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Jovens colecionadores de arte montam acervos pessoais sem gastar fortunas

Paulistanos com menos de 40 anos que não trabalham no meio revelam como constroem suas coleções

Por Tatiane de Assis e Tomás Novaes
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h04 - Publicado em 29 abr 2022, 06h00
Imagem mostra dois homens, um sentado, vestindo uma camiseta branca, e o outro em pé, ao fundo, vestindo roupas verdes. Ao redor, uma sala com parede de madeira e quadros à mostra
Teodoro Bava (sentado) e Eduardo Baptistella: trabalhos de Ubi Bava (na estante) e Desali em casa. (Leo Martins/Veja SP)
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No senso comum, o imaginário sobre o meio das artes visuais é muitas vezes sinônimo de transações milionárias e muito glamour. Essa atmosfera se aplica, por consequência, ao estereótipo de quem seria um potencial colecionador de obras: pessoas com alto poder aquisitivo e, muitas vezes, na maturidade. Contudo, isso tem mudado nos últimos anos, com o surgimento de uma nova geração de pessoas montando o próprio acervo.

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A priori, essa categoria é definida pela idade: são pessoas de até 40 anos. Isso, de acordo com o critério adotado nos relatórios feitos pela Larry’s List, agência de produção de conteúdo sobre colecionismo contemporâneo, com base em Hong Kong e de renome na área.

Há mais elementos que ajudam a delinear esse grupo. Parte desses iniciantes preza pela diversidade, ou seja, foca a produção de mulheres, da comunidade LGBT+, negros e indígenas. Esse olhar múltiplo também se estende à escolha de linguagens usadas para conceber as obras, segundo também a Larry’s List.

Essa turma gosta de pintura e escultura feitas por nomes com formação acadêmica, mas também aposta em cerâmicas e outros objetos de criadores que construíram sua trajetória, primeiramente, nas ruas. É o caso de Ronei Teixeira, que adquire as peças de seu acervo a partir da observação atenta de grafites nos muros da cidade.

Uma parcela desses amantes de arte, vale dizer, já tinha os pais donos de coleções, como ocorre com Ana Isabel Ferreira Alves de Madach. Há, porém, gente que começou sem o estímulo da família, a partir do cotidiano profissional, caso de Erick Santos. Ele foi, por dezessete anos, conservador do Masp.

Não faltam no conjunto aqueles que acreditam que obras certificadas digitalmente por NFTs podem ampliar muitos as possibilidades. Essa é a opinião de Sofia Derani, colecionadora e líder dos patronos jovens do mesmo Masp.

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Independentemente da trajetória, esses nomes têm atitudes parecidas. Sempre se munem de informações sobre a área na mídia e intensificam a pesquisa tendo relações com atores do meio, sejam galeristas, críticos ou curadores — às vezes, fazem até contato direto com artistas pelas redes sociais.

Abaixo, conheça mais sobre esses novos colecionadores e se inspire, caso queira montar o próprio acervo:

Das ruas para a sala

É com olhar atento que Ronei Teixeira, 37, transita por São Paulo. Nas paredes, muros, fachadas, toda arte de rua que desperta seu interesse marca o início de uma busca. Pelo Instagram, contata os artistas e, depois de muito papo, consegue trazer os autores dos grafites da paisagem urbana para a sua sala de estar.

Imagem mostra homem careca segurando diversos quadros de graffitti.
Ronei Teixeira, 37: amante de street art. (Leo Martins/Veja SP)

“Eu não considero uma coleção, considero uma paixão. Compro porque eu gosto”, conta. Técnico de cabeamento, filho de baianos, fã de histórias em quadrinhos e também artista nas horas vagas, Teixeira transformou sua casa em Parelheiros, extremo sul da capital, em quase uma pequena galeria de street art, com mais de sessenta obras.

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“Eu não sabia que dava para ter um universo desses em casa”, diz ele, que preencheu o térreo, desde a garagem até as paredes da sala, com telas. O movimento é recente: começou a adquirir as obras, a grande maioria diretamente dos autores, em 2020. Desde uma peça do grafiteiro Ignoto, conhecido pelo personagem Azulão, feita sobre um desenho do filho pequeno, até outra do artista paulistano Kuêio feita sobre uma tela rasgada.

Ronei reúne, acima de tudo, boas histórias. “Eu gosto de ter coisas especiais, que têm uma história por trás”, diz ele, que é atraído tanto por prints como por séries únicas. Também fazem parte da coleção obras de artistas como Andy Houp, Tarik Klein e Quinho. Vender peças nem passa perto de seus planos — ele só pensa em aumentar a coleção, inclusive com esculturas: “Quero encher toda a minha casa de obras. Não só arte de rua, mas outras formas artísticas também”.

Entusiasta de NFTs

“Não tem mais espaço, eu já invadi o teto de casa, estou pendurando obra de arte na janela, já tá dando até agonia”, conta a publicitária Sofia Derani, 29, que tem um jeito de falar animado e mora em um apartamento amplo em Cerqueira César.

