“Em 1958, meu pai foi trabalhar na Europa. Na época, eu pintava e me colocaram em um curso de artes na Suíça, na cidade de Lausanne. Eu tinha 18 anos.
Na escola, tive de me apresentar na secretaria. Enquanto esperava no balcão me preparando para falar francês, vi de canto de olho um rapaz muito bonito, loiro e de olhos azuis. Ele me olhava interessado. Era Raymond. Eu chamava atenção porque tinha cabelos pretos bem curtinhos. Para eles, era exótico. Um dia, enquanto esperava pela minha turma depois da aula para ir até uma cafeteria, Raymond passou e sorriu. Eu sorri de volta e perguntei se ele ia tomar café também. Ele entendeu que eu o convidava para um encontro e aceitou. Ele era doce, suave, galante. Não paramos mais de conversar. Nas próximas vezes ele já me esperava na porta do colégio. Eu me perguntava quando me beijaria. Os homens suíços não são diretos como os brasileiros. Quando ele me deixou na porta do meu apartamento, eu subi em um degrau e tasquei um beijo nele. Raymond me chamava de Mitsuko, que derivava do nome do perfume que eu usava. Tivemos um romance intenso por seis meses, mas tive de voltar para o Brasil. Meu pai não me deixou ficar. O namoro não deu certo porque perdemos contato. Nossas cartas não chegavam. Nunca mais ouvimos falar um do outro.
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Ao longo da vida, tive três casamentos, três filhos e oito netos. Estava divorciada havia catorze anos quando, em 2014, recebi uma carta em um envelope amarelo. Eu quase caí para trás quando vi quem assinava. Era Raymond dizendo que me procurava porque tinha ficado viúvo — ele ficou casado por quarenta anos e a esposa faleceu de câncer — e, quando estava arrumando as coisas dele, encontrou um isqueiro antigo com a minha foto. Eu o tinha presenteado com o objeto quando nos despedimos. Ele me deu um e-mail e finalizou com a frase: ‘Eu envio esta carta como quem lança uma garrafa ao mar’. Uma chama reacendeu em nós. Ele achou meu endereço por meio do consulado brasileiro na Suíça. Teve muita persistência porque eu tinha me mudado do Rio para São Paulo. A sorte dele é que voltei a usar meu sobrenome de solteira após o divórcio. A mão do destino nos ajudou.
Entrei em contato com ele, disse que a garrafa havia chegado à praia certa e perguntei por que me escrevia. Ele respondeu que nunca tinha me esquecido. Fiquei comovida.
Começamos a conversar por Skype e brinco que ele me conquistou outra vez. Descobrimos que os dois gostavam de arte e música clássica. Tínhamos nos tornado vegetarianos e pintores. A sintonia da juventude estava ali.
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Três meses depois, marcamos um encontro. Eu fui até a Europa morrendo de medo. Não sabia o que aconteceria. Nós nos despedimos quando jovens e nos reencontraríamos como dois velhinhos de cabelos brancos. Quando o vi, foi mágico. Eu o reconheci. Raymond tinha o mesmo jeito de andar e falar. Parecia que nós não havíamos nos separado. Ele me perguntou se podia continuar me chamando de Mitsuko.
Uma semana depois, ele me pediu em casamento. E a doida aqui aceitou. Ele pegou um anel de ouro da gaveta e colocou no meu dedo.
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Acho que, quando somos jovens, há tempo para planejar o futuro. Mas, quando somos mais velhos, não temos o que esperar. Só temos o presente.
Ele veio para cá pela primeira vez e aprendeu português. O plano era ficarmos seis meses em cada país, mas eu não aguento passar tanto tempo na Suíça. Raymond não teve filhos, então é mais fácil ele se adaptar aqui. Hoje ele usa roupas mais coloridas, deixou o cabelo crescer, está até mais bronzeado.
As pessoas pediam um livro com a nossa história, então começamos a escrever A Carta Amarela (@a_carta_amarela, no Instagram). Os capítulos da minha versão e da dele sobre nossa relação se intercalam. Até outubro deste ano ele será lançado. Nós queremos mostrar que a vida não acaba quando se envelhece e que o amor pode tardar, mas ele chega”.
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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756