Pretinho da Serrinha traz seu samba para São Paulo: “Eu nasci músico”
O multi-instrumentista carioca fala em primeira mão sobre a estreia da sua roda no Varanda Estaiada, a partir de outubro, do seu novo disco e de Arlindo Cruz

Não é de hoje que Pretinho da Serrinha, 46, é presença certa em grandes projetos da música brasileira. Autor de sucessos como Burguesinha, com o parceiro Seu Jorge, além de multi-instrumentista disputado para turnês grandiosas, de Marisa Monte a Lulu Santos, e produtor de discos como Xande Canta Caetano (2023), o músico carioca tem saído do fundo do palco para assumir o microfone.
Agora protagonista, leva a sua roda de samba para fora do Rio de Janeiro pela primeira vez, com uma inédita temporada em São Paulo. Nos dias 30 de outubro, 6, 16 e 23 de novembro, 7 e 18 de dezembro, o artista comandará o Samba do Pretinho da Serrinha no Varanda Estaiada, na Zona Sul.
Hit na capital fluminense — onde continuará em um novo endereço, a Varanda do Vivo Rio —, o show virou um acontecimento, com convidados ilustres em todas as edições, como Milton Nascimento e Paulinho da Viola. Aqui, o encontro seguirá com participações especiais.
A pré-venda para clientes Banco do Brasil começa no dia 18 e, para o público geral, no dia 21. Confira mais detalhes a seguir.

Por que você decidiu trazer o seu samba para São Paulo?
Tenho essa vontade desde o começo. São Paulo é um lugar muito bom de samba. Foi onde mais toquei quando comecei, entre 2000 e 2003, com o Dudu Nobre. Sempre tive um carinho grande pela cidade. Tem a Vila Madalena, o Bar Samba. Mas nunca tinha feito um evento meu, grande. E São Paulo é a porta para sair pelo Brasil com esse projeto.
Qual foi a virada de chave para você começar a pensar uma carreira solo?
Penso que o meu lado compositor provocou isso. Escrevi muitas músicas de sucesso com o Seu Jorge, e, quando chegava nos lugares, pediam para eu cantar. Então pensei em sair da percussão e ir para a frente do palco: fui. Sempre me escondi atrás do instrumento. Gosto de tocar, é a minha essência. Acho que nasci músico, por isso tive uma certa resistência. É uma decisão difícil — você está fazendo turnês com Marisa Monte, Seu Jorge, Lulu Santos, Caetano Veloso e Maria Bethânia, e decide focar no seu projeto? Nessa transição você deixa algumas coisas para trás e volta para o início da fila. Como músico e produtor, tenho um tempo na rua, um nome. Quando assumo a carreira de artista, é um passo atrás para construir tudo de novo. Mas chega uma hora que não tem jeito, o mundo te mostra o que você tem que fazer.
É atribuída a Vinicius de Moraes (1913-1980) a famosa frase: “São Paulo é o túmulo do samba”. É verdade?
No começo dos anos 2000, São Paulo tinha muito mais casas de samba que o Rio. Lembro do Terra Brasil, Consulado, Mistura Brasileira. Eram os melhores lugares. Minha referência da cidade é totalmente diferente dessa história — se teve isso, eu não vi. Não sei nem como cooperar com esse papo de túmulo. Almir Guineto, Reinaldo, Leci Brandão, todos foram morar em São Paulo.
Você começou a sua carreira ainda criança. Isso trouxe algum lado negativo?
Não me atrapalhou, porque entendi muito cedo o que eu queria ser. Estudei enquanto dava, ia à escola. Enquanto todo mundo jogava bola, eu tocava em uma lata de lixo, reunindo a galera. Não sabia soltar pipa, rodar peão. Tive infância tocando, viajando. A casca que tenho hoje, eu agradeço à rua. Foi a minha faculdade. Com dez anos, estava na quadra do Império Serrano como mestre de bateria. A música não tem jeito, você pode estudar, mas o bacharelado mesmo é a rua. Ela que ensina. Tive o privilégio de aprender muito com os mais velhos. Não tenho nada para reclamar de ter começado cedo, era o meu destino.
“A casca que tenho hoje, eu agradeço à rua. Foi a minha faculdade. Com dez anos, estava na quadra do Império Serrano como mestre de bateria”
Você tem uma memória de quando percebeu que queria ser músico?
Foi a primeira vez que entrei em um avião. Ganhando o meu primeiro cachê, saí do Rio de Janeiro, com dez anos, para fazer o Festival de Dança de Joinville. Foi ali que entendi que viver disso é legal. Porque, na minha realidade, eu nunca entraria em um avião, como a minha mãe, que morreu sem entrar.
Quais os seus próximos projetos musicais?
Estou focado no meu disco. Tem um projeto também do Arlindinho cantando músicas do Zeca e do Arlindo, que está em conversa, e, acontecendo, vou produzir. Mas agora é o meu álbum, faço muita coisa de todo mundo e sempre me coloco no final da fila. Mudei essa postura, por isso não estou na turnê de ninguém. Caetano tem mais uns oito shows em festivais, me comprometi a fazer esses. Quero lançar meu disco ainda este ano.
Arlindo Cruz (1958-2025) nos deixou na sexta-feira (8). Qual o legado dele para a cultura brasileira?
Arlindo não é muito importante só para o samba, e sim para a música. Ele ia do samba-enredo ao pagode, do samba dolente ao partido alto, misturando uma coisa na outra, sem perder nada. Fui músico dele e fizemos alguns sambas juntos. Ele não escolhia parceiro, fazia com todo mundo, participava dos shows. Vendo o Fundo de Quintal, com a partida de Bira Presidente, Ubirany, Almir, Arlindo, essa turma que ensinou tudo está indo embora. Temos que aproveitar os que estão aqui. Por isso estou sempre muito perto de Jorge Aragão, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho. São as minhas referências.
No 1o semestre, um pagode foi a música mais ouvida no streaming brasileiro, Coração Partido, do Grupo Menos É Mais. Como você vê o momento do samba?
Não acredito nessa história que o pagode em alta mata o samba. Pelo contrário. Estamos em um dos melhores momentos do samba nos últimos anos. Não é essa coisa de bater recorde nas plataformas, porque o nosso público é mais velho. Estamos na rua, fazendo números, com nossos shows, juntando gente. É como costumo dizer: tem cavaquinho, pandeiro e tantã, é tudo samba. A raiz é a mesma.
Quem podemos esperar nas suas rodas paulistanas?
Quero chamar pessoas de fora do samba também. Não se espantem se aparecer Rogério Flausino, Seu Jorge, Jota.Pê. Terão convidados todos os dias, até mais de um. A onda é essa — sem ensaio, tá? É na hora, sobe, dá o tom e vambora.
Publicado em VEJA São Paulo de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957