“Quem nunca se sentiu automatizado numa vida sem sentido?”
Em seu primeiro solo, o ator vive no palco um figurante em crise existencial, e conversa com a Vejinha sobre questões contemporâneas

Nascido em Brasília e criado no Rio, Mateus Solano, 43, está em São Paulo com a peça O Figurante, em cartaz no Teatro Renaissance. Em seu primeiro solo em 23 anos de teatro profissional, ele vive Augusto, um figurante que vai se percebendo coadjuvante de sua própria história e, aos poucos, se rebela. “A gente está usando esta profissão para falar de uma sensação que compete a todos nós. Quem nunca se sentiu automatizado numa vida sem sentido?”, indaga. Aqueles que só conhecem o ator da TV podem se surpreender no palco com o domínio que tem do corpo e da voz — que muda para dar vida aos cinco personagens que contracenam, em áudio, com o protagonista. Nesta montagem, Solano retoma a pesquisa do teatro físico (ou essencial, em que o corpo do ator é o principal recurso cênico) e a parceria com o diretor Miguel Thiré. Junta-se a eles a atriz Isabel Teixeira, que propôs um processo de improvisação para chegar ao texto final, assinado pelo trio. Na entrevista a seguir, Solano fala do espetáculo e reflete sobre questões contemporâneas.
Que reflexões O Figurante traz?
A peça questiona: será que não estamos vivendo mais para o outro do que para nós mesmos? Quem é o autor da sua vida, você ou a sociedade, o casamento, a religião? Quanto de nós vamos deixando pelo caminho para alcançar status, aprovação, o amor do outro. A gente tem essa ilusão do protagonismo através das redes “antissociais”.
Em que sentido?
A gente vive a ilusão de que as pessoas estão nos assistindo, quando, na verdade, a gente está é atrás de like, de conquistar mais seguidores. E a de que estamos socializando na internet. A gente socializa quando sai na rua e olha no olho do outro.
Como chegou à ideia para a peça?
Sempre me interessou muito falar sobre esse teatro que a gente inventou para viver, que é a sociedade. Queria fazer esse homem atropelado pelo que ele acha que querem dele. Revelar isso para o público e mostrar: você tem escolhas.
Esse é seu primeiro solo. Como é estar sozinho em cena?
Agora é muito legal, mas durante o processo eu passei por todos os medos. O Clayton Nascimento, que está fazendo um grande sucesso com Macacos, me falou: “Mateus, você nunca vai aprender tanto quanto no monólogo”. Realmente, é uma escola. Não tem como fugir de mim mesmo. Fatalmente, esbarro com meus vícios, minhas fraquezas. Nunca me senti crescendo tanto como ator quanto agora.
Chama atenção seu domínio vocal.
A voz e o corpo são as principais ferramentas do ator e precisam estar sempre em desenvolvimento. Não me atrevo a entrar em cena sem um bom aquecimento de voz, porque os personagens que eu faço têm alcances vocais e maneiras de utilizar o aparato vocal completamente diferentes. Não foi um trabalho especifico para essa peça, mas algo que venho desenvolvendo.
Além de Miguel Thiré, a concepção contou com Isabel Teixeira, que propôs o processo que ela chama de “escrita na cena”. Do que se trata?
Nada mais do que a gente improvisar, entrar num fluxo narrativo de ideias do que queremos em cena. Primeiro, eu gravo sozinho o que me vier à cabeça. E mando para ela. Aí ela assiste, transcreve e me devolve o texto com um áudio comentando. E me provoca novamente. Depois de sete idas e vindas, chegamos a um dossiê, a partir do qual ela e o Miguel chegaram ao texto final.
Você está sem contrato com a Globo desde 2023. Algum plano para TV?
Na TV aberta, não. Fiz recentemente Juntas & Separadas, primeira série da Thalita Rebouças, que vai ao ar no Globoplay.
Mania de Você, agora no ar, tem sido criticada e amargou a pior audiência do horário nobre. Em paralelo, a Globo vem investindo cada vez mais em remakes de sucessos do passado. A novela é um gênero em crise?
Não, pelo contrário. A gente vê o sucesso das novelas coreanas, doramas, que é o que a nova geração tem buscado. Tem novelas turcas muito boas. Mas a Globo tinha um monopólio, não tem mais. E, com o Globoplay, perdeu-se também o termômetro do Ibope (que mede audiência na TV aberta). Está tudo muito pulverizado. Toda semana você entra no streaming, quer saber o que tem de novidade. Antes, você era fiel a uma novela por nove meses. O Brasil parava para assistir a um capítulo e conversar sobre ele no dia seguinte.
Em Elas por Elas, você decidiu assumir sua calvície. Por quê?
Vinha tentando há alguns personagens emplacar essa careca, até porque fica cada vez mais ridículo tentar esconder. Não deixaram. Até que no Jonas, graças à (diretora) Amora Mautner, consegui. Não esqueço ela falando: “Vamos começar com o Mateus de costas, que aparece bem a careca que ele disse que quer mostrar, e a gente ganha em comédia” (risos).
Você é uma voz importante na defesa do meio ambiente. Como isso começou e o que você faz na prática?
Eu costumo dizer que começou com a minha criação. Minha mãe me ensinou que sou filho da natureza, e não dono dela. Isso já me coloca muito distante da grande maioria, que vê a natureza como um recurso natural. Em casa nós temos composteira, reaproveitamos a água da chuva, temos teto solar, carro híbrido, nós separamos o lixo, não saímos sem sacola retornável. Evito a todo custo qualquer plástico descartável. Sou ecochato, sem medo de ser. Se me oferecem uma sacola plástica, eu faço todo o meu discurso.
O que a sociedade pode fazer?
Gosto muito dos “erres”: reduzir, reciclar, reutilizar, recusar. Repensar o consumo, a gente não precisa da metade do que compramos. Não somos mais educados para ser cidadãos bacanas, ativos socialmente, mas para ser consumidores.
Quais artistas inspiram você?
Todos aos que assisti na vida são referências e têm alguma participação no resultado do meu trabalho. Neste, tem pitadas de Jerry Lewis, Charlie Chaplin, Marcel Marceau, Jacques Lecoq, grandes estudiosos do corpo, e até Michael Jackson.
Você tem um apartamento em Perdizes. Como é sua relação com São Paulo?
Graças à Paula (Braun, atriz e sua esposa), essa coisa maravilhosa na minha vida, porque, se não fosse ela, eu falaria “para que apartamento em São Paulo?”. Mas, olha, não troco por nada. Como venho sempre trabalhar, é um pouso muito legal. São Paulo tem uma atividade cultural fervilhante. Há sempre alguma coisa muito interessante para ver.