Geração Z adota câmeras, vinis e cartas em busca de experiências mais pessoais e menos telas
Nova onda de jovens nostálgicos movimenta mercado de antiguidades em São Paulo

Foi-se o tempo em que mensagens levavam dias para chegar pelo correio, ou em que uma fotografia era aguardada com ansiedade enquanto era revelada em um laboratório. Hoje, tudo é instantâneo, está a um clique de distância e sempre disponível em uma pequena tela que cabe no bolso.
Mesmo com todos os avanços, cada vez mais jovens têm abraçado tecnologias nostálgicas — câmeras digitais e analógicas, vinis e até mesmo cartas. Os motivos variam: alguns querem fugir do vício nas telas, outros, prevenir furtos de celular, mas todos compartilham do desejo de dar mais fisicalidade e individualidade a atividades do cotidiano. A imperfeição — um disco riscado, uma câmera engatada, um erro ortográfico rasurado — e mesmo o tempo mais lento passam a ser, inclusive, admirados. “O legal do vinil é o chiado. É a coisa suja, o ruído, o disco travado”, opina Theo Ceccato, 25, baterista da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo.
Além de “colecionador de discos compulsivo”, nas suas próprias palavras, ele é um verdadeiro jovem analógico. Para entrar em sua casa, cuja campainha não funciona, o visitante é convidado a bater palmas na calçada, gesto que nos transporta para o interior, em meio à agitada Avenida Pompeia. Outra opção seria comunicar a chegada pelo WhatsApp, mas é melhor evitar: ele odeia mensagens e só baixou o aplicativo em 2019, quando o isolamento digital ficou inviável por causa do trabalho. Ainda hoje, Theo prefere ligação a mensagens. “Estava querendo parar de usar celular, mas desisti, porque aí não consigo ouvir música na rua”, conta.

A paixão pelo vinil tem mais a ver com apreço por coleções que com purismo musical. “Não tenho esse fetiche com qualidade de áudio. Música tem que ser escutada, não importa de qual jeito”, defende. “E tem músicas que ficam piores no vinil e outras que ficam melhores”, completa. O que mais o atrai nos discos é a materialidade do som. “Gosto de ficar vendo o encarte, analisar a capa”, conta. Ainda assim, não dispensa a caixinha de som JBL e também ouve músicas pelo celular. “Não ia conseguir viver só de vinil, não é prático.”
Seu arsenal — que hoje soma 444 discos, catalogados e organizados por ordem alfabética na estante da sala — começou a ser montado em 2011, quando encontrou alguns álbuns na casa da avó. “Eles são filhos pra mim”, confessa. E a coleção não para de crescer: “Sempre que viajo, ou sobra um dinheiro no mês, dou um jeito de comprar mais alguns”. Mas se, por outro lado, a conta no banco está mais vazia, ele calcula o caminho meticulosamente para não ter de passar na frente de alguma loja — um passeio inofensivo poderia culminar em um desfalque financeiro.
A câmera digital também tem surgido no Instagram e na vida noturna da cidade. Os modelos variam — desde a clássica Cyber-shot da Sony até modelos mais elaborados da Canon — nas mais diversas cores. Adriele de Tília, estudante de psicologia de 19 anos, faz parte dessa nova onda. O que a levou ao equipamento foi, antes de tudo, a qualidade da foto e a possibilidade de se desprender do smartphone. Para ela, a tecnologia lembra a infância. “Minhas fotos de criança, todas, têm esse efeito que tenho hoje nas imagens tiradas com minha câmera”, lembra a moça, que começou a fotografar com uma Kodak digital aos 17 anos.


Na folia carnavalesca, onde furtos são mais regra do que exceção, as máquinas também funcionam como um recurso de segurança para proteger os smartphones, sempre carregados de dados pessoais. Mas não para Adriele. “Às vezes tenho mais medo de roubarem minha câmera do que meu celular”, diverte-se. Hoje, um modelo simples pode ser encontrado por 500 reais em lojas como a Khai For You. As mais elaboradas podem chegar a 9 000 reais.
Quem também tem surfado a onda nostálgica é o editor de vídeo Nicolas Klinke, 27, apaixonado por fotografia analógica. Desde 2021, ele não sai de casa sem levar uma das suas quinze câmeras. “Amo a ideia de parar para fotografar e não aparecer uma mensagem do WhatsApp”, diz. O hábito surgiu no período de reabertura após a pandemia. “Sair de casa era um evento, e eu queria registrar tudo.” O ritmo desacelerado da fotografia analógica é um dos aspectos que mais o encantam. No laboratório que frequenta — onde chegou a trabalhar por três meses — o processo de revelação demora cerca de quinze dias. “Quando chegam as fotos, parece que é Natal. Tem um monte que você esquece, então vira uma surpresa”, conta.

Assim como no caso do vinil, as “falhas” o seduzem. Ele lembra de um episódio curioso em que o filme ficou travado na câmera. “Fiquei tentando tirar ou voltar com ele. Nessa história, a câmera tirou três vezes a mesma foto, e ficou um efeito superdiferente.” (Veja na foto acima.) Outro aspecto que valoriza é a materialidade das imagens. “Guardo os negativos comigo, assim tenho essa foto de uma forma física. Se amanhã meu computador der um pau, eu ainda consigo recuperá-la.”

Vendedor de câmeras analógicas há doze anos, Denis Chiaverini confirma a popularização da prática. Ele chega a vender trinta unidades por mês em seus estandes nas feiras da Benedito Calixto e do Bixiga — há quatro anos, a média era de dez. “Tenho vendido para muitos jovens, pessoas entre 20 e 30 anos, especialmente mulheres.” Mas o hobby não é barato. Segundo ele, o preço de uma câmera analógica pode variar de 100 a 30 000 reais, mas a média de um bom equipamento fica em torno de 1 500 reais. E, com o aumento da procura, os valores tendem a subir, afinal, a maioria dos modelos não é mais produzida há muito tempo. Somamse ao custo da máquina a compra de filmes e a revelação — que no caso do Nicolas, por exemplo, consomem entre 500 e 600 reais de seu orçamento mensal.

As cartas também entraram no radar de alguns jovens em busca de conexões mais humanas e menos imediatas. Luis Felipe Teixeira, biólogo de 24 anos, começou a escrever para a namorada durante um intercâmbio pela faculdade, no Peru. “Tinham muitos outros jeitos de falar com ela, mas optei pelas cartas. Acho legal não ser tão imediato, e sinto que é algo mais livre, que carrega mais subjetividade, por ter minha caligrafia lá”, conta, lembrando que costumava fazer desenhos no canto das páginas — o que não seria possível em outros canais de comunicação cotidianos.
Apesar de nenhuma correspondência ter se perdido pelo caminho, já aconteceu de ele chegar ao destino antes da remessa. “Perde um pouco o sentido”, ri ele, que ainda assim não desistiu do hábito. “Mandar cartas é um gesto”, resume.
Publicado em VEJA São Paulo de 18 de abril de 2025, edição nº2940.