Imagem mostra mulher de roupa estampada marrom e laranja apoiada sobre bloco de mármore. Em cima do bloco, um urso vermelho de porcelana. Na parede, pinturas, e, no canto inferior direito da imagem, um sofá com almofadas laranjas.
Sofia Derani, 29: publicitária e entusiasta de NFTs. (Leo Martins/Veja SP)

Ela se define como uma “fomentadora cultural”. Nesse papel, apresenta em seu perfil no Instagram, o programa Shot de Arte, com fotos e entrevistas em vídeo sobre o meio artístico. Além disso, é líder da geração de jovens patronos do Masp.

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“Penso no cuidado com o museu e seu futuro como uma responsabilidade coletiva. Quem pode estar amanhã na cadeira do conselho é a minha geração, é preciso, então, desde já se envolver com a atividade cultural”, defende ela. Os avós e pais mantinham coleções, mas ninguém era tão entusiasmado quanto Sofia. Ela começou seu acervo particular aos 14 anos. Hoje, quinze anos depois, tem mais de três dezenas de obras.

O conjunto bebe da liberdade da street art e de outras vertentes da arte contemporânea. É possível encontrar no acervo OSGEMEOS, Spetto, Cranio e Nunca. A distribuição dos trabalhos é pensada com carinho. “O Presto já expôs com o Cranio, então eu coloco as obras deles juntas. Gosto de fazer sempre essa sinergia, para tudo ter uma harmonia dentro de casa”, diz.

Sobre o meio publicitário, ela enxerga um movimento de interesse por artes visuais. “Ainda mais com a vinda do NFT (selo de originalidade dado a obras digitais). Imagina as possibilidades que isso gera, para a relação entre uma marca e o trabalho artístico. É um leque de possibilidades enorme e acho que o céu é o infinito”, diz, antenada e otimista.

Acervo em família

A arte é mais que bem-vinda no apartamento do casal de paulistanos Teodoro Bava, 24, e Eduardo Baptistella, 32 . Eles são donos de um conjunto ainda compacto de arte contemporânea, que conta com quinze trabalhos.

Imagem mostra dois homens, um em pé, de camiseta branca e calça preta, e o outro sentado, de camiseta e calça verdes. No ambiente, paredes brancas com pinturas penduradas.
Teodoro Bava, 24, e Eduardo Baptistella, 32: interesse por arte é herança familiar. (Leo Martins/Veja SP)
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Chama atenção a reunião de peças de gerações bem distintas. Há dois desenhos do veterano paulistano Hércules Barsotti (1914-2010), pintor adepto do grupo neoconcreto, mas também oito telas do mineiro Desali, nome promissor que teve suas obras exibidas em uma mostra coletiva em 2021 na galeria Marília Razuk.

A motivação da dupla para criar seu acervo foi familiar: Teodoro, que é sobrinho-neto de Ubi Bava, artista plástico paulista morto em 1988, cresceu em contato com a galeria de seu avô, Idéo Bava, cuja sensibilidade com as obras influenciou seu modo de administrar a própria coleção.

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“Meu avô nunca quis ter uma galeria comercial, ele sempre quis incentivar a produção artística de estreantes que nunca tiveram espaço”, conta. Hoje Teo, que é modelo e empresário de impacto socioambiental, assume o Projeto Ubi Bava, que resgata a obra do ancestral. “A maioria dos artistas que temos em casa conhecemos pessoalmente, e os que não conhecemos ainda já estamos prestes a conhecer”, diz.

“Não é simplesmente o que tem o maior valor monetário que importa para a gente, é uma visão mais sensível. Vejo e tento entender o que a obra impacta em mim, nos meus sentimentos”, explica Eduardo, que é empresário de uma incorporadora imobiliária. Telas de Arthur Luiz Piza e fotografias de Ed Viggiani e Claude Azoulay completam a coleção.

Organizada e contagiante

A paulistana Ana Isabel Ferreira Alves de Madach, 34, não faz muito rodeio, nem quando o assunto é seu nome. “Se puder, coloca só Bel na matéria.” Ela segue sem complicações também, quando o tema é sua coleção de obras.

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Imagem mostra mulher de vestido azul claro sentada em sofá, segurando uma tela.
Ana Isabel, 34: influência materna para montar sua coleção. (Leo Martins/Veja SP)

“O primeiro trabalho grande que tive foi um díptico, formado por duas litogravuras. Foi presente de casamento, vindo e de autoria da artista Shirley Paes Leme”, relembra com carinho. Bel tem informações técnicas desse trabalho (tamanho, linguagem e ano de criação) reunidas em um documento em PDF.

Nesse mesmo arquivo, estão as outras vinte e uma peças que possui. Destaque para duas fotografias de Valdir Cruz e Rodrigo Braga e uma tela de Rebeca Carapiá. De mudança para outro apartamento, também na capital paulista, ela tem ajuda da mãe, a também colecionadora Alayde Alves, de 62 anos, para guardar os itens.

