Quando a quarentena começou, o escritor Vinícius Neves Mariano, 35, estava inquieto. “O que mais me assustava era a falta de controle e a ausência de perspectiva. Eu precisava descansar minha mente em um futuro, ainda que fosse imaginado”, explica o rapaz. Desse incômodo nasceu a ideia para o livro Nenhum Futuro Próximo, uma coletânea gratuita de dezoito contos lançada exclusivamente no Instagram. Para ler a íntegra das histórias imaginadas por Neves, basta acessar o perfil @nenhumfuturoproximo na rede social e clicar em sequência nas imagens do feed. Simples assim.
Os textos são inspirados em temas destacados por notícias publicadas durante o período de isolamento, como o movimento Black Lives Matter (em português, Vidas Negras Importam), os novos protocolos sanitários e a corrida mundial em busca de uma vacina para a Covid-19. No futuro proposto por O Beijo em Arandir, por exemplo, todas as demonstrações físicas de afeto foram extintas. Por essa razão, o último beijo do mundo é registrado em uma fotografia e exposto em um museu.
O processo de escrita levou cerca de dois meses, e a versão final foi publicada em agosto. Os contos, curtos e ácidos, provocam os leitores, que interagem com a história nos comentários. A opção do formato nasceu de uma brincadeira. “O primeiro motivo é que eu sei quão demorado é o processo de lançar um livro, principalmente neste novo contexto. Mas eu também queria fazer uma brincadeira com o tal ‘novo normal’ e os ‘Nostradamus’ da nossa geração, que sempre preveem o fim de uma tecnologia quando uma nova é lançada”, explica o autor. Por enquanto, não há planos de novos livros no mesmo modelo.
A paixão de Vinícius pela escrita começou na infância, ao observar os hábitos vorazes de leitura dos pais. Formou-se em publicidade, mas a paixão por produzir ficção o fez migrar para a área de audiovisual, em que atua escrevendo roteiros para televisão e cinema. Em 2019, recebeu o Prêmio Malê de Literatura (organizado pela Editora Malê e destinado a jovens escritores negros) pelo romance distópico Velhos Demais para Morrer. O livro imagina um mundo em que o número de idosos atinge proporções alarmantes e as pessoas são proibidas de envelhecer. Originalmente pensado como e-book, deve ser lançado em volume físico em novembro deste ano.
Para os escritores recém-revelados pela quarentena, a dica do autor é construir uma rotina que favoreça o momento de produção. “Escrever é um mergulho, quase uma apneia. É preciso descer muito para chegar àquele ponto dentro de você, então a rotina facilita esse exercício”, avalia.
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Publicado em VEJA São Paulo de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707.