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Danificado há vinte anos, órgão de tubos da Catedral da Sé será restaurado

O projeto, que está em fase de pré-produção, inclui modernizações e uma nova seção que transformará o gigante no maior instrumento musical da América Latina

Por Tomás Novaes
29 mar 2024, 06h00
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O console: cinco teclados, 305 teclas e 32 pedais acionam mais de 10 000 tubos  (Leo Martins/Veja SP)
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Quase oculto por detrás das enormes colunas no interior do templo no marco zero de São Paulo, o órgão de tubos da Catedral da Sé vislumbra dias melhores.

Danificado e sem uso há mais de duas décadas, o gigante vê, finalmente, o seu plano de restauro caminhar: viabilizado pela Lei Rouanet, o projeto deve entrar na fase de execução entre junho e julho e está em pré-produção.

Fabricado sob encomenda na Itália, em 1953, o instrumento foi construído pela firma Balbiani Vegezzi- Bosi em Milão e Turim, chegou ao Brasil pelo porto de Santos e foi instalado em 1954, ano de inauguração da catedral, no entorno do altar-mor, onde permanece até hoje.

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Tubos no entorno do altar-mor: órgão está há vinte anos sem uso (Leo Martins/Veja SP)

Em seus setenta anos de história, só esteve em plena atividade por apenas três décadas. “Nos anos 80, ele parou de funcionar. Foi feito um reparo que lhe permitiu operar até 2002, mas não plenamente. É como um organismo vivo: extremamente desafiador manter cada parte e o todo funcionando bem”, diz Camilo Cassoli, produtor cultural que dirige o projeto de restauro.

Segundo ele, o que explica o estado atual do órgão é, principalmente, a falta de manutenção. “Se você precisa levar um carro todo ano no mecânico, imagina um instrumento desse tamanho”, compara.

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Enquadrada no início de 2020 na lei federal de incentivo à cultura, a proposta inicial previa a desmontagem e o envio do órgão para a Itália, empreitada que previa um custo de 9 milhões de reais.

Após a pandemia, com dificuldades de captação, o projeto foi redesenhado para ser feito na capital mesmo, pela empresa Rigatto & Filhos. A ideia é que o instrumento seja desmembrado e suas partes recuperadas num edifício próximo à catedral.

O valor arrecadado até o momento, cerca de 3,2 milhões de reais, equivale a pouco mais da metade do necessário para deixar o colosso novo em folha, e é resultado de doações de pessoas físicas e aportes de empresas privadas.

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Outra seção do instrumento: restauro deve começar no meio deste ano (Leo Martins/Veja SP)
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“O cenário da captação nos últimos meses tem sido bastante interessante. Imagino que até o meio deste ano a gente comece concretamente o reparo”, detalha Cassoli.  O montante atual permite o início dos trabalhos, mas a arrecadação segue aberta para completar o valor.

Além da desmontagem, do restauro completo do sistema pneumático, da limpeza e requalificação de cada tubo, da troca de 6 500 membranas, da descupinização das madeiras e do recondicionamento da parte elétrica, o instrumento ganhará uma nova seção. Somados aos mais de 10 000 tubos atuais, serão fabricados e instalados aproximadamente outros 2 000.

As adições, que ocuparão o coro sobre a porta principal da igreja, farão dele o maior instrumento musical da América Latina, superando os 11 130 tubos do órgão da Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora, no município de Niterói, no Rio de Janeiro.

“Uma das funções será preencher lacunas que dificultam a fruição do som, para que ele consiga se espalhar da melhor forma possível. Estamos falando de uma catedral neogótica que tem uma cúpula, o que é bastante incomum. No próprio processo de construção, existiam muitas dúvidas sobre onde o órgão deveria ficar”, explica o produtor.

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O interior da catedral: ao fundo, o altar-mor, onde está o órgão (Leo Martins/Veja SP)

O projeto também prevê modernizações, como a inserção de sistemas de programação e um segundo console na nave da catedral, onde será possível ver o organista em ação — o teclado original fica nos fundos do altar-mor, no 1º andar.

O plano é que o instrumento ganhe destaque em programações culturais, como concertos solo, de câmara e com orquestra. “Existem outros locais onde a música clássica é oferecida na cidade, como o Theatro Municipal e a Sala São Paulo, mas ambos requerem um investimento. Na catedral, cujo público é majoritariamente de classe baixa, o órgão soará gratuitamente para a população”, afirma o padre Luiz Eduardo Pinheiro Baronto, cura da Sé.

Enquanto o órgão não volta a ressoar, estão previstas ações como a campanha Adote um Tubo, através da qual pessoas físicas e jurídicas podem fazer doações e viabilizar o conserto de cada peça, com benefícios que incluem ter o nome gravado em uma placa permanente na basílica.

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Além disso, tanto a oficina quanto o espaço onde ele será reinstalado funcionarão como um “canteiro aberto”, com visitas guiadas e outras atividades. “Todas as grandes catedrais do mundo têm o seu órgão, porque é o instrumento musical que está na história da música litúrgica desde os primórdios. Ele tem, por excelência, a capacidade sonora de produzir uma música que eleva a alma”, conclui o padre.

Publicado em VEJA São Paulo de 29 de março de 2024, edição nº 2886

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