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“O tráfico e a dependência não serão vencidos à bala”, diz Flávio Tolezani

Após se destacar na Globo, o ator paulistano vive em DOM a história de Victor Lomba, pai do jovem carioca usuário de cocaína que se tornou o “bandido gato”

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h59 - Publicado em 25 jun 2021, 06h00
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  • O ex-policial Victor Lomba passou anos insistindo com o diretor Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) que transformasse em filme a história vivida por sua família. Lomba era o pai de Pedro Dom, um jovem carioca usuário de cocaína que ficou conhecido como o “bandido gato”, autor de assaltos cinematográficos a mansões do Rio nos anos 2000.

    Quando, enfim, as filmagens da série DOM (Amazon Prime, dirigida por Silveira) estavam para começar, em 2018, Lomba morreu vítima de câncer de pulmão. “Não cheguei a conhecê-lo, lamento por isso”, diz o paulistano Flávio Tolezani, 43, que fez Verdades Secretas e O Outro Lado do Paraíso, e interpreta Lomba na série recém-lançada.

    Como tem sido se virar profissionalmente na pandemia?

    Meus problemas são pequenos perto daqueles vividos pela maior parte da população, mas as dificuldades do setor são enormes. A classe artística sempre foi desvalorizada, neste governo (de Jair Bolsonaro, sem partido) mais ainda, e com a pandemia foi relegada ao nada. Sou do teatro e fiquei muito sem ter o que fazer no período.

    Amazon Prime, Netflix e outros streamings investem pesadamente em séries feitas no Brasil. Isso vai transformar a produção nacional?

    Esses serviços já são de extrema importância para o país. Não apenas por abrirem um mercado de trabalho que permite ao setor um exercício contínuo da profissão, mas porque a gente vivia reverenciando as séries de fora, afinal não existia aqui um conteúdo local suficiente para equilibrar a concorrência. Isso já mudou. Séries como DOM são do tamanho das europeias ou americanas.

    Como comparar a repercussão de uma série de lançamento global à das novelas que você fez?

    É muito louco, para quem é de uma geração pré-internet, ter um trabalho de alcance mundial. Neste momento de terra arrasada, é tão bom receber mensagens da Índia, da Itália… Ou ver revistas internacionais que você lia desde pequeno que agora escrevem sobre sua série. Mas não se pode esquecer da sua realidade. Manoel de Barros disse: “Meu quintal é maior que o mundo”. Apesar de poder sonhar com o mundo, nunca posso esquecer do meu quintal. Só dessa forma vou alcançar o mundo.

    DOM recebeu elogios de profissionais como Fernanda Montenegro. O que “deu liga” na série?

    Houve um trabalho intensivo antes de começarmos a gravar. Ficamos um mês em preparação, o que é raro no audiovisual, porque envolve custos. Fizemos desde salas de ensaio até preparos como aulas de direção de moto, surfe e mergulho.

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    Mas o principal foi o olhar do Breno (Silveira, diretor), sempre focando as relações humanas. Além disso, a história real (que inspirou DOM) era sensacional. Tem passagens tão surreais que a ficção seria incapaz de criar.

    Também houve críticas. Uma delas é que a série se refere às favelas como um lugar onde só acontecem coisas ruins. Seu personagem, por vezes, se queixa: “Meu filho está na favela”. Você concorda com esse ponto?

    Acho que não. Porque está contextualizado. O personagem fala dessa forma porque sabe o que está acontecendo com o filho lá. Sabe que ele estava lá se drogando. É como falar “ele está no bar” sobre alguém que tem dependência de álcool.

    Vi outras queixas sobre apologia ao crime, com as quais também não concordo. A gente conta uma história (real), o Dom fez tudo aquilo. E a série mostra as consequências.

    A série retrata a “guerra às drogas” no início dos anos 2000. O que mudou, de lá para cá, nessa questão?

    Ah, só piorou. É uma tristeza. Hoje as milícias se misturam com a venda de drogas, o descontrole é muito maior. A ausência do Estado gerou esse problema e, agora, o Estado se mistura com as milícias. Nada evoluiu e está cada vez mais difícil uma solução. Nem o tráfico nem a dependência química serão vencidos à bala. Mas o Estado segue agindo dessa forma, a se ver o massacre de Jacarezinho e as notícias de toda semana.

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    Que mensagem você gostaria que a série deixasse sobre o uso de drogas?

    Grande parte das mensagens pessoais que recebo é de pessoas que tiveram parentes dependentes, ou que se envolveram com as drogas. Muitas dizem: “Obrigado, estou vendo minha história ser contada”. Acho que a mensagem fundamental é: tudo tem consequências. No caso das drogas, elas envolvem a família. Para os pais, a mensagem é que fiquem atentos aos sinais. É muito difícil a paternidade, não existem regras.

    Você é paulistano e mora em São Paulo. Na série, faz um carioca, mas não tem o sotaque típico do Rio de Janeiro. Houve discussão sobre isso?

    Essa questão surgiu ao longo dos ensaios. Era uma equipe de cariocas e uma história sobre um carioca. Eu cheguei como um paulista que precisava virar um carioca. Houve várias discussões e buscamos algo neutro, que não se localiza.

    O Victor (real) era um cara que viajava pelo Brasil todo e precisava se disfarçar, porque era um policial infiltrado. Não agregaria nada se eu fizesse um carioca que beirasse o estereótipo. A neutralidade é um “todos juntos”, é mais potente que localizar. Vi vídeos do Victor (real) e ele tinha esse tom mais neutro mesmo.

    O que o marcou nesses vídeos?

    A dor. Acho que o Breno escolheu trechos específicos para me mostrar justamente essa dor. A perda que aquele pai sofreu tinha acontecido fazia tempo, então os vídeos poderiam soar quase como um relato frio. Mas essa frieza era um embrutecimento do Victor, por ele não ter conseguido resolver sua perda. O Tony Bellotto (músico e autor de um livro sobre Pedro Dom) me falou isso: a dor e a culpa daquele pai são coisas que ele nunca conseguiu abandonar. O último recurso (do Victor) foi contar sua história para o Breno e propor um filme ou série.

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    O Victor morreu, vítima de um câncer, pouco antes de a série ser gravada. Como isso afetou o trabalho?

    Ele chegou a saber que a série tinha sido aceita pelos produtores. Morreu sabendo disso: que sua história seria contada. Não cheguei a conhecê-lo pessoalmente. Lamento por isso. Adoraria que ele pudesse ver a série, que tivéssemos tido momentos juntos. O personagem poderia ter sido construído mais em cima dele, dos gestos dele.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 30 de junho de 2021, edição nº 2744

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