“Minha mãe esteve presente no início da minha coleção também, porque foi ela que fez uma especialização em arte em 2008 e contagiou a mim e a minhas duas irmãs”, explica Bel. Alayde, vale dizer, foi uma das alunas do curso livre Entradas na Arte Contemporânea, no Instituto Tomie Ohtake, em 2014.

À época, a atividade foi ministrada pelo artista Pedro França e pelo curador-chefe da instituição, Paulo Miyada, que viria a ser também curador ad junto da edição de 2021 da Bienal de São Paulo. “O que minha mãe fez por mim, nesse sentido de formação, agora, eu faço com meus amigos, a maioria do mercado financeiro. Cada vez mais, gente desse segmento está interessada em saber mais sobre artes”, aponta Bel.

Olho para o novo

Pelé tascando um beijinho na bochecha do Batman. Essa é a cena que você vê na colagem digital de Luís Bueno, conhecido na cidade por estampar nos muros esse personagem, o Pelé Beijoqueiro. A obra em questão está no hall do apartamento do baiano Erick Santos, 36.

Imagem mostra homem de cabelo e barba preta vestindo camisa azul e calça branca sentado em mesa de madeira. No cômodo, diversos quadros na parede.
Erick Santos, 36: foi conservador do Masp por 17 anos. (Leo Martins/Veja SP)

Ele atuou, por dezessete anos, como conservador no Masp. “Acabei conhecendo muito artista no meu trabalho, mas também, quando viajo, faço minha própria pesquisa e entro em contato com alguns nomes por meio do Instagram”, detalha ele.

Foi dessa maneira, pelas redes sociais, que ele conheceu o mineiro Davi de Jesus do Nascimento, de quem adquiriu três trabalhos. Uma fotografia, uma aquarela e uma pintura a óleo. “Paguei esses trabalhos de forma parcelada”, diz Santos, desmistificando a ideia de que somente uma parte da população muito endinheirada está apta a criar uma coleção. Prestações também são usadas na aquisição de obras.

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Vale dizer que em 2017, quando Santos adquiriu um trabalho do artista, já havia um burburinho em torno do nome dele. Contudo, nada parecido com agora, em que Nascimento é parte do time da galeria e participou da Frestas Trienal de Artes, em 2021.

Essa expertise em identificar jovens promissores é chamada no meio de “ter olho”. Olho, se criou, no caso de Santos, por meio da profissão, mas há outros caminhos, como visitar mostras, ateliês e fazer cursos livres. Sem medo do novo também em sua vida, Santos acaba de se mudar para Fortaleza, para ocupar o cargo de coordenador de conservação na Pinacoteca do Ceará. Para lá, levou a coleção, que não para de aumentar.

Jovens experientes

Tem uma turma que tem entre 25 e 40 anos e se encaixaria no que se chama colecionador iniciante. Contudo, há um grupo mais experiente nessa tarefa de criar o seu acervo particular e é preciso tratá-lo em separado. É o caso da curadora paulistana Carollina Lauriano, 38.

Imagem mostra mulher em corredor apoiada em parede. Ao redor, vasos de plantas e pinturas na parede.
Carollina: curadora, colecionadora e também consultora. (Leo Martins/Veja SP)

Carolle se formou em jornalismo e atuou até 2017 no segmento da moda. Por influência e estímulo do irmão, o artista plástico Jaime Lauriano, enveredou para o mundo das telas, esculturas e performances. De 2018 a 2020, integrou o time de curadoria e gestão do Ateliê397, espaço independente voltado à formação.

Sua coleção tem obras de nomes pertencentes a grupos sub-representados, como a gaúcha Élle de Bernardini, uma mulher trans. Hoje, atua ainda como curadora independente, mas também caminha por desdobramentos, como o de consultora para colecionadores principiantes.

Esse lugar múltiplo, de curador, colecionador e consultor, não é algo incomum no meio, tanto no circuito mais tradicional quanto no alternativo. Vide o caso do paulista de Jaú Renan Quevedo, que criou a partir de sua coleção de arte popular, iniciada em 2014, um projeto chamado Novos Para Nós, que tem site (bityli.com/vjLQv) e um perfil no Instagram (bityli.com/FhWBz). Lá, ele produz conteúdos sobre artistas, apresenta suas pesquisas sobre essa vertente, além de manter uma lojinha para comercialização de peças.

Em sintonia parecida está a paulista de Ourinhos Marina Leite, 26, que, a partir do seu acervo particular, criou junto a amigos um espaço cultural, o Projeto Caroço. “Fomentamos a produção de artistas jovens, oferecendo o material preciso para a criação dos trabalhos e o lugar de exibição”, explica Marina, que mostra que um colecionador pode ir além da aquisição de obras e ajudar a fortalecer a cena artística em torno dele.

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Publicado em VEJA São Paulo de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

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