Mostra no Museu da Energia reúne retratos de judeus
Retratados foram amparados por instituição de combate à fome no Bom Retiro
Menachen Mendel Mukasiey diz que nasceu corintiano, embora nem sequer seja brasileiro. “Sou sofredor desde o primeiro instante de vida e estava destinado ao Timão desde cedo”, afirma. A brincadeira ajuda a esconder a dor de uma biografia trágica. Ele nasceu em abril de 1944, no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Ali, os nazistas mataram, segundo estimativas, pelo menos 1 milhão de pessoas durante a II Guerra Mundial.
Menachen é filho de pai russo e mãe polonesa, que chegou ao campo grávida de gêmeos. O irmão acabou pisoteado logo após o parto, enquanto ele foi escondido debaixo de panos velhos e sobreviveu. O frio e as péssimas condições dos primeiros meses de vida o deixaram com uma sequela na perna esquerda, que limitou seus movimentos desde pequeno.
Permaneceu escondido até a libertação do campo pelo Exército soviético, em janeiro de 1945. Passou por Israel antes de chegar ao Brasil com a família, em 1949. Aqui, fez curso técnico de eletrônica e pulou de emprego em emprego ao longo da vida, em fábricas têxteis e pequenas lojas.
Hoje, aos 69 anos, vive no Bom Retiro com a mulher, a argentina Flora, e a filha, Gisele, e depende de doações de amigos para se manter. “O passado me atormenta à noite, como se uma faca me cortasse por dentro”, conta, emocionado. Ele é um dos dezenove personagens (três deles já falecidos) retratados pela artista plástica Ofra Grinfeder na exposição Bom Retiro: Relatos — Retratos, em cartaz a partir de terça (17) no Museu da Energia, em Campos Elíseos.
O projeto de Ofra, feito em parceria com a professora aposentada Itanira Heineberg, responsável pelos textos do catálogo, inspira-se no trabalho do Ten Yad (“estender a mão”, em hebraico), instituição beneficente israelita de combate à fome criada em 1992. Seus inúmeros projetos incluem doações e programas de moradia popular. Na sede do Ten Yad, no Bom Retiro, cerca de 350 pessoas se alimentam diariamente em um refeitório comunitário.
Estão à disposição também serviços de berçário, assistência social, enfermaria e um auditório para assistir a filmes. “Faz parte da própria filosofia de vida judaica ajudar quem está necessitado”, afrma o rabino David Weitman, diretor da organização.
Foi no refeitório do Ten Yad que Ofra e Itanira começaram a abordar, em 2010, as pessoas que aparecem nas pinturas. “A partir de fotografias, a pintora fez as telas. Longas entrevistas foram editadas para que se tornassem pequenos relatos sobre a vida de cada retratado. Na maioria das situações, os personagens chegaram a viver um bom momento financeiro no passado, mas decaíram aos poucos. “Achamos que eles reagiriam mal à abordagem, mas logo se abriam. Queriam ser ouvidos”, lembra Itanira. No total, a exposição reúne 24 quadros, pois houve quem preferisse permanecer anônimo.
Não foi o caso de Diana Victoria Aljadeff, conhecida como Vicky. Aos 62 anos, ela frequenta o Ten Yaddes de 1998. Nascida na Argentina, chegou ao Brasil em 1979, depois de morar dois meses em Israel. Embora atue como vendedora, antigamente de CDs e hoje de produtos de beleza, ela tem como grande paixão os musicais dos compositores americanos Leonard Bernstein e Stephen Sondheim.
Vicky é soprano e estuda canto lírico. Além de cantar em casamentos, participa do grupo Poetas, Cantores e Declamadores Independentes de São Paulo, que às vezes se apresenta na Biblioteca de São Paulo, instalada onde funcionava o presídio do Carandiru. Ela julga que nunca conseguiu estabelecer uma carreira na área musical por sofrer da síndrome de Tourette, um problema neurológico que causa tiques nervosos intensos. “Essa doença me prejudicou muito”, lamenta. São histórias como essa que o projeto ajuda a resgatar.
- Bom Retiro: Relatos — Retratos. Museu da Energia de São Paulo. Alameda Cleveland, 601, Campos Elíseos,☎ 3333-5600. Terça a sábado, 10h às17h. Grátis. Até 15 de outubro. A partir de terça (17).