“Quando Thais entrou no departamento jurídico da empresa em que eu trabalhava, o diretor fez uma dança das cadeiras e misturou as equipes. Acabei sentando ao lado dela. Eu era estagiária e ela, advogada. Ambas comprometidas na época, nos tornamos amigas. Éramos fãs das mesmas coisas nerds — como Harry Potter e Star Wars — que os outros colegas não se interessavam. Eu me apaixonei rápido e depois descobri que ela também gostava de mim. Thais percebeu que, se ela se sentia atraída por outra pessoa, não fazia sentido continuar no relacionamento em que estava.
Por coincidência, terminei meu namoro e três meses depois ela rompeu com o casamento. No dia seguinte ao término, menti que teria uma comemoração em casa e que iria buscá-la. Convidei minha melhor amiga, seus irmãos e respectivos namorados para fingir um “fim de festa”. Acabamos nos beijando pela primeira vez.
Eu levei flores no nosso primeiro encontro e, quando a vi, Thais também trazia um buquê. É engraçado como somos iguais. Frequentávamos os mesmos lugares e tínhamos amigos em comum, mas nunca nos cruzamos antes. Não queríamos engatar algo sério. O plano era só dar uns beijinhos, mas não deu muito certo. Em duas semanas, ela me pediu em namoro na montanha-russa do Hopi Hari. Ela cogitou a roda-gigante, mas seria óbvio demais.
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Thais começou a me levar até a faculdade e dormíamos quase todas as noites juntas. A família dela demorou para aceitar nossa relação por causa do divórcio recente. Minha mãe esperava que eu me casasse com um homem e os amigos do meu pai ligavam prestando condolências, como se eu tivesse morrido. Passaram-se alguns meses até perceberem que nada mudou e que Thais cuidava de mim melhor do que ninguém. Eu tenho hepatite autoimune e é ela quem me acompanha durante crises e internações.
Um ano depois, ela me pediu em casamento na Disney durante a queima de fogos do parque Magic Kingdom. Na cerimônia, nós nos arrumamos juntas, entramos ao som da música do Toy Story, Amigo Estou Aqui, e nossos padrinhos nos casaram. Dei de presente a ela o gigantesco processo de adoção preenchido. Nós duas sempre sonhamos em ser mães, mas Thais não queria engravidar e, se eu engravidasse, seria um risco por causa da minha condição.
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Levamos a papelada ao fórum e, depois das entrevistas, não passamos na primeira fase do processo. A psicóloga disse que não tínhamos expectativas reais porque falávamos de amor incondicional, uma realidade incompatível com as crianças do sistema, que sofreram traumas. Ficamos devastadas.
Durante a pandemia, começamos a participar dos grupos de apoio on-line do processo e descobrimos que muitas pessoas não passam de primeira. Fomos mais preparadas na segunda tentativa.
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Nosso filho chegou mais rápido do que pensávamos. Cancelamos uma viagem ao Japão e transformamos nosso closet no quarto dele. A genitora do Daniel era haitiana, teve depressão e morreu de tuberculose. A família dele no Haiti e nos Estados Unidos não o queria. Ele passou os dois primeiros anos de vida dentro do berço e só falava francês. Não sabia mastigar nem andar. Pensavam que ele tinha algum tipo de deficiência intelectual. Quando o conhecemos, nos apaixonamos. Fizemos todos os exames médicos possíveis. Daniel só precisava de estímulos. Ele nos chamou de mãe logo no primeiro dia. Com a ajuda de uma piscina, ele deu os primeiros passos e com o tempo aprendeu português.
Alugamos uma casa maior e antiga para reformá-la juntas. Thais aprendeu a trocar pisos pelo YouTube, enquanto eu pinto as paredes e decoro os ambientes.
Agora estamos no processo de adoção da nossa futura filha. Ela também será preta para que Daniel não seja minoria até dentro de casa e tenha uma companheira nas lutas que ainda viverá.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759