Museu em Campos do Jordão conta um século de história por meio de carros raros
Inaugurado nesta quinta-feira (28), CARDE faz diálogo com as artes nacionais
Em 2023, o arquiteto e multiartista Gringo Cardia recebeu o desafio de desenvolver um museu do automóvel em Campos do Jordão. “Ouvi a proposta e pensei: museu de carro? Que coisa mais sem graça. Mas, quando visitei o lugar, vi um Belcar parecido com o modelo que meu pai tinha durante minha infância. Aquilo me emocionou e entendi que tudo o que emociona vale a pena”, lembra Gringo, que tem no portfólio a concepção de mais de doze museus, como a Casa do Rio Vermelho, em Salvador, memorial dedicado a Jorge Amado e Zélia Gattai.
Desafio aceito, nasceu o CARDE — Carro, Arte, Design e Educação, aberto no dia 28 na cidade serrana e idealizado por Luiz Goshima, diretor da Fundação Lia Maria Aguiar, que atua há dezesseis anos com projetos educativos para jovens e crianças.
A proposta ousada de Goshima surgiu em 2018 do desejo de integrar a história dos automóveis com a arte, a cultura e o design que marcam o DNA do país. “Sou apaixonado por carros, mas o CARDE vai além disso. Nossa preocupação é com a narrativa histórica que construímos. As peças dialogam com a cenografia propostá pelo Gringo”, conta.
O espaço, rodeado por uma floresta de araucárias, é composto por nove salas, onde se descortina a história do Brasil de 1889 (ano da proclamação da República) a 1991, destacando a ousadia de visionários como João Augusto Conrado do Amaral Gurgel (1926-2009), que projetou em 1975 o primeiro carro elétrico nacional, e o inventor Santos Dumont (1873-1932).
Expostos no percurso, 100 automóveis de épocas diversas, parte da coleção da fundação, ajudam a ilustrar os marcos temporais. “Temos 500 veículos. A exposição será rotativa, mas sempre pensando na integração com o conteúdo das salas. O público também terá participação nisso. Vamos disponibilizar todo o acervo em forma de holograma e as pessoas vão poder escolher as substituições”, conta Goshima.
Com foco no diálogo com as artes, o acervo inclui peças de Candido Portinari, Di Cavalcanti, além de joias da coleção de Emanoel Araújo. “Tinha esse objetivo de mostrar a história do Brasil, mas sem ser piegas, com discernimento crítico. Não é um museu chapa-branca, nem de luxo. Por exemplo, temos uma sala toda colorida inspirada no pop americano, mas colocamos uma parede de naïfs brasileiros. De primeira, as pessoas estranham, parece não fazer sentido, mas desafia a pensar”, afirma Gringo Cardia.
As provocações começam ainda no hall de entrada, onde o público é recebido pela instalação de Rudá Jenipapo, artista indígena do Ceará, e obras de 200 crocheteiras do Instituto Proeza, de Brasília, coroando um Uirapuru, carro criado em 1964 pela Brasinuca, suspenso.
A ousadia do projeto foi embasada numa extensa pesquisa conduzida por Cardia e pela historiadora Heloisa Starling. Com a intenção de trazer a juventude de Campos do Jordão para dentro do museu, a equipe capacitou alunos matriculados na fundação como guias do CARDE. “O museu foi feito para Campos do Jordão e queremos que ele seja ferramenta de ensino da rede pública”, indica Luiz Goshima.
CARDE. Rua Benedito Olímpio Miranda, 280, Alto da Boa Vista, Campos do Jordão.
☎ (12) 3512-3547. Qui. a seg., 10h/18h. R$ 120, 00.
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921