“Minhas histórias refletem as angústias do nosso tempo”, diz Itamar Vieira Junior

Premiado com o 2º Jabuti por ‘Salvar o Fogo’, o escritor fala sobre o musical baseado em ‘Torto Arado’, em cartaz, e sobre ‘Chupim’, sua primeira obra infantil

Por Luana Machado
29 nov 2024, 06h00
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Vieira Junior: parada em São Paulo para estreia de musical (Flavio Florido/Veja SP)
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Baiano de Salvador, o escritor Itamar Vieira Junior, 45, tem muitos motivos para celebrar. Depois de vencer seu segundo Prêmio Jabuti, no último dia 19, por Salvar o Fogo (Todavia), desembarcou em São Paulo no dia seguinte para a estreia de Torto Arado — O Musical, baseado no seu best-seller, lançado pela Todavia em 2019, e logo seguiu para Belo Horizonte, para uma sessão de autógrafos de Chupim (Todavia), seu primeiro livro infantil.

“Circular pelo Brasil interagindo com as crianças está sendo muito bom e inspirador”, diz Itamar, que escreve o terceiro livro da trilogia iniciada com Torto Arado e seguida por Salvar o Fogo.

Será mais um desdobramento da saga que aborda temas como luta pelo território, pobreza, racismo e marginalização das religiões de matrizes africana e ameríndia.

Em novembro, o autor, que vive no Rio de Janeiro e, entre um compromisso e outro, conversou com a Vejinha em São Paulo, chegou à marca de 1 milhão de livros vendidos. Somos um país de não leitores? “É uma ideia equivocada, mas o Brasil é desigual. Se uma parte expressiva da população ainda se preocupa com o que vai comer, como vai pensar em ler? Há cidades que nem possuem bibliotecas. Precisamos aumentar a oferta de livros”, afirma. Confira a entrevista a seguir.

Como recebeu a notícia do Prêmio Jabuti por Salvar o Fogo?

Eu estava no Rio de Janeiro. Não tive agenda para comparecer à premiação no Auditório do Ibirapuera, aqui em São Paulo. Na hora, eu assistia a um espetáculo e só soube depois, com a profusão de mensagens. Mas confesso que não esperava. Tinha diversos colegas maravilhosos indicados. Para mim, a indicação por si já era um prêmio.

Também te surpreendeu o sucesso de Torto Arado, vencedor em 2020?

Depois do Jabuti de Torto Arado, percebi que o livro estava no gosto do povo, encontrou leitores. Fiquei um tempo preocupado com a expectativa gerada, mas depois entendi que ele continuaria o caminho sozinho e eu deveria me concentrar nesse projeto que é escrever histórias e me comunicar com o leitor. Foi assim que veio Salvar o Fogo, e assim virá o próximo.

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Como surgiu a proposta de adaptação teatral de Torto Arado?

Nós assinamos o contrato com os produtores há três anos, e não tinha a informação de que seria um musical. Quando soube, fiquei muito entusiasmado, porque é uma linguagem que envolve o público. Infelizmente, não participei da criação, mas tive contato com a dramaturgia previamente, o que me deu segurança sobre a adaptação.

Na peça, diferentemente do livro, Donana é uma personagem-narradora. O que achou dessa alteração?

A linguagem do teatro traz suas próprias exigências. Por exemplo, no livro, até a primeira parte, não sabemos qual das irmãs (Bibiana ou Belonísia) é mutilada. E eu sei que esse suspense é difícil transpor para o palco. Acho que tudo é aceitável, desde que não descaracterize a obra. E a Donana ter crescido é muito válido e positivo, até porque caberia um livro inteiro sobre ela.

A sonoridade da peça se baseia no jarê, manifestação religiosa da Chapada Diamantina. Como foi vê-la no palco?

As composições de Jarbas Bittencourt são belíssimas e a maneira como o jarê é trazido está despida do exotismo em que poderia cair. Ele soube integrar as músicas no texto, com as personagens, porque faz parte da forma como elas veem e interpretam o mundo. Fiquei surpreendido como ele conseguiu fazer tantas composições inéditas, profundas e intensas em pouco tempo. Ele é realmente um gênio.

Brasileiros querem ler e demandam uma literatura mais diversa, que ilustre lugares e regiões do país não tão conhecidos

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Neste ano, Torto Arado venceu o Montluc Résistance et Liberté, na França, e foi finalista no International Booker Prize, no Reino Unido. O que indica esse interesse estrangeiro
por uma história tão brasileira?

Foi a primeira vez que um brasileiro se tornou finalista do Booker Prize e despertou o interesse por mais edições do livro, que está traduzido em 28 idiomas. Acho que isso mostra a universalidade da história humana, que mesmo com suas particularidades é também universal. A obra fala de coragem, conhecimento, dos que são historicamente despossuídos. Esses argumentos aparecem em todo canto. E cativam e motivam a acolhida dos leitores de outras partes.

E como é trazer essas temáticas no momento atual do Brasil?

São as discussões que vivemos neste momento que, de alguma maneira, influenciam o fazer artístico. Todo artista está refletindo e registrando o seu tempo. Vivo em um país com uma profunda desigualdade, mas com pessoas que não se abatem e continuam lutando por uma vida melhor. Não só para si, mas para toda a sua comunidade. Minhas histórias refletem as angústias e inquietações do nosso tempo.

Em seus livros, notam-se influências do modernismo regionalista. Quem são os autores que te inspiram?

As influências são muitas. Talvez as mais proeminentes são os romances escritos na primeira metade do século XX, em especial do que chamo de ciclo do Nordeste, que tinham um cunho social muito forte. Me sinto filiado a essa tradição literária, porque mostram essa trama da experiência humana atravessada pela nossa história social. Agora, eu refuto essa ideia de literatura regional. É um conceito problemático. O Brasil é muito diverso e cada um escreve do seu centro.

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Por que decidiu escrever Chupim, seu primeiro livro infantil?

Eu me formei leitor muito cedo e sempre cultivei o hábito de ler para crianças. Cheguei até a escrever algumas histórias infantis sem publicar. Achei que era o momento, porque estava vendo, nos eventos literários, filhos acompanharem os pais e as crianças falando sobre Torto Arado também, ainda que não tivessem lido. As crianças têm muita imaginação, fazem perguntas e associações muito inteligentes do mundo do trabalho, da infância, das desigualdades. É muito rico.

Quando começou, imaginava levar uma literatura negra e nordestina para o Brasil e o mundo?

Não estou sozinho nesse lugar. Meus companheiros de escrita, os autores do meu tempo, também estão conquistando espaço. A Carla Madeira, o Jeferson Tenório, a Socorro Acioli… Eu me sinto feliz e acompanhado. É muito interessante ver os brasileiros lendo nossa literatura, que tem aparecido em prêmios e debates importantes no exterior. Os brasileiros querem ler e demandam uma literatura mais diversa e que ilustre lugares e regiões do país que não são tão conhecidos.

Publicado em VEJA São Paulo de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921

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