, a “cola” de Renata inclui grandes espetáculos teatrais, contemporâneos e clássicos, como As Três Irmãs, de Tchekhov, encenado no Teatro do Sesi há 25 anos. Agora, ela retorna ao mesmo palco com uma montagem inédita, que dialoga com o universo do dramaturgo russo. Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém], da Companhia Brasileira de Teatro, começa com uma atriz nos minutos finais de uma apresentação de A Gaivota. O espetáculo gratuito, escrito e dirigido por Marcio Abreu, convida o público a adentrar a cabeça dessa personagem, suas memórias e sonhos, enquanto ela vivencia uma epifania, inspirada em uma viagem transcendental vivida pela própria Renata.
Como suas memórias pessoais entram na peça?
Ela traz elementos de conversas que tive com o Marcio (Abreu). Cuidado com o que fala com um autor, porque você pode virar personagem (risos). Mas o texto traz vivências e sonhos de todos os cinco atores. A ideia central veio de uma história que contei para o Marcio. Eu estava ensaiando A Gaivota, de Tchekhov, com Jorge Lavelli no Rio de Janeiro. Quando estava indo para o ensaio, dirigindo sozinha pelo Aterro (do Flamengo), de repente a minha cabeça abriu. Entendi tudo. A matemática, a ciência, a química, a física, coisas que nunca entendi na escola, as relações humanas, o que é a gente… Essas perguntas filosóficas, como “O que eu estou fazendo aqui?”, “Para onde a gente vai?”, “De onde a gente veio?”. Lembro de ter pensado: “Mas é tão simples… A gente fica doido perguntando as coisas, e é simples”. Aí minha cabeça fechou. Não lembro das respostas, mas lembro da sensação. Acho que quem me deu isso foi o teatro, que abre cabeças. Foi uma epifania. E Marcio incluiu a história na peça.
O texto fala sobre a profissão do ator. Como é sua relação com o teatro?
A peça fala bastante disso, de como é bom ser atriz, poder olhar no olho do espectador e dizer algo que pode trazer uma luz, uma reflexão nova. É uma profissão que traz pânico, medo, prazer, conhecimento. É o ofício da minha vida toda. Com ele eu fiz tudo: cresci, fui mãe, me apaixonei, me desapaixonei, fui avó, viajei, conheci pessoas. Acho muito bonita essa profissão em que as pessoas te aplaudem.
“Não acho que ator combina com ego trip. Sempre teve, e sempre terá, aqueles que se acham melhores do que tudo, mas ser artista não é isso”
Qual é o papel do ator, para você?
A arte, qualquer que seja, vem sempre com uma bandeira na frente, puxando as pessoas. Em momentos difíceis, a arte tenta se salvar e mostrar caminhos. É sempre vanguarda. Mas não acho que ator combina com ego trip. Sempre teve, e sempre terá, aqueles que se acham melhor do que tudo, mas ser artista não é isso.
O que achou de ter virado meme com a personagem Nazaré, de Senhora do Destino?
Gostava muito de interpretar a Nazaré. Ela era uma vilã muito engraçada. Senhora do Destino era uma novela muito boa, e os memes a mantiveram relevante. Mas às vezes é terrível. Lembro uma vez, num festival em Curitiba, em que passei por um bar cheio de jovens e ouvi: “Olha lá, aquela mulher do meme”. A gente ralando, fazendo teatro, exaustos… para virar “a mulher do meme” (risos). Nem me pertence mais aquilo. Viralizou e até hoje faz sucesso. Não tenho controle, mas ele não me incomoda.
Quais são suas expectativas para o remake de Vale Tudo?
Acho que não vai ser igualzinho à versão original. Isso eu acho muito inteligente. É uma novela que tem mais de trinta anos. Agora são outros tempos. Conquistamos muitas coisas desde então. A novela teve o primeiro casal gay, duas mulheres, que o público conseguiu tirar. Eram duas atrizes ótimas e mataram uma das personagens. Não tinha nenhum personagem negro. En tão, isso tudo a gente ganhou, e isso tudo vai aparecer no remake. Aí acho bacana fazer remake. Estou contando que seja as sim. Ainda com problema de alcoolismo, de maucaratismo, claro.
Qual foi a importância do papel de Heleninha na sua carreira?
Foi importante porque foi uma novela de muito sucesso. As pessoas saíam de noite e quem bebia muito dizia: “Vou de Heleninha hoje”. A novela é uma coisa popular; se você atinge as pessoas e fala sobre coisas bacanas, é muito bom. Ali eu falava de alcoolismo e da importância do AA, por exemplo.
Na peça vocês falam sobre etarismo. Como tem sido a recepção de atrizes mais velhas na televisão?
Nunca me senti vítima de etarismo. Mas existe, e é importante falar sobre isso. Não só com as atrizes, mas com as mulheres, existe uma cobrança para não envelhecermos. Vem do machismo também. Isso aparece na televisão; as atrizes vão ficando mais velhas e vão ficando mães, avós, bisavós, enquanto os homens ficam galãs por muito tempo. Mas isso está diminuindo.
O que acha de influencers e ex-BBBs que viram atores?
Tem vários exBBBs, por exemplo, que são ótimos atores, como a Grazi Massafera. Você pode não gostar do programa, o que é o meu caso, mas às vezes dali sai alguém com talento para atuar. Não é porque fez BBB que você tem que ser execrado a vida toda. Mas precisa fazer um bom trabalho.
Como é a recepção do público de São Paulo?
Sempre que venho do Rio para fazer peça aqui, tenho uma ótima relação com o público. Me lembro quando apresentei Grande Pequeno no Sesc Consolação. Foi uma reação muito exagerada, uma lembrança que tenho pro resto da vida. Foi tipo uma ovação, uma coisa muito linda. O público de São Paulo gosta muito de teatro, acompanha e frequenta, então sempre tive muita alegria de fazer aqui.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907